Sou ateia e sinto-me
discriminada. Pronto, falei.
Saturday,
October 30, 2010
Pouco importa o que Dilma
e Serra de fato pensam sobre aborto.
Em campanha, eles dirão o que o povo
brasileiro deseja ouvir - e não os culpo nem um pouco por isso.
Se o que o povo
deseja ouvir é que o(a) futuro(a) chefe de nosso Estado teoricamente laico é
temente a Deus e aos valores das religiões católica e evangélica, assim será.
Por quê?
Porque, no nosso país, ser ateu é feio.
Ateus não são confiáveis.
Ateus não podem ser chefes de Estado nem devem confessar em cadeia nacional sua
não-crença, como minha mãe bem me advertiu lá no começo da minha carreira de
declarações públicas ("Olha o Fernando Henrique, até ele passou a falar em
Deus!").
Segui o conselho de minha
mãe por dez anos, resignada e crendo que, de fato, pouco deveria importar para
os outros se eu pessoalmente acreditava ou não em Deus ou seguia alguma
religião em particular.
Mas agora, irritada ao ver os jornais e as campanhas políticas
dominadas pelo discurso religioso, resolvi que não me calo mais: sou ateia,
sinto-me discriminada por causa de minha crença na não-existência de um Deus
(nem de vários), e agora vou fazer ativamente campanha em prol do respeito à
não-crença.
Crenças são produto do
cérebro: modelos internos que criamos para explicar acontecimentos
sistemáticos, não importa se baseados em evidências ou não, dentro dos quais
nossos valores e experiências de vida se encaixam, e que nos ajudam não só a
explicar eventos quanto a predizê-los, o que por sua vez ajuda a orientar
nossas ações.
Pessoas diferentes creem na bondade dos homens (ou na sua maldade
intrínseca), na pureza das crianças, em guardar dinheiro na poupança, creem no
governo, em educar-se muito e sempre ou em fazer o bem ao próximo.
A crença em Deus, em
particular, resolve muitas questões de uma vez só: para começar, todas aquelas
em que não conseguimos identificar um agente responsável pelos acontecimentos.
A colheita foi boa?
Deus quis.
Foi péssima?
Obra Dele, também, por algum de
seus desígnios.
Surgiu um câncer?
Desapareceu sozinho?
Nossos olhos e ouvidos
internos são estruturas complexas e aparentemente improváveis?
Obra de Deus.
Uma alternativa é aceitar
que cânceres, dilúvios, seres altamente complexos e tantas outras coisas
simplesmente acontecem, sem um Agente identificável.
São obra do acaso, ou da
Natureza, ou de algum outro agente ainda não identificado.
Para mim e meus
colegas ateus (ou agnósticos: não vejo diferença prática entre uns e outros, assim
como não vejo diferença entre crer na inexistência de Deus ou não crer na Sua
existência), essa é nossa crença.
A crença em um Ser superior, portanto, é tão
boa quanto qualquer outra crença, posto que são crenças, justamente: nem
melhor, nem pior.
E no entanto, não temos
liberdade para dizer que não cremos em Deus, ou que acreditamos em debates
(sobre o aborto ou o casamento gay, por exemplo) que NÃO envolvam a religião.
É
devido à imposição de Deus, crença aparentemente compulsória nesse país, que tem-se
o nojo que anda o jornal O Globo e, nojo dos nojos que deixou minha ínsula
absolutamente revoltada, a revista Veja da semana passada (digo isso somente
agora, tarde demais para que meu repúdio gere curiosidade e os ajude a vender
exemplares).
Pois cansei de ser
discriminada.
Quero ter direito à liberdade de exercer minha não-religiosidade
e a não ser considerada pior do que os religiosos por não crer em Deus.
Defendo
os direitos dos religiosos de curtirem suas crenças em paz, e acho o máximo
conhecer a cultura, os valores e as particularidades de judeus, muçulmanos e
tantos outros - mas está na hora de os não-religiosos também terem a sua
não-crença respeitada.
E respeito começa pela
não-imposição de valores.
Assim como não desejo que todos os brasileiros
abandonem suas crenças particulares, repudio ardentemente a imposição de
valores católicos ou evangélicos ou de qualquer outra religião à política e aos
meus direitos civis.
Quero um Estado laico de fato: que respeite a diversidade
de crenças, incluindo aquela na inexistência de Deus, e não tome decisões
pautadas por religião alguma.
Não acredito em Deus, mas acredito no ser humano,
acredito em fazer o bem, e acredito que nossa liberdade tem que ter limite onde
nossas crenças e ações começam a interferir na liberdade dos outros.
E a partir de agora, podem
ter certeza que vou responder com todas as letras toda vem que me perguntarem,
em cadeia pública ou em particular: sou ateia.
Não acho necessário invocar um
Deus criador, onipresente e onisciente para explicar o mundo, nós mesmos ou
nossas ações, não acredito que ele exista, e creio que ele de fato não existe.
Faço o bem porque acredito em fazer o bem e acredito nas pessoas, e não por
temor a um Deus.
E não acho que eu seja uma pessoa pior porque minha vida é
pautada em valores que não incluem um Deus. Pronto.
Assim vou fazer minha parte
pela liberdade de expressão religiosa *e* não-religiosa.
Inclusive porque, como
Fernando Pessoa bem escreveu, não ter Deus é um
Deus também...
Um leitor me lembrou que
eu tinha abordado o assunto tangencialmente em um post anterior chamado Os DezMandamentos, Versão Laica, a respeito de um livro de Richard Dawkins.
Deixo
aqui a sugestão de leitura para quem quiser - e aproveito para agradecer a
profusão de comentários positivos de crentes e descrentes igualmente!
post: Marcelo Ferla
fonte:
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