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quarta-feira, 16 de agosto de 2017
Cinema.
Especial
Grindhouse: Revisitando o Universo "Exploitation" de Quentin
Tarantino e Robert Rodriguez.
GUILHERME ARAUJO
Em 06 de abril de 2017, a
experiência cinematográfica Grindhouse, idealizada pelos parceiros Quentin
Tarantino e Robert Rodriguez, completou 10 anos.
Mesmos sendo uma pena
que os brasileiros, e vários outros públicos ao redor do mundo, não tenham tido
a experiência de ter visto o projeto conforme sua concepção original, ainda
devemos enaltecer o lançamento de dois filmes incrivelmente divertidos como
Planeta Terror e À Prova de Morte.
Mas se engana quem acha
que Grindhouse foi o primeiro filme da dupla Tarantino/Rodriguez que seria uma
homenagem ao cinema exploitation dos anos 60, 70 e 80; já que 10 anos antes (em
abril de 1996) foi lançado nos cinemas estadunidenses o sensacional Um Drink no
Inferno.
A história da amizade
entre os dois cineastas é longa.
Segundo rumores, os dois se conheceram no
Festival de Sundance em 1992, quando Tarantino apresentou o seu clássico Cães
de Aluguel e Robert Rodriguez o cult El Mariachi.
Ambos sairiam laureados do
festival, tendo sido lançados ao “hall” dos jovens cineastas mais promissores
do momento.
Porém, não era apenas o talento na direção, e o sucesso repentino
com filmes sensacionais, que ambos tinham em comum.
Tarantino e Rodriguez se
encontraram parceiros como dois cinéfilos que AMAM o cinema fantástico (ficção
científica, terror, fantasia) de décadas anteriores; além de filmes trash e
exploitation.
Exploitation, aliás, se
refere a filmes de terror, ação, aventura, eróticos, em sua maioria
“bagaceiros”, do fim dos anos 60, 70 e 80 que exploravam, sem sutileza nenhuma,
temas diversos como sexo (Sexploitation), estereótipos negros urbanos 70’s
(Blaxploitation), nazismo (Nazixploitation), dentre outros.
Além disso, alguns
estudiosos também consideram dentro do exploitation filmes giallo (filmes
italianos de assassinato e mistério, como a Trilogia dos Animais de Dario
Argento), slashers (filmes de assassinos mascarados, como Banho de Sangue e Sexta-Feira
13 popularizaram), histórias de estupro e vingança (como A Vingança de
Jennifer), presídios de mulheres (Women in Cages, de Roger Corman), faroestes
italianos (Django), filmes de artes marciais (como os de Bruce Lee) e VÁRIOS
outros.
Não é novidade para
ninguém que Quentin Tarantino sempre foi um GRANDE entusiasta desse tipo de
cinema.
Na verdade, seus filmes são recheados de referências à estética e
narrativa do exploitation, apesar de o diretor sempre utilizar isso de forma
inteligente para criar uma aura cool e moderna.
No cinema de Tarantino, há
filmes de gângsteres violentos (Cães de Aluguel, Pulp Fiction – Tempo de
Violência), filmes de samurais (Kill Bill – Vol. 1), filmes de faroestes
italianos (Kill Bill – Vol. 2), blaxploitation (Jackie Brown e Django Livre) e
tudo mais.
Assim como Martin Scorsese
trabalha incessantemente na restauração de grandes clássicos do cinema,
Tarantino faz o mesmo pelos filmes B. Na verdade, como sempre foi “rato de
locadora”, o diretor é MUITO obcecado por esses filmes, chegando a realizar
vários festivais abertos ao público para exibir “pérolas” do cinema B e
exploitation de seu próprio acervo.
Inclusive, o diretor trabalha também para
que vários desses filmes sejam relançados e ganhem mais reconhecimento do
público, através do selo Quentin Tarantino Presents.
Já Robert Rodriguez sempre
deixou claro em seu cinema pré-Um Drink no Inferno (El Mariachi, Revanche
Rebelde e A Balada do Pistoleiro) que sempre teve predileção pelo estilo de
ação dinâmico de filmes de justiceiros B (como Desejo de Matar de Charles
Bronson) e até a atmosfera de spaghetti westerns.
