O Rivotril é a droga com a
cara dos dias de hoje, em que temos sempre que estar.
Texto: Nina Lemos
Foto: Nicolas Silberfaden
O Rivotril é a droga com a
cara dos dias de hoje, em que todos temos que estar bem o tempo todo.
Segundo
remédio mais vendido do Brasil, na frente do Tylenol e do Hypoglós, o
ansiolítico tarja preta virou moda e atraiu usuários famosos como Selton Mello,
Pedro Bial e Zeca Pagodinho.
Sim, você já deve ter
ouvido falar do Rivotril. Você já deve até conhecer aquela piada, que de tão
batida já perdeu a graça, que diz: “Ri melhor quem Rivotril”. Você já deve ter
escutado alguém falar que toma o remédio. E também já deve ter lido em algum
site de fofocas o nome da droga associado a alguma celebridade. O Rivotril, um
ansiolítico indicado para transtornos de ansiedade, bipolaridade e alguns casos
de depressão, é, segundo o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas,
o remédio da moda. E é fácil perceber isso. Os números mostram. E o hype em
cima do medicamento também. O quê? Você acha que remédio não é tendência? Mas
claro que é! O fenômeno Rivotril prova isso.
O medicamento, de tão
badalado, já foi parar até nos palcos. Ao receber ano passado um prêmio de
melhor artista do ano, o ator Selton Mello declarou, diante de um auditório
lotado: “Gostaria de agradecer a todos os presentes, à indústria farmacológica
e de psicanálise e ao Pramil e ao Rivotril, que fazem a gente ficar assim,
bem”. Mais do que cair no clichê de agradecer aos familiares, Selton agradeceu
a uma outra espécie de mãe de muitos brasileiros. Em 2008, foram vendidas nas
farmácias do país 14 milhões de caixinhas do ansiolítico, que parece servir para
quase tudo, de uma tristezazinha a uma noite sem sono. O mais absurdo: o
Rivotril é um remédio tarja preta, vendido com aquela receita azul, controlado.
O motivo é simples e assustador. Ele causa dependência química, assim como a
cocaína e a heroína.
Se você está chocado, não
fique. Tudo bem, pode ser que você nunca tenha tomado um Rivotril para domir,
segurar um ataque de ansiedade, pegar um avião ou amortecer um pé na bunda. Mas
tenha certeza de uma coisa: o colega que senta do seu lado no trabalho já tomou.
Ou a sua namorada. Ou vai dizer que a sua mãe não tem uma caixinha na mesa de
cabeceira? O remédio está perto de você simplesmente por uma questão
matemática. Ele é o segundo medicamento mais vendido no Brasil, só perde para o
anticoncepcional Microvlar. E ganha de comprimidos que a gente encontra ao
alcance da mão, nas prateleiras das drogarias, como o Tylenol e a Aspirina.
Além de vender muito, o
Rivo é cult. Existe banda chamada Rivotril, programas de rádio, blogs, e o
remédio tem mais de 900 fãs no Facebook (a comunidade virtual do momento). No
mundo dos famosos, bem, Selton não está sozinho nessas. Pedro Bial é outro que
contou em uma entrevista à Playboy fazer uso do Rivo (o apelido carinhoso
adotado pelos usuários da droga) antes de fazer seus discursos ao vivo no Big
Brother. O cantor Zeca Pagodinho também afirmou, em entrevista concedida à Tpm
ano passado, que quando está melancólico toma Rivotril.
Gotinhas o dia todo
Mas por que tomamos tanto
Rivotril? A editora de moda Erika Palomino, que anda com um frasco do remédio
em gotas na bolsa, arrisca alguns palpites. “A vida é muito difícil. Eu sou
muito guerreira, trabalho muito e sou perfeccionista. E tem horas em que
realmente não dá. É tanta pressão que você sofre que precisa de um cobertorzinho,
como se fosse aquela fraldinha a que o bebê dorme agarrado, às vezes você
precisa de um conforto.” Erika se esforça para tomar o remédio o mínimo
possível. “Sei que vicia e que eu sou compulsiva.
