QUANDO AS LUZES SE APAGAM
14.07.2017
Vivemos momentos
desoladores.
O apagão do Senado é um fato simbólico que nos provoca a pensar
sobre como sobreviver no escuro.
Nos apagões em estádios de
futebol as luzes nunca voltam de uma vez só, o campo vai se iluminando aos
poucos.
Creio que as luzes só voltarão totalmente no Congresso depois das
eleições de 2018.
Daqui até lá teremos de nos
acostumar com a penumbra.
A realidade histórica obrigou-nos a derrubar
presidentes com uma frequência maior.
A repetição nos obriga também a um
espetáculo constrangedor, os deputados se sucedendo na tribuna: voto sim pela
família, pelos netos, pelo marido, por sua cidade natal e o pelo coronel
Brilhante Ustra.
Estamos no caminho dessa
desse velho enredo. Sempre se diz no final que a sociedade se surpreendeu com o
nível de seu Congresso.
A chance de evitar as surpresas que se repetem, apesar
de tudo, está concentrada na capacidade social de mudar o quadro em 2018.
Outro dia alguém me
perguntou o que esperava do eventual sucessor de Temer nesse período de
transição.
Nada, respondi distraidamente.
Aos poucos fui obrigado a precisar
esse nada.
Basta que toque a máquina do Estado, num momento em que muitos
setores ameaçam entrar em colapso.
E basta que o Congresso
tenha aprovado a reforma mais negociável, que é a do trabalho.
Na política, que
ao menos reduza o número de partidos.
No quesito tocar a máquina
será preciso considerar emergencial a crise da segurança pública.
Talvez por
uma visão limitada e pessoal eu destaque esse tema. Vivo no Rio de Janeiro e
viajo semanalmente pelas estradas do Brasil.
O Rio vive um clima trágico:
crianças mortas, balas perdidas, tiroteios.
E as estradas agora estão menos
policiadas, pois faltam recursos à Polícia Federal.
Não sou favorável à tese do
Estado mínimo, penso como John Gray que o Estado tem vários tamanhos possíveis,
dependendo das circunstâncias históricas.
Se Rodrigo Maia for
presidente, terá chegado ao cargo com 53 mil votos.
Em algumas configurações
partidárias esse número não chega a ser suficiente para eleger um deputado.
O
ideal, portanto, seria tocar as obrigações cotidianas, sem muitas marolas.
O Congresso ficaria na
penumbra, o que não significa opacidade, porque a transparência é uma
conquista.
Seria apenas uma forma de não atrapalhar mais a recuperação
econômica, evitar os sobressaltos dedicando-se a projetos que não tem mais
legitimidade para aprovar
Isso talvez possa liberar
alguma energia social.
Perdemos muito tempo ouvindo discursos, dispersamo-nos
muito com as nuvens da política.
Toda semana o PSDB se reúne
para decidir se sai ou não do governo.
Como dizia Cazuza, vivemos num museu de
grandes novidades.
As próprias discussões sobre
o destino do Temer, embora tratando de crimes diferentes dos atribuídos a
Dilma, têm a mesma monotonia jurídica.
O relator Sergio Zveiter afirmou que os
indícios eram suficientes para autorizar que fossem investigados.
Disse que,
nesta fase, não se trata de afirmar que in dubio pro reo, algo que se aplica ao
julgamento.
E concluiu que, nesse caso e etapa, a dúvida é pró-sociedade.
O advogado de Temer
questionou a tese em abstrato, afirmando o direito do indivíduo.
Algo louvável.
No entanto, a sociedade é feita de indivíduos que ocupam lugares diferentes,
arquitetos, cozinheiros, encanadores e um presidente da República.
No caso de denúncia
contra o presidente da República, a sociedade tem o direito de conhecer as suas
consequências.
O enigma de todo o processo
é a própria sociedade.
Embora atenta, não parece ter ânimo par ir às ruas.
No
“fora Dilma” havia emoção, confrontos.
A oposição a Temer revela-se
mais nas pesquisas de opinião do que nos movimentos de rua.
Tornou-se algo do
cotidiano, inspirou até a marca de uma cerveja artesanal Fora Temer.
Como toda
bebida algo alcoólica, imagino que sugira também moderação para evitar uma ressaca
brava.
A liquidação do grupo de
Temer, amigos presos, assessores presos, é mais uma etapa da derrocada de um
gigantesco esquema de corrupção.
O que restava do grupo dominante vai deixando
a cena e em seu lugar um apagado Congresso deve tocar o País num regime
parlamentarista não escolhido como resultado de um de debate sobre o rumo da
política.
Um parlamentarismo acidental, que deveria ter o cuidado de um zelador
noturno que trabalha apagando as luzes lentamente.
Até que amanheça. Com sol ou
nublado, radiante ou cinzento, mas amanheça.
Foi muito longo o período de
decomposição do processo político-partidário, ele tende a anestesiar, como os
tiroteios do Rio e a sucessão de mortes de crianças alvejadas em casa, na
escola, no carro e até na barriga da mãe.
As eleições em período de
desencanto político costumam marcar novas etapas.
Na Dinamarca o desencanto foi
devastador para os partidos dominantes, na França surgiu como um movimento por
fora deles.
Não sei o que acontecerá
aqui, mas duvido que continuaremos nessa sequência de quedas de presidentes e
deputados votando pela mãe, pelos netos.
Presidentes e deputados serão
possivelmente melhores.
Com um nível de informação como nunca teve antes sobre
o universo político, a sociedade deve se manifestar.
Ainda aí, nas eleições,
poderá surgir de novo a questão: vale a pena dedicar alguma energia a essa
mudança?
A resposta negativa pode perpetuar esse horror, em nome da mãe, dos
netos, da cidade natal e do coronel Brilhante Ustra.
Já se discute muito no Rio
se a cidade não se tornou impraticável.
Muitos brasileiros se deslocam para
Portugal, que exerce grande fascínio.
Mas 517 anos depois na dá para voltar
todo mundo para Portugal e encobrir o Brasil.
A saída só se encontra por aqui.
Mesmo depois de resolvida a escassez de passaportes.
Artigo publicado no Estadão
em 14/07/2017
post: Marcelo Ferla
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