Conferência de Alberto
Manguel encerra o Fronteiras do Pensamento 2014.
Escritor,
reconhecido por seu trabalho com a leitura e a literatura, fala em Porto Alegre
no dia 3 de novembro.
Livros, leitura, leitores
e literatura. Este é o único tema que interessa ao ensaísta, tradutor, crítico,
editor e romancista argentino Alberto Manguel.
Autor de mais de 20 obras de
ficção e não ficção, organizador de outras duas dezenas de antologias e tradutor
de diversos livros, foi, ainda, articulista do The New York Times e do
Washington Post.
É sobre sua experiência de vida em meio aos livros que o autor
irá falar no encerramento da temporada 2014 do Fronteiras do Pensamento Porto
Alegre, dia 3 de novembro, no Salão de Atos da UFRGS, às 19h45.
Para Manguel,
os livros são ferramentas de primeira necessidade que possibilitam o
conhecimento das coisas:
“As palavras numa página dão coerência ao mundo. Toda
biblioteca é uma autobiografia.
A minha é um conjunto de possibilidades de quem
sou”, afirma.
Os ingressos para a conferência estão esgotados. Informações no
site www.fronteiras.com
Alfabetizado em alemão e
inglês, e somente depois em espanhol, Manguel é também fluente em francês e
italiano. Filho de embaixador, com menos de um ano de idade mudou-se com a
família para Israel, onde passou a infância.
Aprendeu a ler aos três anos de
idade e, em meio à ditadura na Argentina, completou seus estudos iniciais.
Nesta época, aprendeu sobre a função humanizadora da literatura com um
professor, entendendo que a ficção é uma mentira que conta a verdade dos
personagens, que, no fundo, guardam as nossas experiências.
Anos mais tarde,
descobriu que este mesmo professor que tanto o inspirou foi um informante da
ditadura, responsável pela prisão e a morte de vários de seus colegas.
“Minha
primeira reação foi rechaçar a literatura associada àquele professor. Mas
percebi que ela é uma forma de manter atenção entre duas margens”, analisa o
escritor.
Para Manguel, ler é extensão
de uma função biológica dos seres humanos: enquanto alguns animais
desenvolveram a camuflagem, nossa espécie criou a imaginação, uma forma de
construir o mundo antes de experimentá-lo.
“A imaginação faz com que inventemos
histórias para reter nossa experiência. Para conhecê-las, desenvolvemos a
leitura.”
E completa: “Essa foi para mim a experiência primária. Aprendi nos
livros o que era a amizade, a morte, o amor, antes de conhecê-los na vida de
carne e osso”.
Terminado o secundário, o
escritor chegou a iniciar um curso na Faculdade de Filosofia e Letras da
Universidade de Buenos Aires, mas abandonou os estudos para dedicar-se ao que
realmente gostava de fazer: ler.
Em busca de sua vocação, mudou-se para a
Europa e, nos anos 1970, trabalhou em diversas editoras na Espanha, França,
Itália, Inglaterra e Taiti. Nos anos 1980, instalou-se em Toronto, adotando a
nacionalidade canadense.
Mora atualmente isolado no vilarejo de Mondion, nos
arredores de Poitiers, na França.
No local, comprou uma antiga casa paroquial
em ruínas e a reformou, transformando em residência. No celeiro, ao lado da
casa, instalou sua vasta biblioteca, que soma mais de 35 mil volumes.
Sobre sua
vida nômade, Manguel comenta: “Lugares chegam a nós da mesma maneira que
pessoas.
A gente se enamora de alguém ou alguém se converte no melhor amigo por
absoluta casualidade.
Em Poitiers, descobri uma cidade que me fascinou.
Arraigada na Idade Média, com a igreja românica mais linda de todo o mundo”.
Manguel atingiu
reconhecimento internacional com diversas honrarias recebidas, como o título de
Oficial da Ordem das Artes e das Letras, do Ministério da Cultura da França, e
os Prêmios Grinzane Cavour e Roger Caillois.
Autor de Uma história da leitura,
A biblioteca à noite, Dicionário de lugares imaginários – em coautoria com
Gianni Guadalupi –, Os livros e os dias e A cidade das palavras. Em todas as
suas obras, prega a leitura como a mais civilizada das paixões, uma celebração
da alegria e da liberdade.
Ensaia sobre os valores e sentidos representados no
ato de colecionar livros. Critica suas impressões de leitura que se entrelaçam
com lembranças pessoais e reflexões sobre o mundo contemporâneo.
