Judeus revelam o que os
nazistas fizeram com seus cães e gatos.
Fátima
ChuEcco/Redação Anda – Agência de Notícias de Direitos Animais.
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Garota judia e cachorro.
Foto do arquivo do blog “ofthingsforgotten”
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A Anda, em uma matéria
especial, foi atrás de uma parte da história não contada, mas que também causou
muito sofrimento aos judeus durante a ocupação nazista: o destino de seus
animais que, na época, eram em sua maioria cães e gatos. Relatos de sobreviventes
residentes no Brasil mostram que, além de todo o sofrimento ao deixar suas
casas, empregos e família rumo aos campos de concentração, houve ainda a
dolorosa perda dos animais que faziam parte de suas vidas. Muitos judeus eram
crianças e tinham laços afetivos fortíssimos com seus amigos de quatro patas.
Mas não houve trégua.
Cães
e gatos foram executados na frente dos judeus, abandonados dentro das casas,
escondidos em porões, levados para morte induzida e, com alguma sorte,
clandestinamente acolhidos por famílias não-judias.
É provável ainda que cães e
gatos tenham servido para testar as câmaras de gás antes do genocídio ter
início e que também tenham servido a experimentos médico-científicos pelos
nazistas.
Esse é um capítulo da nossa história que vale a pena conhecer. E
mais:
Quem era o gato de Anne Frank?
E será que Hitler gostava mesmo de animais ou apenas de seus próprios cães?
O
legado: assassinato em massa de judeus teve outras consequências, décadas
depois, inspirando o funcionamento das câmaras de gás ainda presentes em muitos
centros de controle animal do mundo.
Embarque nessa matéria
exclusiva que traz à tona um capítulo do nazismo que ficou esquecido… até
agora.
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Garota judia segura gato.
Foto do arquivo do blog “ofthings forgotten”
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Judeus foram proibidos de
ter animais
Os judeus já vinham sofrendo
muitas restrições desde a década de 30 como ouvir rádio, ir ao cabeleireiro,
cinema, concertos, museus, andar de ônibus, passear nos parques, ter máquinas
de escrever, frequentar bibliotecas e restaurantes.
“Para fazer suas compras,
os judeus dispunham de apenas uma hora, sendo que não podiam adquirir peixe,
café, chocolates e frutas”, comenta em seu diário, transformado em livro (e
best seller) o professor de literatura Victor Klemperer (falecido em 1960).
Em 1942 veio mais um
golpe.
Eles foram proibidos de manter animais domésticos.
A casa do professor
foi confiscada.
Ele, que era nascido na Alemanha, mas filho de judeus, e a
mulher Eva conseguiram salvar apenas algumas peças da mobília e seu amado gato
chamado Muschel.
Foram então viver num abrigo na cidade alemã de Dresden para
pessoas de casamento “misto” que, na linguagem dos nazistas, eram aqueles em
que apenas um dos cônjuges tinha descendência judia.
Em maio daquele ano ele
anotou no diário:
“Encontrei a senhora Ida Kreidl durante as compras e ela me
contou o mais recente decreto dos nazistas.
A partir de agora, os judeus e quem
mora com eles estão proibidos de manter animais domésticos (cães, gatos,
pássaros).
Os animais também não podem ser dados a terceiros.
É a sentença de
morte para nosso Muschel, com quem convivemos há 11 anos.
Amanhã ele será
levado ao veterinário para poupar-lhe a morte coletiva”.
O professor conta que
a morte do gato foi um grande choque para eles:
“Outra pessoa não entenderia
nosso martírio, poderia achar ridículo ou até imoral já que há tanta gente
sofrendo”.
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O diário de Victor
Klemperer tornou-se um importante registro sobre o nazismo. Foto: Divulgação
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Relatos
exclusivos à Anda
“Meu pai teve que matar
nosso cachorro”, conta Klara Kielmanowicz que estava com 10 anos de idade
quando teve início a perseguição aos judeus.
Ela estava atrás de uma trincheira
com a família tentando se esconder dos soldados nazistas, mas seu cachorro, de
nome Tufi, não parava de latir.
“Foi então que meu pai matou meu cachorrinho
com um tiro para não sermos descobertos.
Eu não vi ele ser morto, mas vi meu
pai e irmão o levarem para outro canto. Soube depois que o mataram.
Lembro que
chorei muito”, conta a sobrevivente que reside no Brasil.
Ela diz que na época ouviu
falar que um vizinho, ao ter a casa abordada pelos nazistas, teve seu cachorro
executado porque ele também começou a latir sem parar.
“Meu pai vendeu a casa
na cidade e fomos para um sítio onde havia cavalos, vacas e galinhas, mas ficou
tudo lá. Inclusive, na cidade, quando os judeus tinham que deixar suas casas,
largavam também os animais e todos os seus pertences.
As pessoas entravam nas
casas e pegavam o que queriam, inclusive os bichos de estimação.
Não eram só os
soldados que invadiam as casas, mas qualquer pessoa”, relata.
