'Hoje o mundo todo está
deprimido, mas Brasil pode oferecer modelo alternativo', diz Domenico de Masi.
Néli
Pereira
Da
BBC Brasil em São Paulo
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Para
Domenico de Masi, os brasileiros, mesmo deprimidos, ainda são 'o povo menos
infeliz do mundo'.
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O sociólogo italiano
Domenico de Masi afirma que o estilo de vida atual - classificado por ele como
estressante, competitivo e consumista - está deixando o mundo cada vez mais
deprimido e que o Brasil pode ter um modelo alternativo, capaz de oferecer uma
opção mais solidária e de reflexão.
Em entrevista à BBC
Brasil, o autor de O Ócio Criativo é otimista em outros aspectos da vida
brasileira: acredita que a trajetória de miscigenação pode representar um
exemplo à intolerância e confia na cultura pacífica da nossa sociedade.
"O Brasil, apesar de
deprimido, continua o povo menos infeliz do mundo", disse
"Em geral o Brasil
conserva uma visão equilibrada do tempo, onde trabalho e lazer têm igual
importância. Este é um sinal positivo de sabedoria".
Embora reforce os aspectos
positivos, De Masi critica o que classifica como uma "infantilidade"
do povo brasileiro quando muda de opinião a respeito de algumas personalidades
políticas como o ex-presidente Lula e o atual presidente, Michel Temer.
Ele ainda compara a Operação
Lava Jato à semelhante Mãos Limpas, que ocorreu na Itália na década de 1990, e
diz que "a tempestade judiciária" pode ter um importante efeito
pedagógico no país.
Leia abaixo trechos da
entrevista.
BBC Brasil - Uma pesquisa
recente da Organização Mundial da Saúde mostra que o Brasil é o país mais
deprimido e ansioso da América Latina.
Apesar disso, há um estereótipo do povo
alegre.
O que poderia explicar tanta depressão?
Domenico de Masi - Quando
eu vinha ao Brasil 30 anos atrás, saía de uma Itália eufórica e chegava a um
Brasil deprimido.
Quando eu vinha ao Brasil 15 anos atrás, saía de uma Itália
deprimida e chegava a um Brasil eufórico.
Hoje saio de uma Itália deprimida e
chego a um Brasil deprimido.
Hoje em dia o mundo todo
está deprimido, como tento demonstrar no livro O Futuro Chegou, onde procuro
encontrar as razões para isso.
Quanto mais o mundo adota um modelo americano,
feito de competitividade, de estresse e de consumismo, mais se deprime.
Neste
livro, descrevo quinze modelos de vida antigos, da Grécia à Idade Média, e
modernos como sociedade industrial e pós-industrial.
Comparando estes quinze
modelos é possível entender que o Brasil, apesar de deprimido, continua o povo
menos infeliz do mundo.
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De
Masi acredita que mundo está mais deprimido por causa do estilo de vida
competitivo e estressante.
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BBC Brasil - No mesmo
livro o senhor fala, que o Brasil "pode se dissolver na confusão ou gerar
o modelo inédito de que o mundo precisa".
O que está acontecendo - estamos
dissolvendo ou gerando esse modelo?
De Masi - Não sei dizer.
Depende dos intelectuais brasileiros.
Ao longo da história, os modos de vida
para uma nova sociedade não foram elaborados por políticos, ou por sindicatos,
nem mesmo por empreendedores, ou executivos.
Eles foram elaborados por
intelectuais, artistas e humanistas.
O livro Trópicos Utópicos, do economista
Eduardo Giannetti, representa uma excelente contribuição neste sentido.
BBC Brasil - Mas que
modelo seria esse que o Brasil poderia gerar?
De Masi - Um modelo menos
focado na concorrência e na velocidade e mais na solidariedade e na reflexão.
Um modelo menos voltado à satisfação das necessidades alienadas - riqueza e
poder - e mais voltado à satisfação das necessidades radicais como
introspecção, amizade, amor, jogo, beleza e comunhão.
BBC Brasil - Nesse
aspecto, somos um país conhecido pela diversidade cultural e sincretismo
religioso, mas com registros de vários casos recentes e violentos de
intolerância.
Há uma mudança ou sempre houve esses outros aspectos?
De Masi - No mundo todo
existem espaços de intolerância, de fechamento e de agressividade.
Mas me
parece que, nestes aspectos, o Brasil seja melhor dos outros países.