E revisita
lugares imaginários da ficção mundial, criados por Umberto Eco ou Erico
Verissimo. Sobre a literatura brasileira, aliás, celebra Guimarães Rosa e
Machado de Assis, que mereceria, na visão do crítico, ocupar “o Olimpo da
literatura latino-americana”, relembrando do “grande Monteiro Lobato e sua
Emília”, com a qual se identificava na infância.
“Desde os meus três ou quatro
anos, minha família viajava muito. Não contava com um lugar fixo, sempre meu.
Esse lugar, para mim, foi o livro.
Lembro-me de sentir um alívio ao chegar em
casa e encontrar num livro o mesmo texto, com a mesma ilustração, na mesma página”,
recorda.
Sua mais recente obra, The Tower and The Worm, ainda inédita no
Brasil, se refere à tendência de encastelamento na “torre de marfim” a que a
atividade intelectual tem sido historicamente relegada no Ocidente.
Mas, de todas as suas
histórias, a que Manguel sempre tem que repetir, por onde quer que vá, é sobre
sua vivência com Jorge Luis Borges, a quem conheceu já praticamente cego, em
uma livraria na qual trabalhava em Buenos Aires.
O então adolescente passou a
frequentar a casa do velho escritor para ler-lhe contos, tarefa que repetiu
duas ou três vezes por semana entre os anos de 1964 e 1968.
Uma das versões
dessa história pode ser lida em No bosque do espelho.
A convivência íntima
transformou a figura e os livros de Borges em uma forte referência na
literatura de Manguel.
“Ele me parava para falar do uso de determinada palavra
ou de certas citações, dizia que uma citação poderia ajudar o leitor a
acreditar na realidade da ficção e fazer com que ele pensasse que era mais
inteligente que o escritor. Eram questões técnicas que ele gostava de observar
e depois aplicar em seus contos”, relembra.
Atualmente, Alberto
Manguel tem sido chamado a opinar sobre a efemeridade dos arquivos digitais,
justamente uma de suas principais críticas aos e-books, à decadência dos livros
de papel e à visão da internet como uma grande biblioteca.
Mas não é o suporte,
em si, o alvo da crítica do autor, e sim a finalidade econômica que tomou conta
do processo.
“O intelectual não tem prestígio numa sociedade em que o que vale
é o financeiro. As pessoas falam todo o tempo que as crianças e os jovens não
leem.
Não é um problema isolado, mas consequência. Instruem a não nos ocuparmos
de coisas que tomam tempo, que são profundas, lentas ou difíceis. Hanna Arendt
define cultura como aprendizagem da atenção.
Toda a cultura que alimentamos
hoje é contra a atenção, com um elenco de gadgets que requerem um salto
constante de uma coisa a outra.”
Por isso, o escritor e ávido leitor Alberto
Manguel é claro em suas crenças:
“Cada leitor deve escolher o seu caminho.
Quer
comece pelo princípio ou pelo fim, ou vá pelos sites de forma aleatória ou à
procura dos lugares específicos. Tudo depende do modo como gosta de viajar: se
sabe exatamente aonde quer ir e tem um guia a organizar a viagem, ou se gosta
de se deixar levar pela aventura sem saber onde o vai levar a estrada que
escolheu”.
SOBRE O FRONTEIRAS DO
PENSAMENTO
O Fronteiras do Pensamento
é um projeto cultural múltiplo que aposta na liberdade de expressão intelectual
e na educação de qualidade como ferramentas para o desenvolvimento.
Através de
uma série anual de conferências, o Fronteiras abre espaço para o debate e a
análise da contemporaneidade e das perspectivas para o futuro, apresentando
pensadores, artistas, cientistas e líderes que são vanguardistas em suas áreas
de pesquisa e pensamento.
Temas, ideias e
personalidades que moldam o nosso tempo ocupam o palco do Fronteiras, que tem
como valores básicos o pluralismo das abordagens e o rigor acadêmico e
intelectual de seus convidados.
Dessa forma, o seminário internacional busca
avaliar tendências, aceitando a provocação destes que são, hoje, alguns dos
mais renomados pensadores em atuação no mundo, constituindo uma linha
interdisciplinar de pensamento.
Em seus oito anos de
existência, o Fronteiras do Pensamento conta com mais de 180 conferências
internacionais realizadas para milhares de espectadores, trazendo para o debate
temas imprescindíveis, dando aos espectadores uma visão real dos próximos dez
ou vinte anos, nas diferentes áreas contempladas.
Fronteiras do Pensamento
Porto Alegre é apresentado pela Braskem e tem o patrocínio de Unimed Porto
Alegre, Gerdau e Hospital Mãe de Deus. Parceria acadêmica da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e parceria cultural de Natura, PUCRS e Celulose
Riograndense. Promoção Grupo RBS.
post: Marcelo Ferla
fonte: Fronteiras do Pensamento.