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quarta-feira, 4 de julho de 2018

O (novo) feminismo já deu no meu saco - Por Mônica Montone


O (novo) feminismo já deu no meu saco
O discurso contraditório e incoerente das novas feministas: lugar de mulher é onde ela quiser, desde que seja um lugar aprovado por elas.
Por Mônica Montone

Mônica Montone é formada em Psicologia pela PUC-RJ e escritora. Autora dos livros Mulher de minutos, Sexo, champanhe e tchau e A louca do castelo.
Honestamente falando?! 
Esse papo de feminismo deu absurdamente no meu saco. 
Estou começando a sentir repulsa pelo assunto.
Não porque “a grande causa” (combater o machismo) não seja nobre, tampouco porque não há o que conquistar pelas mulheres, mas por conta da grande incoerência – e/ou contradição- que permeia o discurso das feministas “contemporâneas”.
Mulheres passaram a perseguir mulheres, a ditar regras, a dizer o que é certo e errado. 
O discurso “lugar de mulher é onde ela quiser”, por exemplo, é puro jogo de linguagem porque se uma mulher hoje em dia ESCOLHER parar de trabalhar para cuidar dos filhos ela estará frita! 
No mínimo será tachada de vítima do sistema, inocente útil da cultura falocêntrica, alguém que não ESCOLHEU isso, mas que reproduz, como um robô, o que lhe foi ensinado.
Ou seja? 
Se você não age de acordo com “a cartilha” das “novas feministas” é considerada uma acéfala sem autonomia.
Ao ler na Carta Capital que uma feminista propôs um boicote ao novo disco de Elza Soares, “Mulher do fim do mundo”, alegando que o mesmo fora produzido por um grupo de homens machistas, pensei: 
“Não é possível, isso deve ser jogada de marketing da gravadora para causar um buchicho em torno do disco”. 
Mas, ao que tudo indica, isso de fato aconteceu.
Se esse é o critério, bem, então devemos jogar na fogueira todos os livros do Bukowski, Hemingway, Henry Miller, Sartre e tantos outros.
Quando a arte passa a ser julgada não por seu valor e conteúdo, mas por quem a produz, é porque perdeu uma de suas funções primordiais: alargar nossa visão de mundo; alongar pernas e braços da nossa alma.
Dia desses uma “nova feminista” veio me dizer que as roupas que uso, bem como as fotos sensuais que publico, visam satisfazer os olhos gulosos dos homens e reforçam o machismo e o lugar da mulher como objeto. 
E completou: “Justo você, uma escritora?!”
Se o julgamento da moça não é machista e extremamente preconceituoso, então, definitivamente, eu não sei o que é machismo, nem preconceito.
Quando escrevi o texto “Prefiro ser fêmea a feminista de internet” quase fui massacrada na rede pelas adeptas mais radicais. 
Elas não entenderam que eu falava de escolhas, autonomia, independência e emancipação emocionais, liberdade – coisas que para mim são extremamente mais importantes do que refletir se devo aprender a cozinhar ou não.
Não entenderam que se tratava de uma grande ironia, que o que eu estava chamando de “fêmea” era justamente o que feministas percussoras e admiráveis como Leila Diniz e Simone de Beauvoir propunham: a busca pela liberdade e pela emancipação emocional feminina.
Conheço diversas “feministas” que lutam contra o tal do machismo, mas são incapazes de ir ao cinema sozinhas, sentem vergonha do que os outros vão pensar ou dizer. 
Que se entopem de antidepressivos quando levam um fora porque não conseguem lidar com a frustração. 
Que transam com qualquer idiota somente para provar para elas mesmas que são livres sexualmente, porém choram depois, num domingo qualquer, porque no fundo gostariam de ter alguém para ir ao cinema de mãos dadas. 
Que não toleram a própria companhia, são incapazes de ficar em casa num sábado à noite, assistindo Netflix, sem se sentirem fracassadas e abandonadas. 
Que lutam por trabalhos que não desejam simplesmente para manter um certo status. 
