E essa preocupação tem muito pouca relação com o espírito humanitário dos outros continentes e é mais um estigma histórico que é imposto ao continente mais negro do mundo e com mais disparidades sociais.
Nos EUA, a preocupação surgiu um pouco antes, quando houve suspeita de contagio por parte de um homem no Texas.
O que vemos acontecer hoje com o ebola não se difere em muito com o processo de estigmatização sofrido por homossexuais, haitianos, usuários de heroína e hemofílicos quando a Aids começou a aparecer fora da África. Ah! A África, este continente que irradia doenças e retrocessos para o resto do mundo, lar de boa parte dos marginalizados sociais e que, pra onde quer que seus herdeiros vão, carregam em si uma espécie de marca maligna que justifica perseguição, estigmatização e violência.
Na página “Brasileiríssimos”, um participante publicou um comentário em que afirmava não ser racista, mas que achava que “este NEGRO que está com Ebola no Rio de Janeiro deveria ser sacrificado”.
Numa outra publicação num perfil particular, uma jovem dizia que todos os africanos deveriam morrer porque eles só trazem doenças.
No Twitter, um usuário pedia que fossem jogadas três bombas no continente africano, já que fora da África há poucos casos de infectados e que tinha como controlar a doença. Outro post pedia que matassem logo o africano, pois “melhor morrer um do que morrerem mil”. (ALLEMAND, Márcio. Suspeita de ebola em africano gera comentários racistas nas redes sociais)
Tanto hoje o apavoro que se coloca sobre o ebola, quanto o que foi feito com a Aids demonstra uma organização em escala mundial do racismo institucional na saúde.
Não é menor o fato de que os maiores óbitos até hoje das duas doenças são no continente africano e não em qualquer outro. Talvez este seja uma das mais cruéis heranças que Faetonte tenha legado ao continente africano: a estigmatização por ser negro.
O processo estruturado de empobrecimento que tem em seu cume a segregação racial resvala também no processo de marginalização cada vez profundo no sistema capitalista, tendo recorte inclusive no sistema de encarceramento em massa.
“Já existem histórias de medo e preocupação sobre quem tem visitado países na África Ocidental”.
Haitianos passaram a fazer parte dos “quatro H” de “homossexuais, viciados em heroína, hemofílicos e haitianos”, segundo a Avert, uma organização internacional sem fins lucrativos para combater HIV e Aids. (WESTCOTT, Lucy.
Resposta americana ao ebola faz eco dos primeiros dias da epidemia de Aids).
Geary faz uma avaliação apenas levando em conta os negros estadunidenses infectados pelo HIV e como a organização racista do Estado naquele país garantia que os ghettos ajudassem na proliferação da epidemia.
Os países africanos hoje com o ebola, assim como foi com a Aids, são estes ghettos mundiais: estados nacionais organizados para a proliferação e opressão de toda uma população negra e que, de tempos em tempos, é profundamente estigmatizada por conta de problemas de saúde que não são intrinsecamente ligados a raça ou pobreza.
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Placa alertando para a existência da doença na Libéria |
Na pior das hipóteses, é enganosa.
Nas sociedades capitalistas, onde a pobreza é construída para preservar a apropriação privada do excedente social do trabalho, a condição dos pobres, incluindo a saúde, é um produto dinâmico de sua relação com a riqueza, não uma função da própria pobreza. (STARK, Evan. Passagem usada na página 71 de “Antiblck Racism and the AIDS Epidemic”)
A tardia preocupação com o ebola foi também a tardia preocupação com o HIV e hoje o processo desembocado no Brasil, onde africanos e haitianos tem sido estigmatizados como possíveis portadores do ebola apenas coroa esse processo todo de racismo existente no mundo. Inclusive por que tomar medidas preventivas nos países mais centrais, sem resolver realmente o drama existente junto ao marginalizados na África, só coroará ainda mais uma perspectiva racista e genocida de tratar aquele continente.
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