Então, meu principal cuidado
é esse, não cair nessa de tomar todo dia.” Mas, quando toma, a editora não se
culpa. “Sou a favor das drogas lícitas, as que a gente compra na farmácia. E
quando tomo é porque sei que preciso. Tem vezes que você não consegue dormir de
jeito nenhum de tanta ansiedade, mas no dia seguinte tem que acordar para uma
reunião em que terá de estar linda e inteligente. A vida às vezes é dura”, diz
a editora, que se trata com um psiquiatra.
A escritora Adriana Falcão
é outra que anda sempre com o seu Rivotril por perto. E que também sofre de
ansiedade. Ao contrário de Erika, ela prefere os comprimidos. “Não acredito em
gotas, acabo achando que é tipo um floral e vou tomando várias gotinhas o dia
inteiro achando que não tá fazendo efeito”, diz a escritora, famosa, entre
outras coisas, por saber rir de si mesma o tempo inteiro.
“Na primeira vez que tomei
Rivotril fiquei até assustada.
Eu estava com um início de depressão pós-parto,
completamente fóbica, não conseguia sair de casa nem para tirar os pontos da
cirurgia. Meu médico me mandou tomar metade de um Rivotril. Eu ainda fiquei
desconfiando dele, pensando, “ah, tá, imagina se isso vai fazer efeito”. Mas
aconteceu um milagre: eu morava em Salvador. O táxi foi passando pela orla e eu
fui vendo tudo ficar lindo, maravilhoso.
Hoje, depressão curada.
Adriana recorre ao Rivotril para se sentir “adequada ao mundo”. “Não tem gente
que de vez em quando precisa encher a cara? Então, é a mesma coisa.” A
escritora é ansiosa diagnosticada e acha que o mundo anda, mesmo, muito
complicado. “A gente tem medo de muita coisa, de ser julgada, de ter acontecido
alguma coisa com a filha que não chegou da balada, de não ser aceita, de ter
que estar sempre bem.”
A mãe da escritora, também
ansiosa, morreu por tomar medicamentos demais. “Entendo muito de calmante
porque a minha mãe tomava todos. Antes era uma coisa meio chique tomar um
Valium. Agora, nunca vi um tão popular quanto o Rivotril. A minha empregada toma,
de vez em quando pergunta: “Adriana, você tem um Rivotril para me arrumar?”.
O remédio é mesmo popular.
Um dos motivos é o preço. Um frasco ou uma caixa com 20 comprimidos custa cerca
de R$ 10, enquanto antidepressivos de ponta podem custar até R$ 300. O Rivotril
é vendido em gotas e em comprimidos, que variam de 0,50 mg a 2 mg. Existe
também uma versão sublingual, de 0,25 mg, indicada para ataques de pânico ou
ansiedade.
“O Rivotril é barato
porque é um medicamento antigo.
Começou sendo usado como antiepilético e depois
as outras funções foram sendo descobertas. Quanto mais tempo um medicamento
está no mercado, mais barato ele fica”, diz Saadeh, que acha que a popularidade
do Rivotril tem os dias contados. “O Lexotan já esteve muito na moda. E daqui a
pouco a indústria lança outro medicamento que desbanca o Rivotril”, diz o
médico, que acredita que o consumo exagerado do medicamento acontece por causa
da tal obrigação de ser feliz, tão comum aos nossos tempos. “As pessoas acham
que precisam ter tudo. O novo iPad, a nova roupa de grife, precisam ser
descoladas, conhecer o novo DJ e também precisam ser felizes. A felicidade
entra nesse pacote de obrigações.”
O relações públicas Renato
Rossoni é um que está sempre ligado em tudo.
“Sou assim desde criança.”
Consequência:
não consegue dormir e por isso apela (e como) para os remédios. “Nunca fui a um
psiquiatra e nunca tomei remédio com prescrição médica.” Mesmo assim, Rossoni
consegue todos os tarjas pretas que quer. “Existem umas farmácias que vendem
sem receita. Chego e compro Rivotril, Frontal [um outro ansiolítico], Stilnox
[hipnótico indicado para insônia e ansiedade severas]... Compro para mim e
também para amigos.”