Fora que o diretor sempre
deixou claro para todos que tem como grandes ídolos cineastas como John
Carpenter.
O termo Grindhouse vem a
partir dos cinemas que exibiam esse tipo de filme trash e exploitation.
Verdadeiros “pulgueiros”, os cinemas grindhouse se localizavam sempre em
bairros ruins e não tinham uma clientela muito “refinada”, digamos assim.
Pelo
preço de um ingresso, os frequentadores desses cinemas assistiam a dois filmes,
um atrás do outro, com inclusão de trailers antes de cada filme.
Essa exibição
dupla de filmes possui um histórico que iniciou nos anos 30; como forma das
salas de exibição da época renderem mais dinheiro em plena Grande Depressão dos
EUA.
O mais interessante, é que
não havia uma coerência entre os longas exibidos, por exemplo, você poderia
assistir um filme de artes marciais no começo e, logo depois, um filme de
terror de canibais, ou um pornô(!).
Além disso, quase sempre as películas dos
filmes se encontravam em péssimas condições de conservação, com vários riscos e
“queimaduras” sendo projetados.
Estes “machucados” na película resultavam na
necessidade de recortes (literalmente) dos frames; e muitas vezes as cenas
acabavam em uma ordem desconexa – o que resultava em incongruências na montagem
e no som.
Algumas vezes, rolos inteiros de filmes ficavam faltando, o que
deixava os espectadores se perguntando o que havia acontecido na história nos
últimos 20 minutos de filme (!!).
O mais engraçado, é que o próprio cinema
exibidor já informava aos espectadores, antecipadamente, através de um letreiro
na tela, que o filme apresentaria falta de rolos (!!!).
Tarantino e Rodriguez já
haviam trabalhado juntos na razoável antologia de contos Grande Hotel, porém, a
parceria dos dois cineastas para replicar a aura dos filmes Grindhouse que
tanto adoravam veio pela primeira vez com Um Drink no Inferno.
Apesar de não
ter sido um projeto tão complexo e visionário quanto o posterior Grindhouse, Um
Drink no Inferno foi a seu próprio modo uma experiência de dois filmes em um
(no caso, um filme de gângsteres e outro de terror) com a estética
exploitation.
O resultado foi uma bilheteria muito maior que esperavam
inicialmente, tanto quanto a aceitação pela crítica especializada.
Considerado
um dos melhores filmes de terror dos anos 90, Um Drink no Inferno pegou a todos
de surpresa, já que na primeira metade dessa década, o cinema de horror se
encontrava em uma decadência gigantesca.
Falarei mais detalhadamente sobre esse
período enquanto estiver analisando o filme.
Dez anos depois daquele
sucesso, Tarantino e Rodriguez iniciariam as filmagens do ambicioso projeto
Grindhouse.
A proposta era que cada um dos cineastas filmassem um filme de
pouco mais de uma hora cada, Rodriguez faria um filme de zumbis (almejado por
ele há vários anos) e Tarantino faria um filme de perseguição automobilísticas
(dos quais o diretor é fã). Enquanto isso, trailers de filmes falsos, seguindo
a estética exploitation, seriam filmados por outros diretores para serem
exibidos antes e entre os filmes.
Eli Roth (que vinha do sucesso de O Albergue,
produzido pelo próprio Tarantino) e Edgar Wright (oriundo do GENIAL Todo Mundo
Quase Morto) foram convidados pelos diretores para filmarem dois dos trailers. Rob Zombie, que encontrou os diretores na premiação do finado Scream Awards e
havia lançado seu melhor filme, Rejeitados pelo Diabo, pediu para fazer outro
dos trailers do projeto, já que também é fã de exploitations.
O quarto trailer
seria feito pelo próprio Robert Rodriguez, enquanto o quinto foi escolhido
através de um concurso realizado pelos cineastas na conferência South by
Southwest (SXSW), à procura de cineastas independentes que se afeiçoassem pelo
estilo.
O escolhido acabou sendo o iniciante Jason Eisener.
