EM BUSCA DA EXISTÊNCIA VIRTUAL NA
MATRIX
Filme completa 15 anos em 2014, mas
inteligência artificial atual ainda tem muitas barreiras a vencer.
André Machado
Com um faturamento anual de mais de US$ 60 bilhões, e
caminhando para perto de US$ 80 bilhões até 2017, segundo a consultoria DFC
Intelligence, a indústria de games está cada vez mais on-line. Um terço do
faturamento é de jogos em rede, tanto no PC quanto nos consoles,
mergulhando-nos numa espécie de vida virtual (e isso sem mencionar a vida
digital em smartphones e nas mídias sociais). Só o célebre “World of Warcraft”
tem quase dez milhões de jogadores.
A ideia
de uma realidade virtual está não só nos games com gráficos cada vez mais
realistas. Em 2014, o clássico filme “Matrix”, cujo personagem Neo se descobre
vivendo numa simulação computadorizada, completará 15 anos. E existem até
teorias de que o próprio universo seria uma simulação de computador. O filósofo
britânico Nick Bostrom, da Universidade de Oxford, postulou em 2003 a chamada
hipótese da simulação, que reza que poderíamos estar vivendo numa realidade
virtual engendrada por nossos descendentes num futuro longínquo. Atualmente,
físicos da Universidade de Washington trabalham numa teoria para tentar
verificar o argumento de Bostrom, usando elementos da teoria da relatividade e
da física quântica, entre outros ingredientes.
Mas a
questão central, do ponto de vista da computação, é: quão perto estaríamos, no
campo da inteligência artificial, de conseguirmos alcançar uma simulação que se
igualasse ao cérebro humano, com todas as suas contradições? Para especialistas
como o professor Bruno Feijó, do Departamento de Informática do CTC/PUC-Rio,
ainda haveria um longuíssimo caminho a percorrer.
- Este
ano, pesquisadores em Harvard até conseguiram fazer uma “micro-matrix”: pegaram
um peixe-zebra em estado larvar, puseram-no numa placa de Petri e projetaram
ondas virtuais criadas por software – conta. – O peixinho, como se fosse o Neo
do filme, nadava achando que estava num ambiente submarino real. Mas simular a
mente humana é outra história.
Segundo
Feijó, a inteligência artificial é hoje comumente confundida com a “força
bruta” dos computadores – um exemplo é o Watson, da IBM, com um processamento
maciço capaz de não só ganhar partidas de xadrez como demonstrar conhecimento
de semântica e responder a perguntas.
- Mas o
cérebro é uma coisa, e a mente, outra – lembra. – Você pode imitar o cérebro, e
descobrir muitas coisas sobre seu funcionamento – as conexões físicas, as
regiões, os processos. Já a mente é muito mais difícil de replicar. É algo
abstrato, impossível de quantificar. É complexo. Ainda desconhecemos muitos de
seus processos. E, por mais que as ciências cognitivas e da computação tenham
avançado, o máximo a que chegamos hoje em simulação da mente não consegue ir
muito além da de uma criança em seus primeiros anos.
Não por
acaso, uma pesquisa divulgada na semana passada por cientistas da computação da
Universidade de Illinois aplicou um teste de QI no Concept-Net, um dos mais
poderosos sistemas de inteligência artificial do mundo, e concluiu que no geral
ele equivaleria à capacidade de um menino ou menina de cerca de quatro anos.
Há
ainda outras barreiras a vencer para que um dia exista algo como a Matrix.
Segundo Esteban Gonzales Clua, professor do Instituto de Computação da
Universidade Federal Fluminense (UFF) e gerente do Media Lab, há correntes de
analistas que creem na possibilidade de uma simulação sofisticada que nos
alcance, e outras que dizem ser isto impossível.
- Quem
defende não ser possível criar um algoritmo de programação tão parecido com a
mente humana diz que a principal barreira é a criatividade do homem –
sentencia. – A principal demonstração de que não somos seres virtuais é o fato
de sermos criativos, podermos criar algo. Inclusive programas. O avatar dentro
de um mundo virtual, um game, é regido por regras puramente determinísticas,
mecânicas e matemáticas. Ele não tem livre-arbítrio.
SENSIBILIDADE
HUMANA
Além da barreira da criatividade, a emoção humana é outro
obstáculo – um software não é capaz de “sentir” (isto é, simular sentir) algo
como nós sentimos, diz Clua. É apenas um bit depois do outro.
- O
sentimento anímico, espiritual, está ausente.
A
realidade virtual está muito aquém de abranger conceitos como prazer e dor, que
podem ser um tanto subjetivos, acrescenta Feijó. Não que ela não tenha
evoluído, como os próprios games deixam patente. Os melhores exemplos do desenvolvimento
da realidade virtual estão na simulação visual, tridimensional; na manipulação
sonora; e até mesmo nos recursos que tentam mimetizar recursos táteis. Mas é
algo incipiente.
- No caso do tato, ele só é simulado do
ponto de vista da resistência muscular ao se tocar em algo – explica o
professor. – No entanto, falta replicar a sensibilidade humana para a textura e
a percepção da temperatura de uma superfície; e ainda é impossível simular o
paladar e o olfato, a não ser jogando numa experiência virtual uma essência de
flores no ambiente real. Contudo, isso não é manipular a mente para que ela
ache estar sentindo cheiros.
Em relação ao olfato, este mês a designer britânica Amy Radcliffe criou uma espécie de “câmara de odores”, que captaria um cheiro para transformá-lo numa espécie de arquivo com sua composição molecular embutida. Talvez os arquivos não sirvam para fins computacionais, mas a câmara foi adequadamente batizada de Madeleine, em homenagem ao bolinho que evoca lembranças na obra “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust. O passado não deixa de ser uma realidade virtual.
fonte: O Globo
post: Marcelo Ferla
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