As
imagens e gráficos que mostram o que sobrou de Mossul após a feroz ofensiva
para expulsar o Estado Islâmico.
Lucy Rodgers,
Nassos Stylianou e Daniel Dunford
BBC News
O conflito brutal para
libertar Mossul, no norte do Iraque, do grupo extremista conhecido como Estado
Islâmico, deixou milhares de mortos e a cidade em ruínas, com sobreviventes sem
ter onde morar ou morando em destroços.
Quanta devastação foi causada pela
batalha entre as forças iraquianas - apoiadas por ataques aéreos liderados
pelos Estados Unidos - e o grupo rebelde, e o que vai acontecer daqui para
frente?
Ao fim de nove meses de
batalha por Mossul, sua população se viu encarando uma crise humanitária em
escala catastrófica.
As estimativas do número
de mortos variam muito, de milhares para dezenas de milhares.
Mais de um milhão
de pessoas - o equivalente à população de Dublin, na Irlanda - deixaram suas
casas desde que a ofensiva começou, em outubro do ano passado.
Bairros inteiros foram
destruídos, corpos permanecem debaixo de ruínas e as ruas estão repletas de
munições não detonadas e minas terrestres.
Veja abaixo, algumas fotos e
gráficos mapeando a devastação de grandes partes da cidade.
Danos às edificações,
Mossul, julho de 2017
Análise de imagens de
satélite mostra milhares de construções e mais de 100 km de avenidas
severamente danificados ou destruídos.
Grande parte da segunda
maior cidade do Iraque, controlada pelo Estado Islâmico desde junho de 2014,
foi reduzida a ruínas.
A tomada de Mossul é vista
agora como a maior batalha urbana vista desde a Segunda Guerra Mundial.
Todas as partes da cidade
experimentaram algum tipo de dano, segundo a avaliação mais recente das Nações
Unidas.
A parte oeste, reconquistada em julho, sofreu mais do que a parte leste
— tirada do Estado Islâmico seis meses mais cedo.
Mais da metade dos 54
distritos residenciais da parte oeste de Mossul foi afetada de forma
significativa.
A ONU aponta 15 deles como
"gravemente danificados", o que significa que a maior parte das
construções está inabitável.
Outros 23 distritos estão
"moderadamente danificados", o que significa que metade das
edificações foi destruída ou está estruturalmente inadequada.
Outros 16
distritos estão "levemente danificados".
Enquanto uma análise da
ONU com imagens de satélite sugere que cerca de 10 mil construções foram
severamente danificadas ou completamente destruídas, acredita-se que o real
nível de destruição seja maior.
Levando em conta os danos
a vários andares dos prédios, o que não é visto por satélite, a ONU estima
agora que o número real de construções prejudicadas é três vezes maior: 32 mil.
Lise Grande, coordenadora
humanitária da ONU no Iraque, diz que serão necessários anos para que estas
áreas voltem ao normal.
Reconstruir a cidade e
fazer com que civis retornem às suas casas será "extremamente
desafiador", alerta, estimando um custo de aproximado de US$ 1 bilhão
(cerca de R$ 3,1 bilhões).
Danos às edificações,
outubro de 2016 a julho de 2017
Números baseados em
análise da ONU com imagens de satélite
1. Antes da ofensiva
135 edificações danificadas
(50% públicas, 21% residenciais).
Antes da ofensiva das
forças iraquianas, muitos prédios públicos estavam danificados - incluindo o
acampamento militar al-Ghazlani, o aeroporto de Mossul e a universidade da
cidade.
2. Primeiros cinco meses
da ofensiva
1.240 edificações
danificadas (47% residenciais).
Alvos estratégicos, como
avenidas e fábricas, foram atingidos na primeira fase da batalha.
Todas as
cinco pontes cruzando o Rio Tigre foram atingidas.
Pouco menos da metade das
construções atingidas era de residências.
3. Oito meses depois
4.356 edificações
danificadas (70% residenciais).
Nos três meses entre março
e junho deste ano, o número de edificações danificadas cresceu quase quatro
vezes - de 1.240 a 4.356.
Sete de dez destas construções eram residenciais.
4. Quase nove meses depois
9.519 edificações
danificadas (85% residenciais).
Nas últimas semanas do
conflito, mais de 5 mil locais foram destruídos.
Cerca de 98% destes eram
prédios residenciais — majoritariamente na Cidade Antiga.
A icônica Grande
Mesquita de al-Nuri também foi destruída.
A análise inicial feita
pela ONU das imagens de satélite sugere que residências foram o tipo de
construção mais danificado, com ao menos 8.500 edificações residenciais
severamente danificadas ou completamente destruídas, a maior parte delas na
Cidade Antiga.
Os números certamente irão aumentar quando a avaliação de danos
for conduzida em solo.
Aproximadamente 130 km de
avenidas também foram danificados - dos quais 100 km ficam no oeste da cidade.
Ataques aéreos da
coalização também destruíram todas as pontes que ligavam as partes leste e
oeste da cidade sobre o Rio Tigre - com o objetivo de limitar a possibilidade
dos jihadistas se abastecerem e fortalecerem suas posições no leste.