O filme foi lançado nos
cinemas dos EUA conforme havia sido planejado: os dois filmes com estética de
película envelhecida e sequências cortadas; defeitos de montagem e som
propositais; mesmos atores interpretando papéis diferentes (o elenco é
INCRÍVEL); produção que mimetizasse uma pobreza de recursos, mas com muita
imaginação; e toneladas de gore, violência e carga sexual.
Os filmes foram
exibidos um após o outro, com os trailers falsos entrecortando-os.
Infelizmente, o projeto se revelou um fracasso de bilheteria (arrecadou apenas
US$25 milhões para um orçamento de US$53 milhões), apesar das críticas
majoritariamente positivas (o filme possui 83% de aprovação no “Rotten
Tomatoes”).
Grindhouse concorreu a 15
prêmios ao redor do mundo, tendo vencido sete deles.
O filme foi nomeado a
Melhor Filme de Horror, Melhor Atriz Coadjuvante (Rose McGowan) e Melhor
Maquiagem no badalado Saturn Awards em 2007.
Já no Golden Schmoes Awards o
longa venceu os prêmios de Filme Mais Subestimado do Ano, Melhor Filme de
Horror e Melhor Trilha Sonora.
Com o insucesso comercial
do filme em seu país de origem, as distribuidoras estrangeiras resolveram
lançar os filmes separadamente, afinal, o conceito Grindhouse não era algo
muito conhecido fora dos EUA.
No Brasil, por exemplo, Planeta Terror foi lançado
somente em novembro de 2007, enquanto isso, À Prova de Morte chegou aos cinemas
TRÊS anos depois, em julho de 2010.
Inclusive, o seguimento de Tarantino só foi
lançado nos cinemas por causa do recente sucesso de seu filme posterior, o já
clássico Bastardos Inglórios, de 2009.
Reparem no absurdo, o filme de Tarantino
só chegou aos cinemas brasileiros DEPOIS de seu projeto seguinte.
De qualquer forma, os
brasileiros puderam, ao menos, acompanhar ambos os filmes na telona.
Eu, por
exemplo, tive a oportunidade de assistir Planeta Terror no cinema; uma
experiência inesquecível.
Portanto, para comemorar
os 20 anos de Um Drink no Inferno e os 10 anos de Grindhouse, nós do Loucos por
Filmes fizemos uma matéria especial para analisar cada um dos três filmes, além
dos trailers falsos; explanando suas referências, estética, homenagens e
influências.
Portanto, preparem a pipoca, conectem uma metralhadora ao corpo,
encham uma série de camisinhas com água benta, evitem botecos que fiquem
abertos “do anoitecer ao amanhecer”, cuidado com gás tóxico “zumbificante” e deem partida em um Dodge Challenger 70’s.
Afinal, o cinema Grindhouse de
Quentin Tarantino e Robert Rodriguez te trará algumas das experiências
cinematográficas mais divertidas de sua vida.
ATENÇÃO: O artigo tratará
apenas dos filmes exploitation em que Tarantino e Rodriguez trabalharam como
parte criativa em CONJUNTO.
Portanto, mesmo que longas como Kill Bill e Machete
sejam fiéis ao exploitation, eles não serão analisados no presente texto.
Parte 1 - Um Drink no
Inferno (From Dusk Till Dawn, 1996) de Robert Rodriguez.
Após a “Era de Ouro” dos
filmes de terror durante os anos 80, onde todos os subgêneros famosos de
décadas anteriores foram desenvolvidos com homogênea competência; a primeira
metade dos anos 90 fez o gênero declinar.
Apesar de algumas pérolas terem sido
lançados nessa época (Drácula de Bram Stoker, Frankenstein de Mary Shelley,
Entrevista com o Vampiro, O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger, a
refilmagem de A Noite dos Mortos Vivos, Fome Animal, A Metade Negra, Demônios
da Noite, À Beira da Loucura, Uma Noite Alucinante 3), o cinema de terror havia
perdido o fôlego e se apoiava, majoritariamente, em sequências de sucessos das
décadas anteriores.
