No começo do novo milênio
já eram quase seis milhões de habitantes.
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Perfil dos
moradores da ilha japonesa de Hokkaido é semelhante ao que se encontra em
cidades dos Estados Unidos, dizem os pesquisadores.
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Poucos moradores atuais de
Hokkaido tiveram de conquistar territórios selvagens.
Mesmo assim, psicólogos
estão constatando que o espírito dos pioneiros ainda está presente na forma
como eles pensam, sentem e reagem, em comparação com quem vive em Honshu, a
apenas 54 quilômetros de distância.
Eles são mais
individualistas, orgulhosos, ambiciosos e menos ligados às pessoas que os
cercam.
Na verdade, quando é feita uma comparação com países, esse "perfil
cognitivo" é mais próximo dos Estados Unidos do que do resto do Japão.
Mas a história de Hokkaido
é apenas uma em um crescente número de estudos de caso que investigam como o
ambiente social molda a nossa maneira de ver o mundo.
Onde quer que estejamos
vivendo, um maior conhecimento dessas forças pode nos ajudar a entender um
pouco melhor a nossa própria mente.
Universo 'estranho'
Até recentemente, os
cientistas ignoravam amplamente a diversidade global do pensamento.
Em 2010, um artigo na
conceituada publicação científica Behavioral and Brain Sciences, da
Universidade de Cambridge, relatou que a grande maioria dos indivíduos que
participavam dos estudos psicológicos tinha um perfil: era "ocidental,
educado, de áreas industrializadas, ricas e democráticas".
Usando as iniciais de cada
uma daquelas palavras em inglês, surgiu o que o artigo chamou de perfil
"Weird", termo que também significa "estranho" na língua.
O perfil "Weird"
passou a ser visto como um fenômeno que se espalhou pela psicologia e pelas
ciências sociais.
O artigo relatou que quase
70% dos entrevistados eram americanos e, em grande parte, estudantes
universitários em busca de algum dinheiro ou de créditos escolares por terem
participado das experiências.
A crença implícita era de
que esse seleto grupo de pessoas "Weird" poderia representar verdades
universais sobre a natureza humana - ou seja, que todas as pessoas são
basicamente iguais.
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Um artigo alerta
que os entrevistados nas pesquisas da Psicologia e das Ciências Sociais
costumam ter um perfil semelhante, que foi chamado de 'Weird'.
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Se isso fosse assim, a
visão ocidental não teria tido importância.
No entanto, um pequeno número de
estudos examinou pessoas de outras culturas e sugere que isso está longe de ser
verdade.
"Os povos ocidentais
- especificamente os americanos - apareciam no fim dessa divisão", disse
um dos autores do estudo, Joseph Henrich, da Universidade da Colúmbia
Britânica, no Canadá.
Individualismo x
coletivismo
Algumas das diferenças
mais notáveis estavam em torno de conceito como "individualismo" e
"coletivismo": até que ponto você se considera independente e
autocentrado, ou ligado às pessoas a sua volta, valorizando o grupo mais do que
o individual.
De maneira geral - há
várias exceções - no Ocidente os povos tendem a ser mais individualistas, e nos
países asiáticos como Índia, Japão e China, mais coletivistas.
Em muitos casos, as
consequências são exatamente as esperadas.
Quando questionados sobre
suas crenças e comportamentos, entrevistados de sociedades ocidentais mais
individualistas tendem a valorizar o sucesso pessoal sobre as conquistas do
grupo, o que por sua vez é associado com a necessidade de maior autoestima e a
busca da felicidade.
Mas essa necessidade de
autovalidação - quando somos capazes de nos reassegurar de que o que sentimos é
real, importante e faz sentido - também se manifesta no excesso de confiança,
com vários experimentos mostrando que os participantes considerados
"Weird" superestimam suas habilidades.
Quando perguntados sobre
sua competência, por exemplo, 94% dos professores americanos afirmam que são
"melhores do que a média".
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Hokkaido se
transformou em uma área próspera e densamente povoada.