Que sentem um medo terrível de perderem o amor de suas vidas e por isso acabam fazendo tudo o que o mozão quer.
Na boa?! 
Acho que seria muito mais útil para as mulheres se elas refletissem e discutissem sobre seus medos mais profundos do que abrir grupos de discussão sobre “usar sapato de salto ou não”, “depilar ou não depilar”, “cozinhar ou não cozinhar”, “usar maquiagem ou não usar”.
Porque somente quando estamos conscientes dos nossos medos, quando os encaramos de frente e tentamos transcendê-los é que nos fortalecemos e nos tornamos fortes, seguras e emancipadas.
Sim! 
O machismo é um grande problema e deve ser combatido, discutido. 
No entanto, talvez seja mais importante – e produtivo – nos tornarmos seres emancipados emocionalmente do que combater o machismo, pois somente quando deixamos de ser reféns, vitimas de nós mesmos, é que conseguimos lutar seja lá pelo que for.
Existem questões importantíssimas a serem reavaliadas pela “mulher de hoje” como, por exemplo, a maternidade. 
Sempre que escrevo sobre a opção de não ter filhos, minha caixa de e-mails fica entupida de mensagens de mulheres que se sentem pressionadas a terem filhos embora não nutram esse desejo. 
Pouco se fala sobre isso, o assunto ainda é tabu e sempre acaba em confusão quando é levantado.
Conclusão? 
Zilhões de mulheres sofrendo, angustiadas, reféns de suas emoções conflitantes e da pressão social.
Querem outro assunto que penso que deveria ser tratado com mais naturalidade e afinco? 
A masturbação feminina.
Eu poderia elencar uma lista enorme de temas por aqui, de assuntos que seriam de grande valor para a reflexão da questão do feminino na atualidade.
Mas o que acontece? 
As “novas feministas” estão obcecadas com o machismo, estão mais interessadas em proibir que outras mulheres apareçam de shortinho em comerciais de cerveja, mesmo que elas tenham escolhido isso e adorem exibir seus corpos.
Outro grande equívoco, outra grande confusão que as “exorcistas do machismo” cometem é confundir misoginia com machismo, ervas-daninhas que estão interligadas, mas não são a mesma coisa. 
Muitas delas, aliás, nem sabem o que é misoginia – praga que pode destruir muito mais a autoestima de uma mulher e prejudicar imensamente sua saúde emocional do que um “fiu-fiu” na rua.
A meu ver só existem duas formas EFETIVAS de acabar com o machismo:
1) Ensinando nossas crianças a não serem machistas;
2) Sendo emancipada emocionalmente. 
Uma pessoa emancipada emocionalmente sabe exatamente o que quer, quem é, onde quer chegar. 
Sabe dizer “não”, sabe ouvir “não” sem se melindrar; faz escolhas conscientes e não lamenta as perdas decorrentes dessa escolha, conhece os próprios limites e tem as rédeas da própria vida e das próprias emoções nas mãos. 
E quem possui essas características não precisa exigir respeito: ele acontece naturalmente, se impõe.
A palavra de ordem do momento é “empoderamento”. 
Pois bem, enquanto esse empoderamento não for de dentro para fora, ele nunca acontecerá. 
Não é a sociedade, a cultura, os homens que devem fornecer ingredientes para que o bolo do empoderamento seja assado. 
Acreditar que o empoderamento só será possível e viável quando a sociedade mudar, quando os direitos forem iguais, quando o machismo acabar, etc, etc, etc, é se colocar em situação passiva, de vitimização.
É aquela velha história: quer mudar o mundo? 
Comece por você!

Nota de rodapé
Uso a nomenclatura “nova feminista” entre aspas justamente para deixar claro que não estou desvalorizando o movimento feminista e suas conquistas; que o considero importante, sim, mas que percebo um desvirtuamento da proposta “original” e um radicalismo equivocado, bem como um discurso contraditório que em nada ajuda a refletir e transformar as questões acerca do feminino.
Texto publicado originalmente em Obvious. 

post: Marcelo Ferla

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