Até o lançamento de Pânico
em 1996 (que revigorou o gênero com uma inteligência pós-modernista), quem era
fã de terror precisava se contentar com inúmeras sequências pouco inspiradas
como Jason Vai pra o Inferno: A Última Sexta-Feira, Brinquedo Assassino 3,
Hellraiser 4: A Herança Maldita, Colheita Maldita 2: O Sacrifício Final,
Cemitério Maldito 2, Criaturas 3, A Volta dos Mortos Vivos 3, Leatherface: O
Massacre da Serra Elétrica 3, Halloween 6: A Última Vingança, O Pesadelo Final:
A Morte de Freddy Krueger e VÁRIOS outros longas sem imaginação que tentavam
chupar até o osso da criatividade dos filmes originais.
Neste contexto, o
lançamento de Um Drink no Inferno em 1996 foi um sopro de esperança para os fãs
de terror, já que a primeira parceria no gênero fantástico entre Quentin
Tarantino e Rodriguez pegou a todos de surpresa pela inteligência insuspeita do
roteiro de um filme de vampiros, e a direção vigorosa e referencial ao cinema
exploitation.
O roteiro do filme foi
escrito por Tarantino após um “trato” que ele havia feito com seu amigo Robert
Kurtzman, maquiador da famosa empresa de maquiagem e efeitos especiais KNB
(Kurtzman-Nicotero-Berger).
O trato era o seguinte: pelo trabalho de maquiagem
realizado por Kurtzman em Cães de Aluguel (em especial, a cena da orelha),
Tarantino precisaria retribuir o favor escrevendo um roteiro de um filme de
vampiros a partir de um argumento do maquiador.
A ideia de Kurtzman, que
revelou mais tarde ter se baseado no divertido cult 80’s Vamp – A Noite dos
Vampiros, era a de um bordel cheia de prostitutas vampiras.
Tarantino começou a
trabalhar no texto ao mesmo tempo que estava escrevendo Pulp Fiction – Tempo de
Violência, porém, só terminou o roteiro após seu clássico máximo ter sido
finalizado.
A intenção do cineasta era criar um filme de vampiros com a estética
trash, cheio de gore e ação que fosse um contraposto aos últimos filmes
vampirescos românticos de sucesso do cinema, como Entrevista com o Vampiro e
Drácula de Bram Stoker.
Inclusive, Tarantino fornecia entrevistas dizendo que
Um Drink no Inferno era um “filme sobre vampiros filhos da puta que mereciam
morrer!”.
Além disso, um dos slogans do filme era “Muitos Vampiros.
Nenhuma
Entrevista”.
Decidido a focar apenas na
escrita, Tarantino desistiu de dirigir o filme.
O cineasta chegou a oferecer a
direção a Robert Kurtzman, que não se achou apto para o desafio.
Em
conseguinte, grandes nomes do momento se interessaram pela direção do terror,
incluindo Tony Scott (que já havia dirigido um roteiro de Tarantino em Amor à
Queima-Roupa, além de um filme de vampiros clássico dos anos 80, Fome de Viver)
e Renny Harlin (com experiência em terror por A Hora do Pesadelo 4 – O Mestre
dos Sonhos, e ação, como em Duro de Matar 2).
No entanto, Tarantino ofereceu a
direção ao seu parceiro Robert Rodriguez, pelo vínculo que possuem através do
amor cinéfilo pelo exploitation.
A escalação dos atores,
entretanto, foi bem mais fácil.
Harvey Keitel (de Cães de Aluguel e Pulp
Fiction, mas que já era renomado desde os anos 70 trabalhando com Martin
Scorsese), já era parceiro de Tarantino desde o início de carreira.
Inclusive,
foi Keitel um dos principais financiadores de Cães de Aluguel.
Já Juliette
Lewis (em alta desde que foi indicada ao Oscar por sua excelente performance em
Cabo do Medo), era amiga de Tarantino desde a produção de Assassinos por
Natureza, que o próprio Tarantino renega, apesar de ser um GRANDE filme de
Oliver Stone.
Enquanto isso, o próprio Tarantino iria interpretar Richie, um
dos irmãos bandidos protagonistas do filme.
Já a escalação do
protagonista Seth foi mais complicada.
