A
farra do boi
Sem o menor pudor,
parlamentares estão usando e abusando das verbas e mordomias da Câmara e Senado
para promoverem suas campanhas à reeleição, numa autêntica farra com o dinheiro
público
Wilson Lima
Em Raízes do Brasil, o
historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda define as peculiaridades do
brasileiro e seus traços singulares.
Destaca a grande capacidade que o povo tem
de encontrar soluções criativas diante das dificuldades.
Aquilo que o a cultura
popular batizou de “jeitinho”.
Quando usado para o bem, é uma grande vantagem.
Quando usado para o mal, porém, o jeitinho vira o caminho para burlar regras e
se desviar de condutas.
É o que estão fazendo os parlamentares na atual
campanha eleitoral.
Além de prepararem pautas-bomba que causarão um prejuízo de
mais de R$ 100 bilhões aos cofres públicos, demonstrando que estão pouco se lixando
para o futuro dos brasileiros, os políticos olham para o próprio umbigo: buscam
alternativas para a redução de recursos provocada pela proibição das doações de
empresas às campanhas.
E uma delas é desviar a finalidade do dinheiro que
recebem para exercer a atividade parlamentar.
Seja para cuidar das suas
próprias reeleições ou para ajudar nas campanhas de seus partidos, deputados e
senadores têm abusado do uso das verbas disponíveis para passagens aéreas e
divulgação do mandato.
Na maioria das situações, a aplicação do recurso ocorre
ao arrepio da lei.
É o caso das romarias à
sala-cela de Lula em Curitiba.
Como o ex-presidente não pode se deslocar pelo
país em campanha, a solução encontrada pelos petistas foi inverter o movimento:
os políticos do partido tratam de a toda hora viajar ao Paraná a fim de criarem
ali algum fato que mantenha o presidiário petista em evidência.
A arquitetura
política dos petistas não sai de seus bolsos: é sustentada com dinheiro
público.
Para chegar a Lula, os parlamentares usam a cota de passagem aérea
disponível para cada gabinete, bancada, claro, pelo contribuinte.
De acordo com
os dados do Portal da Transparência do Senado, a presidente do PT, senadora
Gleisi Hoffmann (PT-PR), quintuplicou seus gastos com passagens no mês em que
Lula foi preso.
A média de R$ 1 mil por mês, em deslocamentos de Brasília a
Curitiba, saltou para R$ 5 mil.
Outros integrantes da
comitiva “Lula livre” não ficaram para trás. Durante o julgamento do petista no
TRF-4, em Porto Alegre, o deputado Zé Carlos (PT-MA) gastou R$ 4,3 mil no
translado São Luís-Porto Alegre-São Luís com dinheiro da Câmara.
Ele ainda fez
refeições por conta do erário enquanto acompanhava o julgamento na capital
gaúcha. Já o deputado Vicentinho (PT-SP) gastou aproximadamente R$ 7,6 mil em
passagens nos deslocamentos para Porto Alegre.
Um detalhe importante: Lula foi
julgado em janeiro, mês em que a Câmara dos Deputados encontra-se em recesso.O mau exemplo vem de cima.
Presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Eunício Oliveira
(MDB-CE), distorcem a regra que permite o uso de jatinhos da FAB para seus
deslocamentos.
Maia rechaça a utilização para fins eleitoreiros dos aviões da
Aeronáutica.
Diz que o objetivo é o de cumprir apenas “agendas políticas”.
Nada
menos que 52 somente em 2018.
Mas o conceito de compromisso político de Rodrigo
Maia é como coração de mãe: nele, cabe de tudo.
Por exemplo, a bordo do jatinho
da FAB, o presidente da Câmara foi a Vitória no dia 10 de janeiro para
participar de “Solenidade de Liberação de Recursos para o Estado e municípios
do Espírito Santo”.
Também esteve em Foz do Iguaçu, no Paraná, para o “3º
Simpósio Nacional de Varejo e Shopping”.