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Pensamento holístico
Essa tendência ao
autoelogio parece estar totalmente ausente em vários estudos realizados no
leste da Ásia.
Na verdade, em alguns casos os participantes subestimaram suas
habilidades, em vez de as supervalorizarem.
As pessoas que vivem em
sociedades individualistas também dão maior ênfase à escolha pessoal e à
liberdade.
Crucialmente, a nossa
"orientação social" parece influenciar os mais fundamentais aspectos
do raciocínio.
Pessoas que vivem em
sociedades mais coletivistas tendem a ser mais holísticas na forma como pensam
nos problemas, concentrando-se mais nos relacionamentos e no contexto.
Já as pessoas que vivem em
sociedades individualistas tendem a concentrar-se em elementos separados e a
considerar as situações fixas e imutáveis.
Um exemplo simples:
imagine que você vê a foto de um homem grande intimidando uma pessoa mais
baixa.
Sem receber nenhuma
informação a mais, os ocidentais são mais propensos a achar que esse
comportamento reflete algo essencial e estabelecido sobre o sujeito grande: provavelmente
ele é mau.
"Mas se você estiver
pensando holisticamente, levará em conta outras coisas que podem estar se
passando entre aquelas duas pessoas: talvez o sujeito grande seja o chefe ou o
pai do outro", explica Henrich.
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Um dos estudos
comparou o comportamento das pessoas e suas relações nas regiões do Japão onde
se cultiva arroz e trigo.
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E esse estilo de
pensamento também se estende à forma como caracterizamos objetos inanimados.
Imagine que alguém peça a
você para relacionar dois itens entre as palavras "trem, ônibus e
trilho".
O que você responde?
Isso é conhecido como o
"teste da tríade".
No Ocidente, a resposta
vai ser "ônibus" e "trem" porque são dois tipos de meios de
transporte.
Uma pessoa com pensamento
holístico, por sua vez, responderá "trem" e "trilho",
porque está levando em conta o relacionamento funcional entre ambos: uma coisa
é essencial para o funcionamento da outra.
Visões diferentes
Até mesmo seu modo de
enxergar pode mudar.
Um estudo do olhar, feito
por Richard Nisbett, da Universidade de Michigan (EUA), descobriu que
participantes do leste da Ásia costumam passar mais tempo olhando o entorno de
uma imagem - percebendo o seu contexto -, enquanto nos EUA as pessoas tendem a
passar mais tempo concentradas no foco principal da foto.
Curiosamente, essa
diferença pode ser vista também em desenhos de crianças do Japão e do Canadá, o
que indica que as diferentes maneiras de ver algo surgem numa idade muito
precoce.
"Se nós somos o que
vemos, e estamos prestando atenção de forma diferente, então estamos vivendo em
mundos diferentes", diz Henrich.
Embora alguns
pesquisadores digam que a nossa orientação social pode ter um elemento
genético, as evidências até agora indicam que a aprendemos.
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Uma das pesquisas
analisou o perfil da comunidade britânica de origem bengalesa e constatou
mudanças na primeira geração de imigrantes.
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Alex Mesoudi da
Universidade de Essex, no Reino Unido, fez recentemente um perfil do modo de
pensar de famílias bengalesas britânicas radicadas no leste de Londres.
Ele verificou que a
primeira geração de imigrantes começou a adotar alguns elementos cognitivos
mais individualistas e menos holísticos.
Os meios de comunicação
perceberam a mudança.
"Eles foram mais importantes do que os acadêmicos ao
explicar essa transformação."
Mas por que a primeira
coisa a mudar foi o modo de pensar?
A explicação mais óbvia é
de que isso simplesmente reflete as filosofias que tiveram importância em cada
região durante certo tempo.
Nisbett assinala que os
filósofos ocidentais enfatizam a liberdade e a independência, enquanto na
tradição oriental - como no taoísmo - eles destacam o conceito de unidade.
Confúcio, por exemplo,
destacou "os deveres entre o imperador e o súdito, pais e filhos, marido e
mulher, irmão mais velho e irmão mais novo, e entre amigos".