Vários atores que já haviam trabalhado
com Tarantino antes foram considerados: Tim Roth, Steve Buscemi, Michael Madsen
e até Cristopher Walken.
O roteirista ofereceu o papel a John Travolta quando
ele ainda estava escrevendo o roteiro, porém o ator preferiu trabalhar em Pulp
Fiction.
Como Tarantino já havia dirigido um episódio do famoso seriado dos
anos 90 ER: Plantão Médico, o cineasta ofereceu o papel a George Clooney como
uma possível piada irônica; enquanto no seriado o ator interpretava um médico
que salvava pessoas em situação de emergência, no filme ele interpretaria um
personagem que enviaria pessoas para a emergência (!!).
Lembrando que Clooney
não era, até então, o GRANDE astro que é hoje, e inclusive já havia trabalhado
em filmes trash como A Volta dos Tomates Assassinos e De Volta à Escola de
Horrores.
Um Drink no Inferno foi sua primeira grande oportunidade nos cinemas.
A melhor sacada de Um
Drink no Inferno é o modo como Tarantino conduz seu roteiro.
Possivelmente
influenciado pelas sessões duplas dos antigos Grindhouses, o roteirista cria
dois filmes em um: a primeira metade é um filme fatalista de ação sobre a fuga
de dois irmãos criminosos; a segunda metade é um filme de vampiros brutal com
tudo que os fãs de filmes B têm direito.
E como EXCELENTE roteirista que é,
Tarantino usa a primeira metade do filme para apresentar e desenvolver seus
personagens com muito talento e dignidade, o que se torna essencial para que
torçamos por eles quando o horror chegar e o filme ganhe uma nova dimensão de
diversão.
A cena inicial do filme,
aliás, pode figurar entre as introduções de filmes mais impactantes do cinema,
ao lado de sequências iniciais de filmes como Pânico, Halloween – A Noite do
Terror e Instinto Selvagem.
Com diálogos intensos que ajudam a ditar a urgência
da situação (a discussão sobre os possíveis sinais dados a um policial nos
fazem ranger os dentes de tanto nervoso), Tarantino trabalha, com sutileza, a
personalidade de cada um dos bandidos.
Enquanto Richie (Tarantino) apresenta
uma clara delinquência e impulsividade (é claro que o personagem fala mentiras
para suprir um certo desejo de confusão e carnificina), Seth (Clooney) se
apresenta como uma postura muito mais segura, autoritária e “profissional”,
apesar de não medir esforços para proteger seu irmão. Tarantino é certeiro em
causar uma estranheza no espectador ao colocar Richie se referindo apenas a
Clooney, e não aos outros personagens; além de não poupar os espectadores dos
atos cruéis dos personagens, contrapondo o carisma dos atores.
Em conjunto com o ótimo
texto, o diretor Robert Rodriguez trabalha sua câmera e montagem de forma tão
dinâmica quanto já estava acostumado em El Mariachi e A Balada do Pistoleiro. Além de criar closes no rosto dos atores para criar gradativamente com cortes
secos para criar um estilo cool com os diálogos de Tarantino (“Everbody be
cool! You. Be cool!”), o diretor também sabe trabalhar a montagem dinâmica para
imprimir mais tensão à situação através das ações simultâneas (como a discussão
de Seth e Richie paralela à abertura de um cofre).
Já a cena sem cortes em que
há uma explosão ao fundo e os protagonistas discutindo à frente como se nada
estivesse acontecendo é hábil ao demonstrar a atmosfera divertida de ação do
filme, além da personalidade ousada dos irmãos Gecko.
Após a sequência inicial
sensacional, o filme segue apresentando os planos dos Gecko em paralelo à
apresentação da família Fuller, o pai Jacob (Keitel) e os filhos Kate (Lewis) e
Scott (o novato Scott Liu).
Sabendo acompanhar a inteligência na criação dos personagens
de Tarantino, Rodriguez maneja as imagens para ambientar os espectadores.
Reparem como ele varia entre zooms in e out, nos rostos de Kate e Jacob,
durante um diálogo emocionalmente doloroso durante um café da manhã; variando
entre falas de maior intimidade e outras de distanciamento entre os parentes.
