Exposição excessiva a
imagens do 11/9 provoca estresse pós-traumático nos EUA.
E.
Alison Holman
Estudo
conclui que exposição midiática pode aumentar impacto de eventos traumáticos e
induzir sintomas do distúrbio.
Em 11 de setembro de 2001,
eu estava na África Subsaariana com acesso limitado às notícias e à televisão.
Naquela tarde, quando visitei uma casa que tinha uma televisão funcionando, vi
um avião colidindo com as Torres Gêmeas. No começo, pensei que era um filme de
Hollywood – até as imagens horríveis serem continuamente repetidas. Mais tarde,
não conseguia parar de pensar no que tinha visto naqueles breves momentos: um
avião colidindo com as Torres Gêmeas e explodindo; alguém pulando do World
Trade Center; pessoas fugindo de prédios desmoronando.
Sou uma pesquisadora que
estuda como as pessoas lidam com traumas, com foco nas primeiras semanas após o
evento traumático. Trabalhei com muitas pessoas que vivenciaram traumas – de
vítimas de abusos sexuais por familiares a pessoas afetadas pelos incêndios de
Laguna Beach e Malibu em 1993. Um sintoma grave do transtorno do estresse
pós-traumático (TEPT) é a recordação do evento – pensamentos intrusivos e
imagens que surgem em sua mente, causando um reavivamento do trauma. Com as
imagens dos ataques às Torres Gêmeas se reprisando em minha mente, decidi que
tinha que estudar como os americanos estavam lidando com o 11 de setembro.
Algumas semanas depois do
atentado, iniciei um estudo nacional com colegas da Universidade da Califórnia
(Dra. Roxane Silver, Dr. Michael Poulin e Dra. Virginia Gil-Rivas) e da
Universidade de Denver (Dr. Daniel McIntosh). Estruturamos uma pesquisa on-line
para mensurar como uma amostra nacional de mais de 2.700 pessoas – moradores de
todos os estados norte-americanos, representantes da população do país – estava
lidando com os ataques terroristas. Poucas semanas após o 11 de setembro,
fizemos várias perguntas aos participantes da pesquisa, sobre seus níveis de
estresse e seus relacionamentos sociais, e sobre o medo de um novo ataque
terrorista. Fizemos outras seis pesquisas durante os três anos seguintes para
que pudéssemos analisar as respostas durante aquele período de tempo.
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O fotógrafo Bill Bigart tirou sua última foto às 10:28 da manhã do 11 de setembro de 2001; ele morreu minutos depois sob os escombros da Torre Norte. |
Uma das descobertas mais
surpreendentes do estudo foi que as pessoas que assistiram quatro ou mais horas
diárias de notícias televisivas relacionadas ao 11 de setembro na semana
seguinte aos ataques tiveram um aumento nos sintomas do TEPT naqueles três
anos. Assistir de uma a três horas diárias de cobertura jornalística sobre o 11
de setembro também aumentava o risco de apresentar um dos sintomas
característicos do TEPT: flashbacks, ansiedade, paranoia e o impulso de evitar
qualquer lembrança concernente ao trauma.
Estas descobertas e os
estudos pós-11 de setembro sugerem que a exposição midiática pode aumentar o
impacto do evento traumático para além das áreas afetadas. Isso contradiz a
sugestão de muitos especialistas – de que a exposição indireta pela mídia não é
clinicamente relevante em relação ao trauma para o público em geral. A
definição da Associação Psiquiátrica Americana para transtorno do estresse
pós-traumático também deixa claro que somente os indivíduos que experimentaram
o trauma diretamente – ou pessoas cujos amigos e familiares experimentaram o
trauma de modo direto – são considerados como “expostos” ao trauma. Sem essa
“exposição”, o estresse grave ou os sintomas do TEPT experimentados não são
considerados especialmente significativos para o bem-estar geral do indivíduo.
Enquanto há estudos que analisam como terapeutas e trabalhadores de emergência
são afetados pela exposição indireta ao trauma por meio de suas
responsabilidades profissionais, há pouco interesse em se estudar como a
cobertura midiática de massa propaga involuntariamente impactos negativos de
traumas coletivos para além das comunidades afetadas de modo direto.

