O drama das meninas
venezuelanas obrigadas a se prostituir para comer.
Gustavo
Ocando Alex
Enviado
especial da BBC Mundo a Zulia, Venezuela
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A
polícia local afirma que menores se prostituem na região central de Maracaibo.
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Mariela (nome fictício)
tem 14 anos e é integrante da tribo indígena wayuu.
São 11h quando ela grita em
frente a cerca de 20 caminhões estacionados nos arredores do Mercado Los
Plataneros, em Maracaibo, no oeste da Venezuela:
"Oferta, oferta! Leve-as
por cem bolívares!".
Usa batom vermelho, short
jeans justo e uma camisa do falsa do time espanhol de futebol Real Madri.
Mariela recebe 4 mil
bolívares por dia para vender frutas nas plataformas onde os veículos ficam
parados.
Ganha menos de um dólar por dia em um país onde há, por um lado, um
controle severo do câmbio, e por outro, várias cotações para a moeda americana,
uma totalmente diferente da outra.
Na frente da mãe, a menina
afirma que também estuda.
Mas os seguranças, comerciantes e camelôs presumem
que ela e pelo menos outras vinte adolescentes eventualmente exercem outro tipo
de função na região central da cidade: a prostituição.
Por semana, a polícia do
Estado de Zulia prende uma média de dez mulheres acusadas da prática na região
do Mercado de Maracaibo.
Daniel Noguera, comandante
da Polícia Bolivariana ali, afirma que quatro integrantes desse grupo costumam
ser menores de idade.
E que sempre há uma indígena.
Essas operações geralmente
acabam com alguns conselhos e a liberação de todas elas.
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Segundo
antropólogos, legisladores e defensores dos direitos das crianças, a crise
econômica da Venezuela piorou a situação da prostituição infantil.
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Mercado 24 horas
O Mercado de Maracaibo
opera ao ar livre, 24 horas por dia.
Impossível não notar a sujeira e a lama em
meio ao calor de 36°C dos últimos dias de outubro.
Existe uma cerca, mas apenas
em um dos lados.
Os caminhões entram e saem
em meio ao mau cheiro.
Em meio a eles, crianças indígenas perambulam vestindo
trapos e pedindo esmolas.
Kelvin Rincón, vendedor de
bananas, explica o que acontece.
"Essas meninas estão
aqui a toda hora.
É um desastre.
Elas vendem café ou bananas, mas começam a te
tocar, falar besteiras.
Eles se relacionam com elas dentro dos caminhões."
Ilse Cruz, uma vendedora
de café, diz que os programas acontecem dentro dos veículos, em pequenos
apartamentos próximos do mercado ou em barracões.
Oswaldo Márquez,
presidente da Associação de Comerciantes do Mercado de Maracaibo, conta que o
local também é marcado pelo roubo e consumo de bebidas alcoólicas e drogas, o
que envolve pelo menos cem meninos e meninas, a maioria integrante de tribos
indígenas.
Diferenças culturais
Cerca de 35% dos jovens
venezuelanos tem a primeira relação sexual entre os 12 e 18 anos, de acordo com
estudos.
Mas na cultura wayuu não
existe um período de transição entre a infância e a idade adulta e, por isso,
não se pode falar de sexualidade precoce, explica o antropólogo Mauro Carrero.
Existe uma tradição entre
os wayuu, chamada de "a clausura", na qual as mulheres adultas explicam
para as jovens na puberdade quais são seus deveres como mulher e futura esposa.
"Para elas, a
virgindade não é uma preocupação moral, como na concepção judaico-cristã.
E nos
dias de hoje ainda existe uma pressão adicional, que é a crise econômica",
explica ele, professor da Universidade do Estado de Zulia.
Os frequentadores do
Mercado de Maracaibo contam que os corpos das meninas, sejam elas wayuu ou de
outras tribos, são moeda de troca para a obtenção de uma quantia que varia
entre 1 mil e 2 mil bolívares (algo que varia entre 25 a 50 centavos de dólar
americano segundo a taxa do mercado "negro"), algumas bananas ou
qualquer outro tipo de comida.
