'Vi bombas, tiros, ataques
suicidas': os fotógrafos brasileiros que retratam batalha por Mossul.
Luciana
Barros
De
Londres para a BBC Brasil
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Gabriel
Chaim (esq.) está há sete meses na frente de batalha em Mossul; Felipe Dana
(dir.) está acompanhando os deslocados pelo conflito.
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Eles não se conhecem e não
trabalham juntos.
Em comum, cobrem a mesma guerra.
Mas com olhares distintos.
O paraense Gabriel Chaim é
fotógrafo freelancer - um profissional independente -, enquanto o carioca
Felipe Dana trabalha para a agência de notícias americana Associated Press
(AP).
Ambos trabalham em um
ambiente extremamente hostil: desde outubro, pelo menos dois jornalistas
morreram e 14 ficaram feridos na cobertura da batalha para recuperar Mossul, a
segunda maior cidade do Iraque, transformada em reduto do grupo autodenominado
Estado Islâmico (EI).
A informação é do
Journalistic Freedoms Observatory (Observatório da Liberdade de Imprensa, em
inglês), organização independente baseada na cidade iraquiana de Nínive e que
tem registro de 320 jornalistas iraquianos e estrangeiros trabalhando na
região.
'Nunca passei tão perto da
morte'
"Venho cobrindo os
curdos. Cheguei ao Curdistão iraquiano para acompanhar a retomada das cidades
nos arredores de Mossul.
Estou há sete meses no front, acompanhando um
batalhão", conta Chaim por telefone.
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Chaim
(de capacete) vive a rotina da frente de batalha lado a lado com os soldados
iraquianos - e se sente como um deles.
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"Acabei de chegar em
Erbil (a 80 km de Mossul) depois de uma operação de 22 dias.
Foi um terror,
nunca passei tão perto da morte como nessa última operação, na cidade de
Bashiqa.
Foi incrivelmente perigoso.
Vi bombas, tiros, ataques
suicidas...mortos e feridos.
Estou agora colocando minha cabeça no lugar,
ficando bem, para seguir outra operação daqui a sete dias."
Cerca de cinquenta mil
homens das forças de segurança iraquianas, combatentes curdos iraquianos (os
peshmergas), grupos tribais sunitas e milícias xiitas participam dos combates,
com apoio da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos.
'Soldado sem arma'
"Quando você fica
muito tempo no front, acaba se tornando quase um soldado. Um soldado sem arma.
Minha arma é o meu equipamento fotográfico", diz Chaim, que passa longos
períodos na frente de batalha.
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Um
médico americano voluntário do Exército curdo segura um bebê que perdeu toda a
família na fuga de Mossul neste registro de Gabriel Chaim; ele conta que na
mesma noite mais de 200 pessoas fugiram de Mossul e chegaram às trincheiras das
forças curdas pedindo socorro.
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Nesta
foto outra foto de Gabriel Chaim, soldado curdo peshmerga é atingido por
atiradores do EI durante intensa troca de tiros na disputa pela cidade de
Bashiqa, nos arredores de Mossul.
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"Sempre gostei de
ficar bastante tempo no front para tentar captar o dia a dia, não só da guerra,
não só da bala, mas como esses soldados vivem.
Não só aqui no Curdistão
iraquiano, mas também na Síria."
"Essa é a essência do
meu trabalho, tentar captar realmente o que acontece por trás da guerra.
O dia
a dia dos soldados."
Chaim tem 35 anos e
começou a fotografar profissionalmente em 2012, depois de cursar gastronomia em
São Paulo e passar uma temporada em Dubai, "estagiando e fotografando
comida em restaurantes caros".
"Depois fui para a
Itália estudar fotografia.
Meu sonho era cobrir conflitos", conta.
"Quando você está
cobrindo um conflito, se depara com milhares de pessoas que perderam as vozes,
que não têm mais como suplicar por ajuda.
Todos os dias eu realizo um sonho
quando consigo dar voz a essas pessoas."
Chaim diz que tem uma
missão:
"Ser um fotógrafo
numa área de conflito é tudo na minha vida.
Não sei viver sem isso e é a única
coisa que eu sei fazer hoje.
Todas as vezes que volto para o Brasil, para uma
vida cheia de rotinas e normalidades, parece que tudo aquilo não me pertence
mais.
Sinto muita falta de estar vivendo o dia a dia de uma área em
conflito."
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Nessa
foto de Dana, crianças vivem e brincam em meio aos escombros em que se
transformaram os vilarejos vizinhos a Mossul após o avanço das forças
iraquianas.
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Milhares
de pessoas foram deslocadas e agora vivem em campos de refugiados iraquianos;
neste registro, Dana mostra adolescente na fila de homens.
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Ele conta que tem se
dedicado mais a filmar do que a fotografar a frente de batalha.
Seus trabalhos
têm sido exibidos pela rede americana CNN, a alemã Der Spiegel TV e, no Brasil,
pela Rede Globo.
Em dezembro, deve apresentar a série Zona de Conflito, do
History Channel.
Chaim diz se identificar
muito com os soldados:
"É muito importante
fazer com que as pessoas com quem estou trabalhando em conjunto, os soldados,
se sintam confortáveis com a minha presença.
Gosto de parecer um deles, de
estar com eles."
"Nessa operação de 22
dias, dormi no chão com o colchão que eles têm, com os cobertores que eles têm.
Faço exatamente tudo que eles fazem.