A relevância da exposição
indireta da mídia foi evidenciada mais uma vez após a Maratona de Boston, em
abril passado. Nos dias posteriores ao atentado, alguns colegas e eu aplicamos
novamente nosso estudo do 11 de setembro, usando a exposição da mídia no
atentado da Maratona de Boston. Desta vez, estendemos a pesquisa a todos os
tipos de mídia: perguntamos quanto tempo as pessoas passaram em frente à
televisão, se ficaram expostas a notícias relacionadas ao desastre por meio do
rádio, das notícias on-line e impressas e por quanto tempo usaram mídias
sociais como Facebook, Twitter, YouTube e Vimeo na semana seguinte ao atentado.
Estávamos interessados em saber como as mídias sociais podem ter tornado menos
clara a linha entre ficção e realidade. Diferentemente de como a mídia
tradicional nos avisa sobre a natureza terrível de uma imagem antes de
mostrá-la, a mídia social mostra essas imagens sem nenhum pré-aviso.
Nós também comparamos a
exposição direta ao atentado à indireta, feita por meio da mídia – essas
diferentes formas de exposição levaram a um estresse maior ou menor? Duas
semanas após o bombardeio, iniciamos outro estudo via internet com a
participação de mais de 4.600 pessoas de todo o país – incluindo cerca de 850
pessoas que estiveram em Boston no dia do atentado.
Esperávamos que os dois
grupos (pessoas que tiveram exposição direta e indireta) acusassem sintomas
graves de estresse. Surpreendentemente, as pessoas que consumiam informações da
mídia relacionadas ao atentado (seis ou mais horas por dia), na semana após o
evento, estavam seis vezes mais propensas a relatarem índices elevados de
sintomas graves de estresse do que aquelas que compareceram à Maratona de
Boston naquele dia. Ou seja, elas relataram uma variedade muito maior de
sintomas relacionados a índices graves de estresse – flashbacks, ansiedade,
tentativa de evitar lembranças do atentado, ou pensar que aquilo não tinha
acontecido ou que tinha sido um pesadelo – do que as pessoas que estavam onde
as bombas explodiram. Mesmo que considerássemos essas pessoas especialmente
suscetíveis – por exemplo, pessoas com doenças mentais pré-existentes ou
aquelas que já passavam muitas horas na frente da televisão (e poderiam se
tornar mais estressadas pela cobertura midiática) –, não houve alteração em
nossas conclusões.
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Bombeiros trabalham no atendimento às vítimas das explosões durante a maratona de Boston, em 15 de abril de 2013. |
Como
explicar isso? Acredito que a cobertura repetitiva de eventos traumáticos pela
mídia pode manter o evento (e os sentimentos causados por ele) vívidos em
algumas pessoas. Por outro lado, quando uma pessoa é exposta de modo direto a
um evento, há uma sensação de alívio e de término do evento, pois uma vez que
as bombas param de explodir a ameaça chega ao fim. Ver as mesmas imagens
perturbadoras repetidas na televisão (ou em mídias sociais) pode acionar medos
e causar preocupação de modo contínuo em algumas pessoas, dificultando que elas
processem mentalmente o evento.
É
importante notar que as pessoas não respondem da mesma maneira à cobertura da
mídia. Há muita variação nas reações aos traumas. Somente algumas das pessoas
excessivamente expostas à cobertura midiática da Maratona de Boston
desenvolveram sintomas graves de estresse. Então no momento estou estudando
quem é mais vulnerável à exposição direta e indireta dos eventos traumáticos. Se
conseguirmos identificar quem é mais afetado, podemos alcançá-los logo após o
evento e tentar prevenir o desenvolvimento dos problemas.
Logo
após o atentado, a Cruz Vermelha colocou sinalização em Boston alertando as
pessoas a limitarem a exposição à cobertura midiática. Penso que é um ótimo
conselho para todos nós – deveríamos nos sentir seguros enquanto acompanhamos o
que acontece no mundo. Estamos só começando a entender as consequências do
papel da mídia quanto aos traumas coletivos e à propagação de níveis graves de
estresse além das áreas afetadas. São necessárias mais pesquisas para se
descobrir qual a melhor maneira de proteger pessoas vulneráveis ao impacto
negativo da exposição da mídia após os desastres.
Tradução:
Isis Shinagawa
Matéria
original publicada no site Zócalo Public Square, publicação com sede em Los
Angeles que busca conectar pessoas e ideias que estimulem o sentimento de
cidadania e comunidade.
post: Marcelo Ferla
fonte: Opera Mundi
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