São Borja vive expectativa e controvérsia um dia antes da chegada de peritos para preparar exumação de Jango.
A tranquilidade do interior, misturada à controvérsia gerada
pela interferência em um patrimônio afetivo, cultural e político, sintetizam o
clima de São Borja, na Fronteira Oeste, na véspera da perícia no jazigo da
família Goulart, no cemitério Jardim da Paz, onde estão os restos mortais do
ex-presidente João Goulart, o Jango.
Nesta quarta-feira, membros da Polícia Federal, da Comissão
Nacional da Verdade, da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos e o neto de
Jango, Christopher Goulart, irão ao local para fazer um mapeamento em 3D da
sepultura, etapa preparatória para a exumação.
A retirada dos restos mortais e posterior traslado a
Brasília, que poderá ocorrer até o final do ano, terá o objetivo de desvendar
um mistério: Jango sofreu morte natural por problemas cardíacos, como consta na
documentação oficial, ou foi envenenado pelas ditaduras do Cone Sul?
No município gaúcho de 61 mil habitantes, há resistência e
apoio ao recolhimento dos restos mortais de Jango, morto em dezembro de 1976,
quando estava exilado na Argentina. À frente dos opositores da ideia está o
pedetista e ex-vereador Iberê Teixeira. Advogado, vive rodeado em seu
escritório por dezenas de quadros e retratos em que aparece ao lado de Jango e
Brizola, uma confissão da sua devoção pelos líderes trabalhistas. Comenta cada
imagem com orgulho e paixão.
— Aqui eu estou dando um conselho ao doutor Brizola — diz,
apontando uma fotografia em que ele foi flagrado falando ao pé do ouvido do
fundador do PDT.
Iberê acredita que a ossada, uma vez levada para Brasília,
jamais poderá voltar. Alega que um memorial está sendo erguido para Jango na
capital federal.
— O meu temor é de que o Jango sofra um novo exílio. Desta
vez, depois de morto. Eu preparei uma ação popular para tentar impedir isso
baseado na lei municipal que tombou o jazigo da família Goulart como patrimônio
histórico. O Christopher, neto do Jango, me telefonou e garantiu que a ossada
irá retornar. Quero que ele dê essa garantia publicamente em uma reunião que
ocorrerá na prefeitura. Se isso ocorrer, não terei motivo para duvidar — diz
Iberê, que promete judicializar o episódio futuramente caso os encaminhamentos
tomem outro rumo.
A tese é rebatida com veemência pela família.
— Essa polêmica não tem fundamento. Os restos voltam para
São Borja. Nunca se falou o contrário. O Memorial João Goulart, em Brasília,
ainda nem existe. É só uma previsão de início de construção a partir do ano que
vem — respondeu Christopher.
Nesta terça-feira, reinava a paz nos arredores do jazigo da
família de Jango, deposto da presidência do país pelo golpe militar de 1964.
Para recepcionar os peritos, máquinas da prefeitura retiravam a terra acumulada
na rua, trazida pelo vento e por caminhões de vias adjacentes, e trabalhadores
pintavam os cordões das calçadas e faziam varrição.
Não havia policiamento reforçado. A poucos metros da
sepultura, onde também jaz o ex-governador Leonel Brizola, o segurança Luís
Cláudio Martins de Paula observava tudo acomodado em uma cadeira de praia.
Funcionário do cemitério há dois meses, ele conta que a
exumação de Jango é assunto frequente em São Borja, terra do também
ex-presidente Getúlio Vargas. Uns são contra. Acham um despropósito remexer nos
despojos 37 anos depois da morte. Outros são favoráveis. Querem saber se, de
fato, Jango sofreu morte natural ou foi assassinado.
Para isso, Iberê, que no decorrer da tarde recebeu ligações
de vereadores da cidade preocupados com a situação, também tem uma opinião.
— Se a ditadura quisesse matar alguém, faria isso com o
doutor Brizola, que era um revolucionário e incendiário, o verdadeiro inimigo
dos militares. O Jango estava pacífico, só queria viver em paz — afirma Iberê,
que conta ter visitado o ex-presidente no exílio argentino seis meses antes do
seu falecimento.
No final de maio, em Porto Alegre, a coordenadora da
Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso, apontou a existência de elementos
que indicariam o assassinato de Jango. Um deles é o depoimento do ex-agente
uruguaio Mario Neira Barreiro, que teria participado da operação.
Ele, que chegou a passar um período preso no Rio Grande do
Sul, revelou nomes, como o do então agente norte-americano da CIA Frederick
Latrash, que teria participado da elaboração do composto químico supostamente
misturado a um remédio de Jango para envenená-lo.
O Ministério Público Federal conduz uma investigação nesta
linha. Outras evidências citadas são documentos dos governos do Brasil, Uruguai
e Argentina, o monitoramento da vida de Jango no exílio pelos militares e a
possível infiltração de um agente entre os seus empregados. São Borja, a terra
dos presidentes, voltou a viver dias de mito e ebulição política.
fonte: ZERO HORA
post: Marcelo Ferla
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