No almoço, comia como eles arroz com
feijão branco; no café da manhã, pão com queijo industrializado.
Não levo
comigo nada diferente.
Não quero ser ninguém especial nem diferente deles.
Quero que os soldados me olhem como um igual."
Em meio à saudade, o
fotojornalista criou uma estratégia para "proteger" a família.
"Jamais publico nada
pessoal nas redes sociais, para não preocupar as pessoas que ficaram para trás.
Minha mãe entende hoje que esse é o meu trabalho, mas fica extremamente triste
e preocupada quando sabe que estou no front."
"Nunca conto para
ninguém onde estou.
Os parentes e amigos sabem que estou numa zona de conflito,
mas não sabem o que acontece.
Ninguém sabe, na verdade."
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Entre
os que fogem, há muitos moradores feridos no fogo cruzado ou nos bombardeios -
como nesta outra imagem feita por Felipe Dana.
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A ofensiva para a retomada
de Mossul tem sido extremamente difícil.
Os militares dos EUA calculam que o
Estado Islâmico tenha entre cinco mil e oito mil combatentes na região.
Eles
estão escondidos entre a população, estimada em 1,5 milhão de habitantes.
Retrato do sofrimento
O fotojornalista carioca
Felipe Dana, de 31 anos, está baseado em Erbil.
Ele explica que seu foco é o
drama humano - a população atingida pela guerra.
"Estou focando nas
pessoas deslocadas pelo conflito, especialmente nas famílias.
Elas são mais
importantes do que o tiroteio, do que as bombas.
O mais interessante são as
pessoas, o que está em volta do conflito.
É a destruição de cidades inteiras,
com milhares de pessoas vivendo nos escombros", diz.
"Seguimos o Exército.
Quando as tropas chegam, começam os ataques aéreos e por terra.
As pessoas saem
das casas e escombros com bandeiras brancas.
Uma quantidade impressionante de
crianças e mulheres", acrescenta.
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Crianças
brincam com destroços em um cenário de devastação. "Parece uma cena de
filme. É surreal", diz Felipe Dana.
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Dana encontrou crianças
brincando e jogando bola em meio aos escombros, com a fumaça de bombardeios e
incêndios dos poços de petróleo no horizonte.
"Parece uma cena de filme. É
surreal", conta.
"Na cidade de Qayara,
vi pessoas com a camisa da seleção brasileira, mas sem o escudo.
Me contaram
que o EI arranca o escudo de todas as camisas de times", lembra o
fotojornalista.
"O Estado Islâmico
não deixa as pessoas saírem.
As vezes você vê uma casa com bandeira branca, mas
há atiradores do EI escondidos no telhado.
Vi um garoto de 13 anos lutando pelo
EI."
Cena que se repete
Os EUA calculam que mais
de 200 mil pessoas serão desalojadas nas próximas semanas.
"É uma cena que se
repete.
Nos dias seguintes a um ataque, milhares de pessoas fogem.
Elas andam
pela rua aos milhares, levando tudo o que conseguem.
São filas de centenas de
carros supervelhos com 10 pessoas dentro ou mais, caminhões, tratores, tudo o
que você possa imaginar."
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Outra
imagem feita por Dana; calcula-se que 35 mil pessoas tenham fugido das áreas
próximas de Mossul nas últimas semanas.
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Essas pessoas seguem para
os campos de refugiados iraquianos.
Calcula-se que mais de 35 mil já tenham
fugido de Mossul, muitas feridas.
Perto da frente de batalha,
conta Dana, "é grande a quantidade de mortos e feridos".
"Os relatos das
pessoas em fuga são impressionantes", diz, lembrando, como exemplo, que um
morador mostrou um vídeo em que matava um combatente do Estado Islâmico.
"Ele se vingou arrancando o coração e a cabeça do homem."
Crianças contaram ao
fotojornalista que antes aprendiam inglês, mas agora não estudam mais nada -
desde que os extremistas assumiram o controle da cidade, há dois anos, o
professor do idioma não tem permissão para trabalhar.
Fumar é proibido, ter
celular também.
Qualquer transgressão às ordens significa morte no território
dominado pelo EI.
Filho de uma médica e um
engenheiro e morador do Jardim Botânico, bairro nobre da zona sul do Rio de
Janeiro, Dana começou a fotografar sozinho, aos 15 anos:
"Foi uma vontade
muito pessoal.
Não tenho jornalistas nem fotógrafos na família".
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Imagem
de Dana mostra mulher e criança andando pelo território desolado; desobediência
pode significar morte nos territórios dominados pelo Estado Islâmico.
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Trabalhou como assistente
de vários fotógrafos de publicidade no Brasil e na Austrália, onde foi estudar.
Aos 18 anos, já tinha uma carreira.
"Hoje vi uma criança
de três anos carregando um saco de arroz de cinco quilos.
Ela mal conseguia
andar. Numa hora dessas, você vai ajudar também.
É o mais comum", conta
Dana.
Para ele, essa é a parte
mais difícil do trabalho.
"São milhares de
pessoas que precisam de tudo.
Eu me sinto fazendo o mínimo. Divido a minha
comida, se me pedem.
Estou simplesmente sendo humano."
A disciplina e a
concentração ajudam o fotojornalista a minimizar seu próprio sofrimento.
"Não sofro
imediatamente, só depois, quando termino o trabalho e reflito sobre o que vivi.
Consigo sobreviver emocionalmente, porque tento não pensar nas piores coisas
que vejo."
post: Marcelo Ferla
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