O aeroporto da cidade, a
estação de trem e hospitais também estão em ruínas.
Funcionários iraquianos
estimam que aproximadamente 80% do principal complexo médico de Mossul foi
destruído.
O local era o maior centro de atenção à saúde na província de
Nineveh, abrigando vários hospitais, uma escola de medicina e laboratórios.
Tipos de edificações
destruídas
Números baseados em
análise da ONU com imagens de satélite.
Nas últimas semanas da
batalha para libertar a cidade do Estado Islâmico (EI), a Cidade Antiga em
particular foi atingida seriamente.
As forças do EI foram
forçadas a recuar em direção à área, densa em construções, após serem
encurraladas por forças ligadas do governo iraquiano.
À medida que a batalha se
intensificou, muitos dos moradores da área ficaram isolados dentro de suas
casas.
Quando eles finalmente puderam sair, muitos estavam desnutridos, doentes
e traumatizados.
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'Nos três dias e
noites eu estava sozinha, gritando para todo mundo, mais ninguém me escutava',
conta Amira, de 10 anos.
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Amira, de 10 anos, estava
entre estas pessoas.
Depois que um morteiro atingiu sua casa, ferindo suas
pernas e matando a sua mãe, ela ficou sozinha.
"Eu fiquei chamando a
minha mãe, gritando para que ela me ajudasse, mas ela não me respondia... Eu
não conseguia me mexer".
Com seu pai e irmãos
longe, tentando fugir, Amira ficou ali por três dias.
"Eu não tinha comida
nem água", conta.
"Nos três dias e noites eu estava sozinha, gritando
para todo mundo, mais ninguém me escutava.
'Mamãe', eu gritava, mas sem
respostas.
Eu não sabia que ela estava morta até que fui resgatada".
Agora, Amira está
recebendo tratamento, mas não sabe ainda o que aconteceu com seu pai e irmãos.
Mas muitos tiveram
destinos semelhantes ao de Amira e sua família.
Imagens de satélite
sugerem que mais de 5.500 dos 16 mil prédios residenciais na Cidade Antiga
foram severamente danificados ou completamente destruídos.
Estima-se que cerca
de 490 casas foram destruídas nas últimas semanas da ofensiva.
Os números reais, mais uma
vez, são possivelmente maiores.
Grande parte da Cidade
Antiga foi abatida
Segundo forças iraquianas,
ela foi explodida pelo Estado Islâmico em junho de 2017.
O EI diz que a
mesquita foi destruída em um ataque aéreo liderado pelos Estados Unidos, mas
não há evidências disto.
Grande Mesquita de
al-Nuri, julho de 2014.
Grande Mesquita de
al-Nuri, julho de 2017.
O minarete de al-Habda, do
século 12, um dos pontos turísticos mais famosos da Cidade Antiga, havia
sobrevivido mais de oito séculos de invasões e conquistas.
Ele finalmente
sucumbiu em 22 de junho de 2017.
Minarete de al-Hadba, 20
de junho de 2017.
Minarete de al-Hadba, 22
de junho de 2017
O êxodo civil
Mas quem sofreu mais com a
tragédia de Mossul foi a população.
Ainda não se sabe quantas
pessoas foram mortas.
A última estimativa da
ONU, de janeiro, falava em 2.463 pessoas, mas desde então, a Anistia
Internacional já afirmou que houve 5.805 óbitos somente por ataques aéreos.
Enquanto isso, um relatório da inteligência curda revelou ao jornal britânico
Independent que 40 mil pessoas perderam suas vidas.
Mas com corpos ainda sendo
recuperados, pode demorar para que o número completo seja conhecido.
Além disso, um milhão de
civis deixaram a cidade - cerca de metade da população anterior ao conflito -
desde o começo da ofensiva a Mossul em outubro passado, segundo estimativas da
ONU.
Mais da metade deles são crianças e aproximadamente 700 mil saíram da
parte oeste de Mossul, a área mais afetada pela batalha.
Foi a maior evacuação
organizada na história moderna.
No início de agosto, mais
de 800 mil pessoas ainda eram consideradas desalojadas pela Organização
Internacional para as Migrações (IOM, na sigla em inglês), mais da metade delas
abrigadas em acampamentos ou refúgios de emergência.
Outros voltaram à cidade,
estão alugando moradia em outros locais, alojados com amigos e familiares ou
vivendo em edificações danificadas pela guerra.
Mais de 440 mil pessoas
estão vivendo em acampamentos
O êxodo mais significativo
ocorreu nos últimos meses da ofensiva na cidade.
Nos oito meses entre o meio de
outubro do ano passado e meados de junho, 7 mil famílias deixaram suas casas em
Mossul, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (IOM).
No mês seguinte, esse
número cresceu para mais de 125 mil famílias - equivalente a uma cidade do
tamanho de San Francisco, nos Estados Unidos.
Este número hoje é de
aproximadamente 140 mil.
No entanto, o aumento
deste número decorre, em parte, do ajuste de dados feito pela IOM diante de
informações de grupos locais.
