"Essa informação
perturba tudo o que se sabe", diz historiador sobre o Homo naledi.
Professor
do Departamento de História da UFRGS, o historiador e arqueólogo Francisco
Marshall diz que a descoberta representa uma revolução.
Que relevância tem a
descoberta do novo hominídeo?
É o fato científico do
ano. É uma coisa extraordinária.
Esse achado revoluciona a datação atribuída ao
mais antigo sepultamento evidenciado de um ancestral humano.
A espécie
encontrada é um hominídeo, com morfologia de hominídeo. E a datação remete a
2,5 milhões de anos antes do presente. A hipótese levantada pelo arqueólogo que
escavou e divulgou o achado é de que seja um ato intencional, uma deposição
intencional, ou seja, um sepultamento.
O fato de as ossadas de
vários indivíduos estarem juntas indicaria isso?
Não houve nenhum outro
indício de causa externa, como um animal que tivesse tocaiado ou algum evento
sísmico ou hidráulico. Todas as hipóteses verificadas não foram certificadas. A
única hipótese hoje em análise é que seja um sepultamento. Hoje, a data de
sepultamento mais antiga certificada, consensual, é na Croácia, de 130 mil anos
atrás. Então, se for confirmado, estaremos estendendo isso em 2,4 milhões de
anos.
Esse sepultamento
indicaria a existência de uma cultura com complexidade?
O sepultamento é o grau
máximo de cultura nesse ambiente histórico. Para que ele exista, tem de haver
uma linguagem que comunique, que coordene a ação de todos esses indivíduos, um
sistema de códigos, um aparelho fonador, capacidade cognitiva. Simultaneamente,
também um sistema de memória cultural que transmita esse conhecimento, logo,
instituições, mitos, ritos, narrativas, representações iconográficas.
Além
disso, concepções metafísicas sobre o post mortem, ou seja, um pensamento
abstrato que imagine ser necessário o sepultamento e que o realize ritualmente.
Então havia toda essa
complexidade em um período que não se imaginava?
Exatamente. Porque as
primeiras ferramentas vão ser encontradas um milhão de anos depois. E
sepultamento, que é do que estamos tratando aqui, 2,4 milhões de anos depois.
Essa descoberta reescreve muitas coisas.
Em primeiro lugar, a história cultural
dos ancestrais humanos.
Faz recuar vertiginosamente a datação. Estamos falando
de 2,5 milhões de anos. É uma loucura.
Reescreve também o que se sabe dos
demais hominídeos e abre questões: o que houve com essa tradição entre o Homo
naledi e o Homo erectus?
Essa tradição se perdeu?
Não há por que achar que
se perdeu. Pode ter se mantido.
Esse hominídeo seria um
ancestral dos humanos modernos?
Sim. Eles têm vários
traços anatômicos do humano moderno. Já é um hominídeo. Não é um
australopitecíneo, que são os ancestrais imediatos.
O cérebro era muito menor
do que o do humano moderno.
Um terço do tamanho. Todos
os fatos evidenciam que eram muito diferentes dos humanos modernos, mas já
tinham comportamentos sofisticados. Claro, os padrões são diferentes, mas
suficientes para verificarmos o conceito de cultura, que é o que importa
reconhecer aqui.
Essa descoberta mostra que
ainda temos muito a entender sobre o passado humano?
Neste momento, é uma
perplexidade.
Essa é uma informação que perturba tudo o que se sabe.
post: Marcelo Ferla
fonte: Zero Hora
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