Essas maneiras diversas de
ver o mundo estão incorporadas na literatura, na educação e nas instituições
políticas, por isso não é surpresa ver que tais ideias foram internalizadas,
influenciando alguns processos psicológicos muitos básicos.
Ainda assim, a variação
sutil entre os países indica que muitos outros fatores também atuam.
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O imperador Meiji
contratou agrônomos americanos e samurais para ocuparem as terras do norte, na
ilha de Hokkaido.
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Colonização
Consideremos os EUA, o
país mais individualista de todo o Ocidente.
Historiadores como
Frederick Jackson Turner têm argumentado que a expansão e a exploração do oeste
alimentaram um espírito mais independente, já que para sobreviver cada pioneiro
americano teve de enfrentar uma região selvagem e mesmo uns aos outros.
De acordo com essa teoria,
recentes estudos psicológicos mostraram que nos Estados americanos que ficam no
oeste mais extremo, como Montana, o individualismo costuma ser maior.
Para confirmar a chamada
"teoria da colonização voluntária", no entanto, os psicólogos
examinaram um segundo estudo de caso independente.
Por isso o caso de
Hokkaido é tão fascinante.
Como a maior parte dos
países do leste asiático, o Japão tende a ter uma mentalidade mais coletivista
e holística.
A migração rápida para o
norte lembra a corrida para a conquista do oeste selvagem nos EUA.
O regime do
imperador Meiji contratou agrônomos americanos, como Horace Capron, para ajudar
no cultivo da terra.
Se a "teoria da
colonização voluntária" está certa, os pioneiros tinham uma visão mais
independente em Hokkaido em comparação com o resto do país.
Shinobu Kitayama, da
Universidade de Michigan, nos EUA, descobriu que em Hokkaido as pessoas dão
mais valor à independência e à conquista pessoal - e a emoções como orgulho - do
que os japoneses das outras ilhas do arquipélago.
E se preocupam menos com o
que os outros pensam.
Os participantes da
pesquisa também tiveram que fazer um teste de raciocínio social, no qual foi
pedido que dissertassem sobre um jogador de beisebol que usava drogas para
melhorar o rendimento.
Enquanto os japoneses das
outras ilhas levavam mais em conta o contexto - como a pressão para vencer -,
os japoneses de Hokkaido apontaram um suposto problema de personalidade ou de
caráter moral do jogador.
Novamente, culpar
atributos pessoais é uma característica das sociedades individualistas e se
parece muito com a resposta média dos americanos.
'Teoria do germe'
Uma outra ideia é a de que
diferentes raciocínios estão envolvidos na reação a germes, por exemplo.
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O trabalho nas
plantações de arroz é intenso e coletivo, o que influencia comportamentos e
pensamentos, afirmam os pesquisadores.
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Em 2008, Corey Fincher, da
Universidade de Warwick, e seus colegas analisaram dados epidemiológicos
globais para mostrar que o nível de individualismo e coletivismo pode ser
relacionado à incidência de doenças: quanto mais você estiver disposto a ter
uma infecção, mais coletivista você é e quanto menos, mais individualista.
A ideia básica é de que o
coletivismo, caracterizado por um maior conformismo e pela deferência ao outro,
deveria tornar as pessoas mais conscientes sobre como evitar comportamentos que
podem espalhar doenças.
Tem sido difícil provar
que as aparentes correlações no mundo real não são causadas por algum outro
fator, como a riqueza relativa do país, mas alguns testes em laboratório dão
algum apoio à ideia.
Quando os psicólogos
estimularam as pessoas a terem medo da doença, elas adotaram modos mais
coletivistas de pensar, assim como se adequaram mais aos comportamentos do
grupo.
Pensamento e agricultura
Talvez a teoria mais
surpreendente seja a de Thomas Talhelm, da Universidade de Chicago, que
examinou 28 províncias da China.
Ele descobriu que o modo de pensar também
parece se refletir na agricultura da região.