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Anne Frank com cachorro
anos antes de ter que viver em esconderijo. Foto: Domínio público web.
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Michele Schott, de 81
anos, é francesa, mas diz que seu pai também sofreu perseguição por parte dos
nazistas por ser católico. Ela tinha apenas seis anos em 1940 e conta que
várias crianças judias foram acolhidas por famílias francesas, belgas e
holandesas enquanto seus pais eram levados para os campos de concentração:
“Essas crianças não eram adotadas, mas ficavam sob a guarda dessas famílias
para o caso de seus pais retornarem. Junto com as crianças certamente os
animais de estimação também eram acolhidos.
Sei disso porque nunca vi, quando
criança, animais andando abandonados nas ruas.
Tenho certeza que quem acolhia
as crianças também acolhia os bichos”, diz.
Ela conta ainda que era
tudo feito secretamente para os alemães não levarem as crianças embora.
Segundo
Michelle, na França, essas pessoas que ficavam com as crianças eram chamadas de
“les justes” ou “os justos”.
A entrevista com Klara e Michelle foram conseguidas
com a ajuda da equipe da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, coordenadora do
Núcleo de Estudos Arqshoah junto ao LEER/USP – Laboratório de Estudos sobre
Etnicidade, Racismo e Discriminação que atualmente tem 250 testemunhos
gravados.
O atual projeto do LEER chama-se “Vozes do Holocausto” e irá produzir
vários vídeos com fins pedagógicos.
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Judeu feliz com seu
cachorro. Foto do arquivo do blog “ofthingsforgotten”
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Extermínio de cães e gatos
Uma rara reportagem sobre
os animais do holocausto no blog “ofthingsforgotten”(em inglês) diz que, em
1940, vários cães foram executados num gueto judeu devido a um suposto surto de
raiva anunciado pela “polícia sanitária alemã”.
Depois disso ficou estritamente
proibido ter animais nos guetos e a punição seria tanto para quem estivesse
abrigando o cachorro quanto para outros moradores da mesma casa.
“Na grande
fome que se seguiu com racionamento de comida e superpopulação do gueto,
animais vadios foram por vezes consumidos pelos habitantes esfomeados”, é
relatado no blog.
E teve coisa pior.
Em
janeiro de 1942, todos os judeus de uma cidade da Lituânia foram obrigados a
levar seus animais de estimação para uma pequena sinagoga.
Lá os animais foram
mortos pelos soldados alemães e suas carcaças deixadas para apodrecer durante
meses em local público.
Há, segundo a reportagem, relatos sobre cães e gatos
atirados pelas janelas de prédios por soldados nazistas como forma de
aterrorizar os judeus.
Por ocasião do decreto de
1942 que proibia manter animais, os judeus tiveram que entregá-los aos alemães
para serem induzidos à morte.
Como alternativa podiam apresentar certificado de
que o animal havia sido morto numa clínica veterinária – como fez o professor
Klemperer.
Consta que os animais recolhidos foram mortos por uma Associação de
Proteção Animal Alemã num hospital judeu e houve manifestações com pessoas
portando fotos onde apareciam com seus bichos.
Helen Lewis, uma sobrevivente do
Holocausto, conta no blog que testemunhou uma cena comovente em que num posto
de coleta de animais, tutores, com seus cães e gatos presos em gaiolas,
choravam muito.
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Hitler com a cadela
Blondie. Foto: Domínio público web
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Hitler gostava de animais?
Com toda a matança de
animais de judeus e provável utilização desses animais para testar as câmaras
de gás onde mais tarde seriam levadas também pessoas, é possível deduzir que
Hitler gostava apenas de seus próprios cães.
A cadela Blondie, uma pastora
alemã que aparentemente era a preferida dele, dormia no quarto do comandante
nazista no bunker subterrâneo.
Ela deu à luz a cinco filhotes.
Percebendo sua derrota,
Hitler deu comprimidos de cianureto para Blondie a fim de saber se as pílulas
também funcionariam com ele.
Ao vê-la morrer percebeu que poderia cometer
suicídio.
O sargento Fritz Tornow cuidava de todos os cães do bunker e, a mando
de Hitler, matou todos os filhotes de Blondi e também os cães de Eva,
companheira de Hitler. Veja aqui.
No entanto, há mais coisas
para se descobrir sobre Hitler e sua relação com os animais.
Uma coisa é certa:
ele não evitava carne por conta de “respeito” aos animais e sim porque sofria
de graves males estomacais e intestinais que o obrigavam a ingerir
preferencialmente pratos leves, frutas e verduras.
E parece que Hitler tinha
planos mirabolantes.
O pesquisador Jan Bondeson, autor do livro “Amazing Dogs:
A Cabinet Of Canine Curiosities”, diz que os oficiais nazistas recrutavam
cachorros para uma escola próxima à cidade de Hanover, para serem treinados.
O
objetivo era ensinar os cães a falarem e lerem.
A escola foi inaugurada no
início da década de 1930 e permaneceu em funcionamento durante a Segunda
Guerra.
