O que pensa o polêmico
grupo acusado de racismo e antissemitismo que terá representante no alto
escalão do governo Trump.
João
Fellet - @joaofellet
Da
BBC Brasil em Washington
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Simpatizantes
da direita alternativa vibram com anúncio de estrategista-chefe e conselheiro
de Trump.
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A vitória de Donald Trump
trouxe à luz um polêmico movimento nascido no submundo da internet - e que
agora poderá ter um representante num cargo-chave da Casa Branca.
Simpatizantes da chamada
"alt-right" (abreviação de "alternative right",
"direita alternativa", em português) vibraram com o anúncio, no
domingo, de que Trump nomearia o executivo Steve Bannon como estrategista-chefe
e conselheiro sênior de seu governo.
Já críticos, de diferentes
espectros ideológicos, inclusive da direita, dizem que a nomeação deixará o
governo americano sob a influência de um movimento racista, antissemita e que
acredita na superioridade dos brancos.
Bannon presidiu o
Breitbart News, site de notícias que ele próprio definiu como a
"plataforma da alt-right".
Deixou a função para ser o
estrategista-chefe da campanha de Trump.
O site já comparou o
trabalho de uma agência que provê assistência para o aborto ao Holocausto,
chamou de "judeu renegado" um comentarista conservador e aconselhou
mulheres que se queixam de assédio online a sair do computador e parar de
"arruinar a internet para os homens".
Para o Southern Poverty
Law Center, ONG que monitora crimes de ódio nos EUA, Bannon é o principal
responsável pela transformação do Breitbart News numa "máquina de
propaganda etno-nacionalista branca".
Antes tido como marginal,
o site ganhou importância na eleição ao apoiar ferozmente Trump em seu embate
com o presidente da Câmara dos Deputados, Paul Ryan, após declarações
inflamadas do candidato sobre mulheres, minorias e até veteranos de guerra.
"A extrema-direita racista,
fascista estará representada a poucos passos do Salão Oval", escreveu no
Twitter John Weaver, assessor do governador de Ohio, John Kasich, que concorreu
com Trump pela candidatura republicana.
O chefe de gabinete
nomeado por Donald Trump, Reince Priebus, que disputará com Bannon o poder de
influência sobre Trump, defendeu a escolha do presidente eleito e definiu
Bannon como "uma força do bem".
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Chefe
de gabinete de Donald Trump, Reince Priebus, defendeu a escolha do presidente
eleito e definiu Bannon como 'uma força do bem'.
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"Eu não vi nenhuma
dessas coisas que as pessoas estão gritando sobre ele. É uma bom time,
funciona", afirmou.
Ele ainda sugeriu que as pessoas olhassem para ele, o
conhecessem antes de emitir uma opinião.
Já o ex-líder da Klu Klux
Klan (principal movimento supremacista branco nos EUA) David Duke elogiou a
escolha de Bannon e disse que o assessor cuidará do aspecto mais importante do
governo: a ideologia.
Trump já foi criticado por não se distanciar claramente
da KKK.
Identidade europeia X
multiculturalismo
A 'alt-right' não tem uma
definição única.
Já foi chamada de extrema-direita da era digital e agrega
grupos distintos com, em comum, uma intensa atuação nas redes sociais, muitas
vezes provocadora.
Não por acaso o Breitbart News, 'plataforma da alt-right' é
o quarto site do mundo em total de comentários, segundo o próprio Bannon.
O termo foi cunhado em
2008 pelo jornalista Richard Spencer, considerado um dos principais ideólogos
do movimento.
Spencer preside o National Policy Institute, que se define como
uma "organização dedicada à herança, identidade e ao futuro de pessoas de
ascendência europeia nos EUA".
Formado em filosofia
política na Universidade de Chicago, Spencer já declarou que o ativista negro
Martin Luther King Jr. (1929-1968) era uma "fraude" e um símbolo da
"desconstrução da Civilização Ocidental".
Ele também afirmou que
imigrantes latinos nos EUA estavam "se assimilando ao longo das gerações
rumo à cultura e ao comportamento dos afro-americanos" e lamentou que o
país estivesse se tornando diferente da "América Branca que veio
antes".
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Para
Milo Yiannopoulos (acima no meio), jovens são seduzidos pela 'alt-right' pelos
mesmos motivos que os jovens dos 1960 eram atraídos pela nova esquerda: 'porque
ela promete diversão, transgressão e o desafio de normas sociais que eles
simplesmente não entendem'.
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Um artigo no Breitbart
News coassinado pelo britânico Milo Yannopoulos, editor do site e tido como um
dos porta-vozes da alt-right, diz que o movimento agrega várias correntes de
pensamento unidas mais pelo que querem destruir do que construir.
O principal alvo do
movimento é o multiculturalismo, a crença de que povos com diferentes culturas
podem conviver harmonicamente num mesmo espaço.