Talhelm contou que foi
inspirado pelas suas próprias experiências no país.
Ao visitar Pequim, no
norte, descobriu que os estrangeiros eram muito mais bem-vindos:
"Se eu
estivesse comendo sozinho, as pessoas se aproximavam e falavam comigo".
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Estátua de um dos
agrônomos estrangeiros pioneiro na conquista de Hokkaido, acompanhada da
inscrição: 'Meninos, sejam ambiciosos'.
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Enquanto isso, na cidade
de Guangzhou, no sul, as pessoas eram mais distantes e tinham medo de
ofendê-lo.
Essa diferença parecia um
sinal sutil de um raciocínio mais coletivista e então Talhelm começou a pensar
no que haveria por trás daquelas duas perspectivas.
Elas não pareciam
relacionadas a riqueza ou modernização, mas o cientista percebeu que uma
diferença podia ser o tipo de cultivo da região: arroz nas áreas do sul e trigo
no norte.
"A divisão do plantio
é clara ao longo do rio Amarelo", disse Talhelm.
Plantar arroz exige maior
cooperação: é um trabalho intensivo e precisa de sistemas de irrigação
complexos que interligam várias plantações diferentes.
O cultivo do trigo, por
sua vez, dá metade do trabalho e depende mais do regime de chuvas do que da
irrigação, o que significa que os agricultores não precisam ajudar os vizinhos
e podem se concentrar nas suas próprias plantações.
Mas poderiam essas
diferenças se traduzir num raciocínio mais coletivista ou individualista?
Talhelm trabalhou com
cientistas chineses e testou mais de mil estudantes em regiões de cultivo de
arroz e trigo, usando ferramentas como o teste da tríade do pensamento holístico.
Os pesquisadores também
pediram aos entrevistados que desenhassem suas relações com os amigos: nas
sociedades individualistas as pessoas costumam desenhar a si mesmas maiores do
que os amigos, enquanto nas coletivistas todos são desenhados do mesmo tamanho.
"Os americanos
costumam se desenhar muito grandes", diz Talhelm.
As pessoas nas regiões de
plantio de trigo atingiram um índice maior de individualismo, enquanto as das
áreas de cultivo de arroz apresentaram um pensamento mais coletivista e
holístico.
O pesquisador vem testando
sua hipótese na Índia, onde também há uma clara divisão entre as regiões de
plantio de trigo e arroz, com resultados idênticos.
Quase todas as pessoas
entrevistadas não estão diretamente envolvidas no cultivo, claro - mas as tradições
históricas das suas regiões ainda estão moldando o seu pensamento.
"Existe
alguma inércia na cultura", afirma.
Caleidoscópio cognitivo
É importante enfatizar que
essas são apenas tendências gerais encontradas em um grande número de pessoas
em cada população estudada.
"A ideia de preto e
branco - na perspectiva antropológica - não funciona", diz o antropólogo
Delwar Hussain, da Universidade de Edimburgo, na Escócia.
Ele trabalhou com
Mesoudi no estudo da comunidade bengalesa britânica de Londres.
Hussain destaca que há
tantas conexões históricas entre países do Oriente e Ocidente que isso vai
significar que algumas pessoas ficarão encurraladas entre os dois modos de
pensar e que fatores como idade e classe socioeconômica também terão
influência.
Faz sete anos que Henrich
publicou seu relatório sobre a tendência "Weird", e a resposta dos
cientistas tem sido positiva.
Ele está especialmente
feliz porque pesquisadores como Talhelm estão começado a fazer grandes projetos
para entender o caleidoscópio de diferenças de pensamento.
"Você busca uma
teoria que explica por que diferentes populações têm psicologias
distintas."
Mas apesar das boas
intenções, o progresso tem sido lento.
Como testar as pessoas em todo o globo
consome tempo e dinheiro, a maior parte das pesquisas ainda examina
participantes "Weird" em detrimento de uma maior diversidade.
"Estamos de acordo
sobre a doença.
A questão é qual deve ser a solução", conclui Henrich.
post: Marcelo Ferla
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