David Coimbra: o infeliz
do pepino
Por:
David Coimbra
Sinto a maior simpatia por
pessoas que tiram fotos da própria comida.
O sujeito está prestes a jantar uma
macarronada com vinho tinto, cessa tudo, registra e, orgulhoso, coloca a foto
nas redes sociais.
De certa forma, ele está partilhando aquela refeição
conosco.
Compartilhar uma refeição
é dos maiores atos de congraçamento, senão o maior.
Quando você come na
companhia de outra pessoa, está dividindo com ela algo que fará parte de ambos.
Haverá um pouco do mesmo em vocês dois, ainda que vocês estejam comendo pratos
diferentes.
Porque aquele é um momento de intimidade fisiológica, de consórcio
de organismos na idêntica e suprema função de sobrevivência da espécie.
Jesus sabia disso.
Quando
queria reforçar a união das pessoas em torno dele, o fazia durante um repasto.
Não por acaso, a Última Ceia foi, bem, uma ceia.
Não por acaso, a liturgia da
comunhão se dá no ato de comer e beber.
O pão é o corpo de Cristo, o vinho é
seu sangue.
Pessoas que comem e bebem
juntas realizam, exatamente, uma comunhão.
Por isso, comer na companhia de uma
pessoa desagradável faz mal.
Então, o sujeito que manda
fotos de um churrasco suculento não está só querendo se exibir; está querendo
dizer que gostaria que você estivesse comendo aquilo também, que estivesse lá
com ele.
Uma pessoa que admira
comida, em geral, é uma pessoa de bem com a vida.
E admirar, que digo, é no
sentido de apreciar com encantamento, como você se comove com o olhar doce de
uma mulher.
Coisa linda é ver um gordo
olhando para a comida.
Uma vez escrevi sobre um gordo da Redação que, todos os
dias, precisamente às quatro da tarde, ia comer um Chokito.
Ele pegava aquele
Chokito no bar e voltava para a mesa dele, imagino que para aproveitá-lo
sozinho, concentrado, sem ter de ficar conversando com ninguém.
Então, ele
descascava o Chokito como se estivesse descascando uma banana.
Dava-lhe uma mordida.
E, enquanto mastigava, ficava olhando para o Chokito em sua mão, rodando-o de
um lado para outro, analisando-o como se fosse uma joia.
Ali estava um homem na
plenitude de seu próprio ser.
Ele não precisava de mais nada na vida, além
daquele Chokito.
Um gordo e sua comida também realizam uma comunhão.
Entendo todas as questões
de saúde e tal, mas lamento um pouco a progressiva extinção dos gordos na nossa
sociedade.
Não estou falando de pessoas "acima do peso".
Estou
falando dos gordos autênticos.
Os que são chamados de "gordinhos".
Um gordo, se ele está
comendo, não fará mal a ninguém, não planejará nenhuma solércia, não será
movido pela malícia.
Ele só quer comer.
Mas outro dia alguém
postou uma foto de um pepino no Facebook.
Não era um pepino inteiro, que algum
gaiato dirá ter conotação fálica.
Não.
Era um pepino cortadinho em rodelas do
tamanho de moedas de um real.
Não estava nem temperado, aparentemente.
Estava apenas
fatiado melancolicamente sobre um prato.
Aquilo me deixou intrigado.
Um pepino
em fatias.
Alguém estava convidando outras pessoas para comer pequenos círculos
de pepino sem tempero.
Como a vida é vasta e variada.
Como as pessoas são
diferentes.
Tenho certeza de que o
autor daquela foto é um magro, um triste magro.
Ele deve passar os almoços
contando calorias.
Ele nunca come massa, come carboidratos. Ele nunca bebe, ele
se hidrata.
Aliás, ele provavelmente bebe só água.
Um suquinho, quando muito.
E
ele come com talheres de plástico e em pratos de papelão.
De pé.
Não confie em
alguém assim. Um amante de pepinos fatiados não ama a vida.
post: Marcelo Ferla
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