Por
exemplo: a Europa sempre se dilacerou em guerras entre as várias nações que a
compõem, assim como os Balcãs e os países asiáticos, os Estados Unidos - que
estão em guerra permanente e mundial desde que existem - o mesmo com a Rússia.
O Brasil, entretanto, em 500 anos, conduziu apenas uma guerra, contra o
Paraguai, e nenhuma guerra contra os outros 10 países vizinhos.
Trata-se de uma
diferença profunda em favor do Brasil e de sua cultura pacífica.
BBC Brasil - Mas o Brasil
vive uma onda recente de polarização política.
Que impacto essa divisão pode
ter no médio e longo prazo?
De Masi - Visto da Europa,
o caso do Brasil parece um tanto paradoxal.
Ao longo dos oito anos de governo
Lula, o carisma do presidente e a passagem de milhões de brasileiros do
sub-proletariado ao proletariado, e do proletariado à classe média, deram ao
Brasil uma grande admiração internacional.
Ao longo do primeiro
mandato do governo Dilma, a imagem do Brasil aos olhos do resto mundo continuou
muito positiva.
Em seguida, logo no começo do segundo mandato, surgiram
péssimas noticias sobre o Lula, muitos integrantes dos governos do PT foram
acusados de corrupção, Dilma sofreu o impeachment.
Lula, que antes era
aplaudido por multidões enormes, chegou a ser vaiado ao entrar em restaurantes.
Recentemente, chegaram do Brasil mais duas noticias contraditórias: membros do
novo governo Temer também estão sendo acusados de corrupção e nas pesquisas
pré-eleitorais Lula parece ser mais uma vez o favorito.
A impressão que esta
situação gera é de que o povo brasileiro esteja se comportando de maneira
infantil, mudando rapidamente de opinião, principalmente influenciado pela
mídia de massa.
A mídia, por sua parte, amplifica e manipula a luta entre os
partidos políticos conduzida por meio de ações judiciais, assim como aconteceu
na Itália em 1992 com a Operação Mãos Limpas.
Eu espero que a Operação
Lava Jato tenha no Brasil efeitos melhores daqueles que a Operação Mãos Limpas
teve na Itália.
Espero, portanto, que o Brasil saia desta fase dramática com
governantes e empreendedores menos corruptos.
Mas, por enquanto, o maior efeito
gerado foi uma maior precariedade do proletariado e da classe média.
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O
sociólogo critica a forma como brasileiros mudam a opinião sobre personalidades
como o ex-presidente Lula.
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BBC Brasil - A Operação
Lava Jato está completando três anos neste mês.
Como ela se compara à Mãos
Limpas e como o senhor avalia o impacto dela até agora e daqui pra frente?
De Masi - Passaram-se 25
anos desde a Operação Mãos Limpas (1992).
Depois daquela operação, tivemos 20
anos de governo Berlusconi - o pior depois do fascismo.
Silvio Berlusconi
transformou a corrupção em sistema, foi condenado, foi expulso do Senado da
República, mas é ainda hoje o líder da direita italiana.
Seu grande aliado foi
o presidente americano George W. Bush.
Eu espero que no Brasil, depois desta
tempestade judiciária, não surja um líder de direita, aliado com o novo
presidente americano Donald Trump.
Hoje a grande luta
política no mundo tem apenas dois grandes protagonistas: o neoliberalismo - que
aumenta as distâncias entre ricos e pobres e reduz a classe média, e a
democracia social - que diminui a distância entre ricos e pobres e aumenta a
classe média.
Espero que o Brasil saiba fazer uma escolha democrática.
Caso
contrário, verá aumentar a pobreza, a violência e a corrupção, submetendo-se a
um fascista como Trump.
BBC Brasil - A Lava jato
pode mudar a percepção de corrupção do brasileiro?
De Masi - Ver alguns
milionários e superpoderosos na prisão, reconhecidamente culpados por corrupção
escandalosa, representa certamente um evento pedagógico de grande impacto.
Esta
lição demonstra que, em uma democracia pós-industrial como o Brasil, ao lado
dos desonestos existem também homens corajosos e recursos técnicos capazes de
vencer a criminalidade.
Demonstra que os poderosos não são invulneráveis e que
a honestidade paga mais do que a corrupção.
Mas os homens corajosos
que conduzem esta guerra contra a corrupção devem ser ajudados pelo consenso
explícito e caloroso de toda a parte sã da população.
Nesta comunhão de pessoas
honestas, um papel determinante cabe à mídia que, com seu poder de comunicação
e manipulação, pode apoiar a parte sã do país e ajudá-la a se libertar da
opressão dos corruptos.