Será que Hitler gostava de cães desde que não tivessem convivido com
judeus? Veja aqui.
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Moortje era a gata de Anne
Frank. Foto Site Puissance Zelda
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O gato de Anne Frank
Quem conhece a história de
Anne Frank, que ficou escondida dos nazistas num anexo ou sótão do prédio onde
seu pai tinha empresa em Amsterdã (Holanda), sabe que no esconderijo havia
também um gato, mas ele não era da garota.
O prédio tinha dois gatos, Moortje,
uma gata preta que era da família de Anne (vide foto) e foi abandonada no
momento em que a família teve de se esconder, e Mouschi que era mantido no
edifício para afastar os ratos e circulava por toda parte.
Mouschi chegou ao anexo
pelas mãos de outro “hóspede” foragido e lá ficou por dois anos até o dia em
que os nazistas descobriram o cativeiro.
O gato aparece no filme “O Diário de
Anne Frank”, de 1959, baseado nas páginas escritas pela adolescente.
É um dos
clássicos mais assistidos no mundo todo.
A história, é também contada pelo próprio
felino no livro “Mouschi – O Gato de Anne Frank “, de José Jorge Letria.
A
obra, que é conduzida por meio de ilustrações, narra como um gato assistiu ao
nazismo tendo como companheira uma garota que sonhava ser jornalista.
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Anne Frank ficou escondida
em sótão com outras pessoas e um gato. Foto: Domínio público web.
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O livro “Faithful Friends:
Holocaust Survivors’ Stories of the Pets Who Gave Them Comfort, Suffered
Alongside Them and Waited for Their Return”, escrito por Susan Bulanda,
sobrevivente do Holocausto, reúne histórias de animais que sobreviveram e
outros que até reencontraram seus tutores quando a guerra chegou ao fim.
São
relatos de homens e mulheres que eram crianças durante a Segunda Guerra
Mundial.
Eles contam como perderam pais, irmãos e amigos nos campos de
concentração e como os animais lhes deram conforto e coragem criando uma
conexão, ainda que em pensamento, com tempos mais felizes, ajudando-os a não
perderem a esperança. Veja mais aqui.
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Livro conta história de
animais domésticos sobreviventes do Holocausto. Foto: Divulgação
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O legado
As câmaras de gás para
exterminar animais usadas até hoje, inclusive, em países desenvolvidos como
EUA, Japão e vários da Europa, são um legado do Holocausto.
Trancados em
cabines metálicas os animais são submetidos a monóxido de carbono – um gás que
também foi utilizado para matar judeus.
“Até 1941, oficiais da SS (a polícia
militar de Hitler) eliminavam pequenos grupos de prisioneiros em caminhões de
transporte, trancando-os em caçambas seladas que recebiam monóxido de carbono
do escapamento.
A técnica foi adaptada a salas trancadas e logo a fumaça de
caminhão foi trocada por pesticida, mais barato e eficiente”, diz matéria da
revista Mundo Estranho.
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Câmaras de gás tiveram
inspiração no holocausto e são usadas até hoje. Foto: web
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“O produto Zyklon-B era
usado principalmente para eliminar piolhos e insetos dos presos.
Em Auschwitz,
para não desesperar as vítimas, o veneno foi manipulado quimicamente para não
emitir odor.
O Zyklon era colocado em um compartimento de metal para ser
aquecido e gerar vapor.
Após 30 minutos de queima, com todos nas câmaras já
mortos, os exaustores sugavam o gás, permitindo a retirada dos corpos.
O gás
venenoso, baseado em cianeto de hidrogênio, interferia na respiração celular,
tornando as vítimas carentes de oxigênio.
O resultado era morte por sufocamento
após crises convulsivas, sangramento e perda das funções fisiológicas.
A morte
era lenta e dolorida. Em média, da inalação ao óbito, o processo durava 20
minutos”. Leia mais aqui.
As câmaras de gás que
executam cães e gatos são normalmente pequenas, como uma cabine de máquina de
lavar roupas, e levam os animais ao desespero exatamente como eram levados os
judeus.
Por algum motivo, algumas pessoas, cães e gatos conseguem sobreviver, inclusive,
sem sequelas, o que leva a crer que vários judeus podem ter sido incinerados
vivos assim como são, ainda hoje, muitos animais submetidos as câmaras de gás.
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Quentin sobreviveu à
câmara de gás e faz campanhas contra o método nos EUA. Foto: Randy Grim
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Em duas recentes matérias
exclusivas da Anda, foram levantados dois casos de animais que saíram ilesos
das “câmaras da morte” e continuam vivos.
Uma vez adotados tornaram-se símbolo
da luta contra as câmaras de gás. Um deles é o cão Quentin cuja história pode
ser vista aqui.
O outro caso é o da gata Andrea que, além de sobreviver ao gás,
também ficou presa no freezer por quase uma hora.
A incrível história de Andrea
pode ser vista aqui.
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Gata Andrea resistiu ao
gás e também ao freezer. Foto: Divulgação
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post: Marcelo Ferla
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