Na lista de viagens, também foram
registrados vôos para Campina Grande (PB), Petrolina (PE), Uberaba (MG) e Cabo
Frio (RJ).O uso dos aviões da FAB
ainda contribui para que Rodrigo Maia e Eunício Oliveira driblem a legislação.
Pela linha sucessória, eles deveriam assumir a Presidência da República quando
Michel Temer se ausentasse do País.
Mas isso os tornaria inelegíveis.
Por isso,
ambos arrumam viagens ao exterior toda vez que Temer deixa o País.
E quase sempre
usando os jatos da Força Aérea Brasileira, que, além de transportá-los, abarcam
comitivas de assessores.
Ajuda da “viúva”
Quem não tem jatinho, caça
com o chamado cotão – outro atalho encontrado pelos parlamentares para
conseguir atenuar os efeitos das restrições eleitorais de 2018.
Trata-se da
cota para o exercício da atividade parlamentar (CEAP).
Somente com passagens
aéreas, os gastos em 2018 alcançaram R$ 1,1 milhão na Câmara.
No Senado, a R$ 3
milhões.
O pré-candidato à presidência da República Jair Bolsonaro (PSL), por
exemplo, gastou R$ 49,6 mil apenas este ano.
Na lista de passagens solicitadas
por Bolsonaro, estão viagens para Goiânia e Curitiba, onde ele participou de
atos políticos em apoio à sua candidatura.
“A meu ver esses benefícios da verba
indenizatória deveriam ser eliminados até mesmo para se tornar justo o processo
eleitoral.
Esses benefícios desequilibram o pleito.
Inclusive, isso
(privilégios do mandato) é um dos obstáculos para que a renovação que a
sociedade aparentemente deseja não ocorra”, analisa o economista e presidente
da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco.
Como se não bastasse a
superestrutura criada para perpetuar no Congresso aqueles que já ocupam suas
cadeiras, as ações de divulgação de mandato também são custeadas com dinheiro
público.
É uma farra.
Durante os seis primeiros meses do ano de 2018 foram
gastos na Câmara aproximadamente R$ 27 milhões com publicidade da atividade
parlamentar.
No Senado, a rubrica totalizou R$ 1,3 milhão.
Entre esses gastos,
os deputados federais incluem um pouco de tudo: desde pagamento de provedores
de internet de seus sites pessoais, propaganda, custeio de serviços de
alimentação de redes sociais, impressão de jornais e criação de vídeos a
aluguel de outdoors nos domicílios eleitorais.
O senador que mais gastou com a
divulgação da atividade parlamentar foi Valdir Raupp (MDB-RO): R$ 99,2 mil.
Em
seguida, Telmário Mota (PTB-RR), com R$ 80,9 mil, e Ângela Portela (PDT-RR), R$
74,6 mil.
Uma revista produzida pelo senador Jorge Viana (PT-AC) chama a
atenção pela sua qualidade: papel cuchê e fotos de Sebastião Salgado.
Impressa
pela Gráfica do Senado, de acordo com dados do portal da Transparência, o custo
de seu projeto gráfico ficou em R$ 15 mil.
Outro caso é ainda mais
esdrúxulo, não pelo valor, mas para demonstrar que a verba está pronta para
assumir qualquer gasto.
Em abril de 2015, o ex-ministro do Desenvolvimento
Social, Osmar Terra (MDB-RS) entregou nota pedindo o ressarcimento de um combo
de pipoca e refrigerante que consumiu em um cinema de Brasília.
O valor: R$ 26.
Mais tarde, Osmar Terra voltou para a Terra: alegou que a entrega da nota fora
um erro e pediu ressarcimento.
O problema é que, antes disso, a nota passou
batida e foi paga sem qualquer questionamento.
Ou seja, se o dinheiro da
campanha ficou mais curto, a classe política dá o seu jeitinho, como diria
Sérgio Buarque de Holanda: pede ajuda à viúva.
post: Marcelo Ferla
fonte: https://istoe.com.br
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