BBC Brasil - Aqui no
Brasil prevalece uma percepção de que 'o outro' é corrupto.
Em geral, não se
assume responsabilidade pelas pequenas corrupções do dia a dia.
Esse é um traço
nosso que pode ser alterado?
De Masi - Isso corresponde
a um mecanismo natural de defesa, onde cada um de nós se acha mais honesto que
os outros.
É um fenômeno universal, muito perigoso, porque o que envenena a
vida de um povo não é apenas a corrupção dos superpoderosos, mas também a
pequena corrupção difusa na sociedade toda.
O crescimento de um povo
depende de sua honestidade difusa em todos os níveis graças à educação recebida
nas escolas e ao exemplo das elites intelectuais.
BBC Brasil - Pensando em
"O Ócio Criativo", o senhor já escreveu que o brasileiro aprendeu
muito com o índio sobre o ócio, mas há atualmente na nossa sociedade uma
espécie de glorificação do "estar ocupado".
Por que isso acontece?
De Masi - O Brasil tem uma
grande riqueza de culturas diferentes.
Algumas áreas, como o Estado de São
Paulo ou a Barra da Tijuca, no Rio, são mais americanizadas e o tempo é vivido
segundo os modos industriais: com grande estresse e horas extras no trabalho.
Outras áreas, como a Bahia
e Recife, estão, ainda hoje, vinculadas a modelos de vida que refletem uma
grande influência indígena e africana.
Mas em geral o Brasil conserva uma visão
equilibrada do tempo, onde trabalho e lazer tem igual importância.
Este é um
sinal positivo de sabedoria.
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De
Masi diz que Lava Jato, liderada pelo juiz Sérgio Moro, pode ter efeito
pedagógico importante no combate à corrupção.
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BBC Brasil - Há muita
gente "ociosa" no Brasil por causa do desemprego.
Como melhor
utilizar esse tempo "livre" quando se está deslocado do mercado de
trabalho?
De Masi - A porcentagem de
desempregados no Brasil é igual á porcentagem europeia e é menor do que a
italiana.
Na Itália 40% dos jovens se encontram desempregados.
Na Espanha, o
desemprego é o dobro do que no Brasil.
Daqui a alguns dias, será publicado no
Brasil, pela editora Objetiva, meu novo livro Alfabeto da sociedade
desorientada.
Nele eu defendo a tese de que na atual sociedade pós-industrial o
desemprego não é reflexo unicamente da crise financeira e econômica, mas
sobretudo da globalização e do progresso tecnológico.
Em qualquer lugar estas
duas causas irão aumentar no futuro próximo, com a chegada da inteligência
artificial, das nanotecnologias e das impressoras 3D.
No momento em que a crise
financeira e econômica terminarem, os empreendedores terão mais dinheiro para
investir, mas, em vez de empregar novos trabalhadores, comprarão novos robôs.
BBC Brasil - O brasileiro
é conhecido por trabalhar muito, mas tem pouca produtividade.
A que se pode atribuir
isso?
De Masi - A pouca
produtividade se dá ou por atraso tecnológico, ou por incapacidade de
organização.
BBC Brasil - Num momento
em que se fala tanto de fechamento de fronteiras, o Brasil tem uma trajetória
de mistura, de miscigenação.
De que forma essa trajetória pode ser um ativo
importante nesse momento?
De Masi - A maior riqueza
do Brasil é a convivência relativamente pacífica entre dezenas de diferentes
etnias, que chegaram ao longo dos séculos e que se formaram a partir do século
16.
Diferentemente dos EUA, onde existe ainda um forte apartheid entre as
raças, no Brasil as raças se juntaram em uma mistura plena de criatividade e
comunhão.
Neste aspecto, o Brasil é uma vanguarda no mundo, porque todos os
povos do planeta, graças à emigração, à mídia e à internet, irão se misturar
tendo o Brasil como exemplo.
BBC Brasil - No revés da
globalização, há um conservadorismo, além da discussão sobre o fechamento de
fronteiras.
Que avaliação o senhor faz da globalização atualmente?
De Masi - Fechar as fronteiras
é uma tentativa delirante, e destinada a falir, de bloquear homens e átomos.
O
que hoje não conhece fronteiras é a passagem dos bits.
A globalização
informática é irreversível e arrasta consigo a globalização das ideias, da
economia, da vida.
post: Marcelo Ferla
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