Notável também são as câmeras subjetivas desconfortáveis que Rodriguez usa
entre Richie e sua refém; culminando na montagem em flashes de uma “cena do
crime” enquanto Rodriguez faz um longo plano no rosto atônito de Seth,
substituindo suas palavras e interpretando, em imagens, o choque do
protagonista.
Se Seth e Richie se
mostram personagens MUITO interessantes, seus intérpretes fazem justiça ao
texto.
George Clooney tem um carisma natural caro aos astros da “Era de Ouro”
de Hollywood, como Cary Grant.
Encarando todos os outros personagens com um ar
sisudo e seguro, migrando de atos cruéis a outros de empatia (como na conversa
íntima com Jacob), Clooney traz para Seth uma dignidade insuspeita, conseguindo
tornar aquela figura assassina estranhamente carismática.
Já Quentin Tarantino
oscila um pouco mais, afinal um personagem psicopata como Richie é bem mais
difícil de simpatizar.
O cineasta é genuíno ao demonstrar o carisma de Richie
por aquela família, apesar de parecer um pouco caricato nos momentos de
confronto (como ao discutir com seu irmão na primeira cena).
Harvey Keitel, sempre
excelente, transforma Jacob em uma figura trágica através das feições sutis de
cansaço em seu rosto.
Além de transparecer muita simplicidade, Keitel tem uma
postura exausta que transparece uma grande carga emocional, digna de seu
passado.
Notem a forma fatalista como ele conversa com os irmãos Gecko após se
encontrarem pela primeira vez, desafiando-os com os olhos justamente por não se
importar com seu próprio destino.
Já Juliette Lewis demonstra química com todo
o resto elenco, chamando a atenção por singelos momentos de comédia, como ao
tomar uns “tragos” no Titty Twister.
Como destaque negativo
está interpretação apática de Scott Liu.
Como destaque positivo está o veterano
Michael Parks (Twin Peaks) como o Texas Ranger Earl McGraw.
O personagem ficou
tão interessante na pele de Parks, com uma postura de experiência sábia e
cínica, que retornou para vários outros filmes dos cineastas, incluindo À Prova
de Morte, Planeta Terror e os dois Kill Bill.
A fotografia de Guilhermo
Navarro (parceiro de Rodriguez) consegue trazer um tom de crueza realista fiel
à estética exploitation; em adição a cores fortes de amarelo e bege que
acentuam o ambiente desértico em que os personagens se encontram.
E se depois de Tarantino e
Rodriguez nos ambientarem no clima de filmes de ação de gangsteres violentos,
na vibe exploitation 70’s, é quando os personagens chegam no boteco Titty
Twister que as coisas mudam de figura; e que um novo filme começa a ser
projetado naquele “cinema Grindhouse”.
Nos ambientando naquele
novo universo, o diretor Rodriguez utiliza de uma trilha-sonora EXCELENTE que
abusa de blues rock e southern rock’n’roll, principalmente de bandas como ZZ
Top e Tito & Tarantula.
Esta última, aliás, faz presença tocando suas
músicas cheias de energia naquele “inferninho”.
Até a fotografia de Guilhermo
Navarro se modifica, abusando de cores mais fortes e quentes (vermelho e amarelo),
tornando aquele local um verdadeiro inferno.
Da mesma forma, o roteiro
de Tarantino nos apresenta a personagens cada vez mais divertidos em seu
absurdo para mudar o tom do filme.
A começar pela caricatura Chet Pussy (Cheech
Marin, da dupla Cheech e Chong), o mestre de cerimônias tão asqueroso quanto
engraçado do Titty Twister, ficando famoso por seu extenso, nojento e
entusiasta, discurso sobre as variedades de “pussies” do local.
Marin ainda
interpreta outros dois personagens no filme, um dos guardas mexicanos na
fronteira, e o gangster Carlos.
Enquanto isso, Tom Savini (a LENDA viva do
cinema de terror) também fez história por seu Sex Machine, um motociclista com
caracterização sadomasoquista que possui uma arma sugestivamente sobre a região
pélvica (hilária em sua invencionice); inclusive, a arma já havia sido vista no
filme A Balada do Pistoleiro.