Rossoni começou tomando
meio Rivotril para dormir. Mas levou um susto quando percebeu que só conseguia
dormir depois de tomar dois de 2 mg (uma dose muito alta, que equivale a oito
comprimidos da versão de 0,50 do remédio). O remédio, segundo Saadeh, causa
tolerância. “Quanto mais você toma, mais precisa de uma dosagem mais alta para
ter o efeito.” Rossoni decidiu resolver o problema sozinho. “Aí eu segui a dica
de um amigo e troquei de remédio. Passei a tomar Frontal.” A troca foi feita
sem supervisão médica. Hoje, ele alterna entre os dois medicamentos e também
toma um Stilnox de vez em quando.
“Acho que o mundo sem
drogas não existiria, ou pelo menos a gente não existiria”, ele ri. O relações
públicas convive em um meio onde falar que toma um desses remédios não é tabu.
“Todo mundo toma. E por quê? Estou sempre pensando no ontem, no hoje e no
amanhã, tudo ao mesmo tempo.”
Vale lembrar de novo. O
Rivotril é indicado por psiquiatras para, por exemplo, síndrome do pânico, mas,
como está escrito na bula, ele deve ser tomado sob prescrição médica (de um
doutor de confiança) porque o abuso desse remédio pode gerar dependência.
O publicitário Ricardo
(nome fictício) que o diga. “Quando eu tinha 20 e poucos anos, fui
diagnosticado com ansiedade e depressão. Um médico me receitou doses altíssimas
de Rivotril. Hoje, acho que ele me viciou para que eu voltasse sempre para
pegar o remédio e pagar a consulta, que era cara.” Ricardo conta que tomava
sempre comprimidos de 2 mg (a dosagem mais forte).
“Eu pedia para ele me dar
comprimidos de 0,50 e ele se recusava, dizia que não ia adiantar.” Um dia
Ricardo cansou e decidiu parar de tomar o remédio. Sozinho.
“Fiquei trancado no
meu quarto por duas semanas tremendo. Parecia que eu tava tomando um choque
elétrico. Fui parar duas vezes no pronto socorro, passando mal. Larguei e curei
a dependência química. Mas sobrou a psicológica, que curei com terapia.
Hoje
Ricardo ainda usa o remédio, esporadicamente.
“Tomo muito raramente, mas é só
um e pronto. Depois vou fazer ginástica e outras coisas.” E como ele consegue o
remédio se não vai mais ao psiquiatra?.
“Meus amigos me dão. Sempre tem alguém
com um sobrando. E, em último caso, apelo para uma amiga que compra de um
traficante que vende no Orkut.”
Sim, nas inúmeras
comunidades que existem no Orkut dedicadas ao remédio, há vários usuários
oferecendo venda do remédio. É só trocar uns e-mails para combinar o pagamento
e a entrega.
Mesmo quem toma vê
problemas no abuso. “Tomo de vez em quando, de forma recreativa, em casa de
amigos. Se aparece, eu falo “ah, me dá umas gotas”, é como fumar um baseado”,
diz o videomaker Felipe Dallanese, que, no entanto, evita tomar o remédio
quando está mal. “As pessoas acham que a vida é uma
montanha-russa só com subida. Não concordo. Hoje sei que você tem que ficar mal
também. E conseguir as coisas pelo esforço, não por milagre.”
A metáfora da
montanha-russa combina com a teoria do especialista Alexandre Saadeh. “O ser
humano nunca gostou de sofrer, nunca gostou de sentir dor. Agora, parece que
gostamos disso menos ainda, principalmente porque temos mais aparatos para
evitar a dor.”
Faz sentido. Mas vale
lembrar, de novo, tem gente que precisa tomar Rivotril. “Quando bem receitado
ele é um remédio ótimo”, diz o psiquiatra. O difícil mesmo é ele ser bem
receitado. Ou, pelo jeito, ser comprado com receita de um médico que acompanhe
o seu histórico. E não pelo Orkut.
Marcelo Ferla
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