O que é uma consequência
da fome e do abandono das populações indígenas da Venezuela, afirma o deputado
Virgilio Ferrer, integrante da Comissão de Povos Indígenas da Assembleia
Nacional.
A Constituição do país
dedica um capítulo inteiro para garantir os direitos das populações indígenas.
Entre seus artigos 119 e 126, está a garantia do respeito a sua organização
social, econômica e política.
Leis que não são
cumpridas, diz o parlamentar.
"Há um abandono total
do ponto de vista social. Há fome, desemprego e pouca educação. Até os pais
dessas meninas fazem vista grossa", explicou.
Miséria
Em Zulia, que faz fronteira
com a Colômbia, a desnutrição infantil chega 20%, de acordo com informações da
Secretaria de Saúde.
O Censo de 2011 mostrou
que existem 415 mil indígenas na Venezuela, concentrados em sua maioria nos
povoados de Mara, Guajira e Almirante Padilla, onde o índice de desnutrição
supera os 30% - todos ficam no Estado.
Jhonny, um homem pequeno
de 54 anos que trabalha nas empilhadeiras do mercado, concorda que os problemas
sociais que podem ser observados na região central de Maracaibo têm uma causa:
a fome.
"Isso é horrível.
Às
vezes vejo as crianças comendo bananas podres que os caminhoneiros jogam
fora."
Pesquisas da Universidade
do Estado de Zulia, como a da socióloga e professora Natalia Sánchez, revelam
que a pobreza atinge cerca de 80% dos 3,7 milhões de habitantes da região.
"Há dez anos esse
indicador estava em 55%.
E hoje mais de 35% dessa pobreza geral é
extrema."
Órgãos de Estado, como a
Fundação Niño Zuliano e o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente,
realizam operações no mercado.
Mas as casas de abrigo onde o governo hospeda os
menores com as piores situações não conseguem dar conta da demanda.
Jonathan Perozo, advogado
do Conselho Municipal do Direito da Criança, admite que os casos como os do
mercado testam a capacidade das instituições venezuelanas.
"Somos limitados no
que diz respeito a ferramentas de trabalho. O orçamento é baixo, faltam
verbas."
Duas cervejas
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As
menores se prostituem e recebem entre 1 mil e 2 mil bolívares por programa, o
equivalente a centavos de dólar.
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No mercado, dois homens de
mais de 40 anos falam abertamente sobre a situação em frente a um local que
vende suco de laranja a 300 bolívares o copo - menos de um centavo de dólar.
Eles comentam sobre uma
jovem que passa usando uma minissaia.
"Convidei esta
menininha e ela aceitou.
Tem 15 aninhos.
Levei para o Gran Bazar - um centro
comercial aqui perto -, ofereci duas cervejas e disse 'venha'."
Os dois riem do crime.
Mariela, a jovem wayuu com
a camiseta do Real Madrid, garante que não se prostitui.
A risada de outra
adolescente interrompe sua fala.
A adolescente brinca com
um jovem em cima de um dos caminhões.
Enquanto isso, outra menina coloca metade
do corpo na cabine do mesmo veículo, deixando a porta entreaberta enquanto
negocia um encontro com o motorista.
Mariela se aproxima e fala
mais alto, mas não oferece seu produto, como estava fazendo antes.
Desta vez,
ela avisa as amigas sobre a presença da imprensa.
"Oi! Cuidado, vocês
não sabem quem está vendo vocês!"
A adolescente ri e brinca
com as outras meninas antes de reforçar sua fala.
"Há algumas que fazem
isso sim... Mas eu não sou dessas."
Esta reportagem faz parte
da série especial 100 Mulheres, da BBC.
O que é o 100 mulheres?
O BBC 100 Mulheres (100
Women) indica 100 mulheres influentes e inspiradoras por todo o mundo
anualmente.
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sobre suas vidas, abrindo mais espaço para histórias com mulheres como
personagens centrais.
Além disso, publicamos uma
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diferentes partes do mundo.
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post: Marcelo Ferla
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