É importante citar que Sex Machine é referência
direta a um personagem similar que Tom Savini já havia interpretado no clássico
Despertar dos Mortos, de George A. Romero.
Esse seguimento do Titty Twister
também conta com a participação de Fred Willianson, um ator icônico do
blaxploitation como O Chefão de Nova York e Os Guerreiros do Bronx; além do
mexicano Danny Trejo (figura carimbada do cinema de Rodriguez) no papel de
Razor Charlie, o barman que marcou presença em todos os filmes de Um Drink no
Inferno.
Focado em trazer a fluidez
dos filmes de John Carpenter (reparem no “Precint 13” da camiseta de Scott,
referenciando Assalto a 13ª DP) e a energia insana de Sam Raimi, Rodriguez
aplica um entusiasmo ainda mais intenso na segunda metade do filme.
Para nos
apresentar a insanidade daquele local de bebedeira e sexo, Rodriguez já cria um
plano sequência que mostra todo aquele ambiente fumegante, ao mesmo tempo que
monta o filme de acordo com o ritmo da música tocada pela banda do local.
O
design de produção de Cecilia Montiel (A Máscara do Zorro) aproveita ao máximo
as possibilidades do ambiente do Titty Twister, criando uma arquitetura ampla,
como se fosse um templo dos infernos; com arquitetura malcuidada, iluminação
sombria, objetos decrépitos, com um pé direito enorme, cheio de reentrâncias
sinistras (gosto especialmente dos balcões superiores das dançarinas), pinturas
de parede com formas sinistras e descascadas, ambiente imundo e estátuas
infernais.
Rodriguez também é
responsável por criar uma das cenas mais sensuais do cinema, apresentando a
dança hipnotizante da Santanico Pandemonium (Salma Hayek) ao som de “After
Dark”.
Na verdade, Hayek tinha fobia de serpentes, e a intérprete da personagem
seria Madonna, sob o nome de Blonde Death.
Porém, Hayek ficou com o papel após
superar seu medo de serpentes com um terapeuta; e o nome Santanico Pandemonium
foi escolhido como homenagem a um filme de terror B mexicano, Santanico
Pandemonium: La Sexorcista (1975).
Sem contar que Tarantino realiza seu fetiche
por pés de uma forma grandiosa.
E quando o terror
finalmente começa, Rodriguez não dá tempo para o espectador respirar.
Da mesma
forma que Sam Raimi turbina seus Evil Dead com um vigor insano, Rodriguez cria
um banho de sangue que não envergonha seu mestre.
Com vampiros realmente
bizarros e sanguinários, Rodriguez intensifica a violência com cortes
dinâmicos, trilha sonora que traz tons de cânticos satânicos como em A Profecia
e os movimentos animalescos e selvagens de seus vilões.
E tudo isso ao som
pesado de uma banda vampiros tocando instrumentos feitos de partes do corpo
humano!!!!
O diretor consegue nos
fazer arrepiar de medo daqueles vampiros, como na cena silenciosa que acompanha
um vampiro desmembrado se rastejando até uma vítima; ou até o plano externo do
Titty Twister à frente de uma gigante lua e totalmente tomado por morcegos.
Ao
mesmo tempo, o diretor nos diverte com os embates absurdos.
Dentre elas, destaca-se
o uso do chicote de Sex Machine (que referencia o videogame Castlevania); a
morte de um vampiro sobre uma mesa de sinuca (reparem onde os olhos daquela
caveira irão parar) e até na transformação BIZARRA de um vampiro em um monstro.
Deve-se destacar o trabalho de maquiagem e efeitos especiais intencionalmente
toscos e exagerados (reparem nos derretimentos dos vampiros), que exibem uma
criatividade digna da falta de recursos de produções B.
As figuras vampirescas
adotam um tom realmente grotesco, com olhos esbranquiçados, carrancas enrugadas
e demoníacas (como os demônios de Uma Noite Alucinante 2), além de bocarras
absurdas que remetem aos vampiros de A Hora do Espanto.
