Cuidado
em saúde mental tem de olhar para fatores como renda e vínculos sociais, diz
psiquiatra.
Para psicoterapeuta
e professor da Unisinos, tem ocorrido qualificação de meios de diagnóstico e
tratamento, mas é preciso estar atento a exageros.
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O psiquiatra e
psicoterapeuta Rogério Lessa Horta foi um dos entrevistados da edição do
caderno Rumo, sobre os caminhos para se promover a saúde.
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Na entrevista a seguir, o
professor da pós-graduação em Sáude Coletiva da Unisinos fala sobre os determinantes
que podem levar ao adoecimento psíquico e as formas de enfrentamento aos
desafios da saúde mental.
O que é ser mentalmente
sadio?
Costuma-se definir o
adoecimento psíquico como a percepção de sofrimento ou dificuldades no
desempenho do indivíduo em relação aos seus pares, às relações e ao meio.
Em
princípio, ser mentalmente sadio é ser capaz de se organizar com esse conjunto
de relações, ter desempenho que lhe dê satisfação, prazer ou bem-estar.
Pode-se
pensar esta trama de relações, desde cuidados com a sobrevivência até relações
complexas como cidadania e participação social, capacidade de crítica,
compreensão, aprendizado.
Pode-se dizer que a
contemporaneidade é de menos saúde mental?
No passado, não tínhamos
os mesmos instrumentos e meios de medida em relação a sofrimento e satisfação
pessoal.
As pessoas fazem inferências do tipo "hoje em dia é muito mais
estressante".
É difícil comparar.
Se, hoje, estou numa condição
socioeconômica melhor, minha vida vai parecer melhor.
Se eu passar por um
declínio social, por perdas econômicas, a vida vai parecer pior.
Do ponto de
vista coletivo, conseguimos medir essa coisas hoje em dia.
O que se sabe é que
essas são questões psicossociais multideterminadas.
Isso justifica a opção de
chamar o serviço de saúde mental de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS),
pensando que a prevenção e o tratamento têm de dar conta não apenas da questão
médica, farmacológica, mas de questões psicossociais, de estabilidade, de
formação de renda, de vínculos sociais.
Ocorre um excesso de
diagnósticos ou um excesso de sofrimento?
As duas perspectivas fazem
sentido.
Até pouco tempo atrás, depressão e ansiedade eram condições
negligenciadas, tratadas como irrelevantes, não como questões de saúde.
Até que
a distimia, uma forma de depressão persistente, fosse enunciada como doença,
uma pessoa com distimia era vista como ranzinza, como desistente, ganhava
contornos pejorativos e não era vista como passível de tratamento ou cuidados
de equipe de profissionais da saúde.
Por outro lado, temos
alguns excessos e exageros, porque a prestação de serviços e medicamentos se
constitui em um circuito econômico.
Há um interesse no excesso de diagnósticos.
Tem-se, então, as duas
coisas: maior acurácia, qualificação dos meios de diagnósticos, dos conceitos,
do treinamento de profissionais -- que é benéfico --, e um risco de exagero a
que é preciso estar atento.
E quando temos maior
oferta de serviços, com a reforma psiquiátrica, em que o serviço de saúde deixa
de ser centrado no hospital e passa a se constituir em serviços comunitários,
mais próximos de onde as pessoas vivem, começa-se a ter dimensionamento mais
próximo da carga desse tipo de doença.
Há questões do nosso tempo que fazem que
pessoas adoeçam mais?
É possível que sim, ao mesmo tempo em que há facilidades
e recursos que provavelmente nos ajudem.
Quando o sofrimento
psíquico passa a ser passível de tratamento?
O único meio de
discriminar entre "sentimentos normais" e os que justificam a busca
de atendimento não está na tipologia dos sintomas, nem em especificidades de
sua origem.
No luto, por exemplo, as pessoas desenvolvem várias evidências de
um quadro depressivo.
Uma pessoa enlutada precisa de ajuda não por ter aqueles
sintomas, mas quando o prejuízo que deles decorre é mais importante, com
repercussões mais relevantes e, principalmente, se a pessoa (ou as pessoas que
se preocupam com ela) não se percebe capaz de resolver aquela condição sem
ajuda profissional.
A gravidade das diferentes
formas de adoecimento psíquico pode ser sintetizada em esferas de repercussão.
Quadros leves nos incapacitam apenas para atividades eletivas e de lazer.
Quadros moderados incapacitam ou dificultam sensivelmente o desempenho nas
atividades consideradas obrigatórias, como trabalho e escola.
Graves são os quadros
que nos incapacitam até mesmo para as atividades de cuidados pessoais.
Novas descobertas no campo
da neurociência têm impactado a visão e tratamento de problemas como depressão
e ansiedade?
Os avanços seguem
restritos ao campo da pesquisa, de melhor compreensão dos fenômenos.
Não há,
ainda, desdobramento em dispositivos de cuidado ou medidas terapêuticas
específicas.
O investimento nessa linha
de pesquisa é fundamental, porque ainda conhecemos pouco dos processos de
adoecimento.
Mas o maior avanço recente que se tem em países como o Brasil é a
mudança da política de cuidados, a reforma psiquiátrica.
post: Marcelo Ferla
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