"A alt-right acredita que
algum grau de separação entre os povos é necessário para que uma cultura seja
preservada", afirma o texto.
O movimento, que defende
conter a imigração nos EUA para preservar a cultura branca e europeia, abraçou
com entusiasmo a candidatura de Trump e sua proposta de construir um muro na
fronteira com o México.
Em agosto, a candidata
democrata Hillary Clinton citou a alt-right ao acusar Trump de promover o
preconceito e a paranoia na campanha.
Ela definiu a alt-right como uma
"ideologia racista emergente".
Membros do movimento
agradeceram a publicidade.
"A alt-right sempre se lembrará do dia em que
você ajudou a nos tornar a verdadeira direita", tuitou um simpatizante.
Racista ou racialista?
O professor de ciência
política do City College of New York Thomas Main, que está escrevendo um livro
sobre a alt-right, define o movimento como "racialista".
"Racialismo é uma
ideologia, a noção de que a minha identificação política está ligada à minha
raça e de que eu buscarei avançar as bandeiras dela, mesmo que à custa de
outras raças", ele diz à BBC Brasil.
Main distingue a alt-right
de grupos como a Klu Klux Klan e neonazistas.
"Esses são grupos violentos,
quase criminosos, formados por iletrados. A alt-right não é violenta, não prega
a violência".
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Ex-líder
da Klu Klux Klan (principal movimento supremacista branco nos EUA) David Duke
elogiou a escolha de Bannon.
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O professor afirma que o
movimento vem ganhando corpo desde o início deste século, período em que
ocorreram os ataques de 11 de Setembro, sucessivas guerras no Oriente Médio, o
colapso financeiro de 2008 e a eleição do primeiro negro como presidente dos
Estados Unidos.
"Esses fatos
chacoalharam muitas pessoas na direita, que pensaram que o velho sistema de
pensamento conservador não estava funcionando mais, que era preciso buscar
outras estratégias, outras retóricas. Isso deu fôlego à alt-right."
Em sua pesquisa para
escrever o livro, Main mediu o alcance dos principais sites ligados ao
movimento.
Ele afirma que, no último semestre, a audiência desses sites -
Breitbart News à frente - cresceu 86% por mês e que eles tiveram em média 85
milhões de visitas mensais.
Em comparação, os
principais sites da direita tradicional (como os das revistas National Review e
Weekly Standard) tiveram 46 milhões visitas por mês e um crescimento mensal de
13,7% na audiência.
Apesar dos crescimento, o
professor diz que o movimento ainda é pouco conhecido nos EUA, embora possa ter
tido um papel relevante na eleição.
Ele afirma que a alt-right
"forneceu ideias e um vocabulário que foram usados por muitos dos
apoiadores de Trump, e nesse sentido pode ter sido útil para a vitória
dele".
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Chefe
de gabinete de Donald Trump elogiou a escolha do presidente eleito.
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Durante a campanha,
simpatizantes da ideologia identificada com a 'alt-right' inundaram as mídias
sociais com memes favoráveis ao candidato.
Essa atuação intensa nas mídias
sociais já levou o movimento a ser classificado de extrema-direita da era
digital.
Em agosto, após trazer
Steve Bannon para a campanha, o candidato negou manter qualquer laço com a
alt-right e disse que "ninguém sabe o que é isso".
De fato, a maioria
dos americanos desconhece a denominação, mas a chance de já ter se deparado com
as ideias expressas por simpatizantes é grande.
O ex-presidente da Câmara
dos Deputados Newt Gingrich, cotado para assumir um cargo importante no próximo
governo, rebateu as suposições de que a administração Trump será influenciada
pela alt-right.
"Donald Trump é um
conservador tradicional que quer golpear profundamente a esquerda", ele
afirmou na segunda, após as reações negativas à nomeação de Bannon.
Diversão e desafio das
normas
No artigo no Breitbart
News em que explica o movimento, Milo Yannopoulos diz que, desde os anos 1960,
a mídia e o establishment político consideram aceitáveis discursos de
movimentos de "mulheres, LGBT, negros e outos grupos demográficos não-brancos,
não-héteros e não-masculinos, mesmo quando desembocam em puro ódio".
Por outro lado, afirma que
"qualquer discussão sobre a identidade branca, ou os interesses brancos, é
vista como uma ofensa herética".
Ele diz que muitos
"jovens rebeldes" aderem à alt-right não por serem
"instintivamente conservadores" nem por viverem um "despertar
intelectual".
Ironicamente, afirma
Yannopoulos, esses jovens são seduzidos pela alt-right pelos mesmos motivos que
os jovens dos 1960 eram atraídos pela nova esquerda: "porque ela promete
diversão, transgressão e o desafio de normas sociais que eles simplesmente não
entendem".
post: Marcelo Ferla
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