Tão sanguinolento e
despudorado quanto o terceiro ato de Fome Animal, o roteiro de Tarantino ainda
cria soluções inventivas e bem-humoradas acerca do método de morte dos
vampiros, como ao criar “granadas” de camisinhas com água benta, uma britadeira
com uma estaca em sua ponta e “arminha” de água que esguicha água-benta.
Rodriguez ainda reserva uma montagem no melhor estilo Comando para Matar para
mostrar os personagens se armando para uma luta.
Também interessante é o
momento metalinguístico em que os personagens discutem formas de se matar um
vampiro aprendidas no cinema, citando o GRANDE Peter Cushing, o Van Helsing do
Drácula de Cristopher Lee, da Hammer.
Ironicamente, no mesmo ano
foi lançado um Bordel de Sangue, baseado no universo do seriado de terror
Contos da Cripta que tratava do mesmo tema: uma “zona” cheia de prostitutas vampiras.
Apesar de ser divertido, e trazer atores de filmes de vampiros clássicos, como
Corey Feldman (Os Garotos Perdidos) e Chris Sarandon (A Hora do Espanto),
Bordel de Sangue não chegou ao patamar de Um Drink no Inferno.
O filme concorreu a nove
prêmios ao redor do mundo, inclusive venceu dois deles no Saturn Awards, de
Melhor Filme de Terror e Melhor Ator para George Clooney.
Já Quentin Tarantino,
infelizmente, venceu um Framboesa de Ouro de Pior Ator Coadjuvante.
Sucesso de
bilheteria, o filme arrecadou US$ 58 milhões, somente nos cinemas, para um
orçamento de US$19 milhões. Isso sem contar o mercado home vídeo.
Sem deixar de contar com a
marcas registradas dos roteiros de Tarantino (como a marca de cigarros Red
Apple e a lanchonete Big Kahuna Burger), Um Drink no Inferno fez tanto sucesso
que possibilitou duas sequências lançadas diretamente em vídeo: Um Drink no
Inferno 2: Texas Sangrento e Um Drink no Inferno 3: A Filha do Carrasco, ambos
com produção executiva de Tarantino e Rodriguez.
Sem contar a atual série de TV
produzida para a Netflix.
Um Drink no Inferno 2:
Texas Sangrento foi lançado em 1999.
Dirigido por Scott Spiegel (roteirista
parceiro de Sam Raimi em Evil Dead 2) o filme não se passa no Titty Twister e
investe em uma trama criminal bem característica do universo de Quentin
Tarantino (não faltando nem surf music).
Apesar de sobreviver pela memória
afetiva, o filme é bem ruim e com péssimos diálogos e personagens, com um clima
parecido ao das fitas de ação ruins de Van Damme.
Nem em relação ao terror o
filme funciona, já que a caracterização dos vampiros, e seus momentos, são
todos realizados sem o vigor necessário.
No entanto, o filme se beneficia de
uma participação rápida de Bruce Campbell (nosso eterno Ash) e do protagonismo
de Patrick Stewart, o T-100 de O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final,
além da aura trash divertida.
Um Drink no Inferno 3: A
Filha do Carrasco foi lançado em 2000.
Bem melhor que o filme anterior, o longa
segue mais o estilo de ação “faroéstico” de Robert Rodriguez e se apresenta com
uma fotografia mais bem realizada e momentos de terror e gore que remetem ao
primeiro filme.
Sendo uma prequel, o filme traz alguns personagens do filme de
1996 de forma interessante e passa bastante tempo dentro do Tetilla del Diablo,
o antigo Titty Twister.
Além disso, o filme ainda conta com atuação da GRANDE
Sônia Braga (sim, ela mesma), que não negou nem a maquiagem bizarra de
vampirona; além do excelente Michael Parks em um papel histórico de Ambrose
Bierce (escritor de terror que se juntou ao grupo rebelde de Pancho Villa na
Revolução Mexicana).
Filme B bem divertido.
Um Drink no Inferno é uma
experiência cinematográfica divertidíssima.
Um filme de gangsteres e vampiros
que entrou para a história e dispõe de duas mentes criativas MUITO talentosas.
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