Enquanto muitos deixaram
Mossul, a maior parte daqueles cujas casas foram destruídas não saíram, na
verdade, da cidade.
Mais de 100 mil famílias permanecem desalojadas dentro da
própria Mossul.
A população do leste da
cidade dobrou, segundo organizações parceiras da ONU, com famílias do oeste
escolhendo viver com amigos ou familiares no outro lado da cidade - em vez de
se mudarem para acampamentos.
Entre os que fizeram esta
escolha está Jumana Najim Abdullah, uma cabeleireira de 35 anos, que foi viver
com a família no leste.
Jumana, uma mãe
divorciada, foi banida de trabalhar durante o domínio do Estado Islâmico.
Mas
ela conseguiu ganhar algum dinheiro cortando o cabelo de clientes conhecidos,
sob a segurança de suas casas.
Agora, com a saída dos rebeldes, ela se mudou
para um apartamento alugado e abriu seu próprio negócio, o Salão Jumana.
"Me senti muito
orgulhosa.
As pessoas me alertaram de que isto poderia ser perigoso e que eu
poderia sofrer consequências, mas por sorte não tive problemas."
E agora, com sua filha de
volta à escola, Jumana pretende permanecer na área leste da cidade.
"Apesar de este não
ser o meu lar original, ficarei aqui agora", conta. "Nossa antiga
casa, no oeste de Mossul, foi destruída."
Diferente de Jumana,
muitas famílias escolheram sair da cidade para escapar dos conflitos.
Destas, 3
mil foram para a capital, Bagdá.
Erbil, a uma hora e meia
de carro a leste de Mossul, abriga 2 mil famílias desalojadas, enquanto outras
mil se dirigiram ao sul, no distrito de Salah al-Din - uma viagem menor do que
a ida para Bagdá.
Quando e para onde as
pessoas escaparam
Quando a ofensiva para
recuperar Mossul começou, em outubro, o Estado Islâmico ainda controlava
grandes áreas do norte do Iraque, então aqueles que conseguiram escapar no
início do conflito foram para o sul.
À medida que o Exército
iraquiano fechava o cerco à Cidade Antiga, tornou-se mais seguro para as
famílias se estabeleceram em cidades vizinhas, como Erbil e os subúrbios a sul
de Mossul.
Com a recaptura da cidade,
em julho, se tornou mais possível diagnosticar a escala das consequências da
guerra.
Em nove meses de conflito, 126 mil famílias foram desalojadas.
Mossul: E agora?
Agora que a cidade foi
reconquistada, autoridades iraquianas e seus parceiros se dedicam a reerguer a
antes efervescente metrópole.
Mas o desafio é enorme,
especialmente no oeste.
Enquanto a reconstrução
deve levar anos e custar bilhões de dólares, as autoridades iraquianas estão,
agora, focando em tornar a cidade segura o suficiente para que seus moradores
retornem.
Isto significa remover
corpos, lidar com remanescentes do Estado Islâmico e gangues, reinstalar
serviços essenciais e retirar objetos explosivos.
Desde que as operações de
limpeza começaram, em outubro do ano passado, cerca de 1,7 mil pessoas foram
mortas ou feridas por explosivos, segundo o Serviço de Ação Anti-Minas da ONU.
Nina Seecharan, diretora
do Grupo Consultivo de Minas no Iraque, afirmou em julho que a organização
britânica não via um uso de minas terrestres em tamanha escala nos últimos 20
anos.
Uma equipe da Organização
Internacional para as Migrações encontrou explosivos em corredores e no
estacionamento de hospitais.
Mas muitos apontam que não
são apenas as necessidades físicas que precisam de atenção em Mossul.
A cidade é
majoritariamente sunita e, com um governo xiita em Bagdá, haverá questões de
confiança, responsabilidade e inclusão no meio do caminho da reconstrução.
A ausência de um
"diálogo político significativo" poderia levar a novos episódios de
violência, apontou no mês passado, em reunião do Conselho de Segurança da ONU,
o representante especial Jan Kubis.
Há, no entanto, pequenos
sinais de que as pessoas estão começando a se reunir para levantar e colocar em
funcionamento a cidade.
Projetos para que
hospitais e escolas sejam abertos rapidamente, apoiados pelo Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estão empregando moradores para
ajudar na limpeza e no reestabelecimento de prédios.
Ibrahim Mustafa, que está
participando de uma dessas limpezas no bairro de al-Zuhur, acredita que esta
poderia ser a salvação da cidade.
"Aqui em Mossul, tudo
foi embora - nossos empregos, nossas casas, nosso sustento - mas ainda temos
nossas almas.
Todos os nossos vizinhos se ajudam.
Reconstruir nossa cidade é
uma forma de fazer isto".
Escrito por Lucy Rodgers,
Nassos Stylianou & Daniel Dunford.
Design por Joy Roxas.
Imagens não
creditadas da devastação de Mossul: Getty.
Imagens dos acampamentos: Reuters.
Entrevista de 10 minutos com Amira: Organização Internacional para as
Migrações; imagem: Raber Aziz.
Imagem e entrevista com Jumana Najim Abdullah:
ACNUR.
post: Marcelo Ferla
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