Preconceito, agressividade
e desconfiança: como é ser ateu no Brasil.
André
Bernardo
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Richard
Dawkins é um dos ateus mais conhecidos do mundo, autor de 'Deus, Um Delírio'.
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Passava das 22h30 do
último dia 2 de outubro quando o então candidato a vereador por São Paulo Edmar
Luz (PPS-SP) publicou em seu perfil no Facebook uma nota de agradecimento aos
709 eleitores que votaram nele.
Minutos depois, começaram a surgir as primeiras
mensagens em sua timeline: algumas de apoio, outras de zombaria.
Dos mais de 480 mil
candidatos a vereador, Edmar era o único declaradamente ateu do Brasil.
"Enquanto uns
demonstram curiosidade em saber como um ateu lida com as questões cruciais da
vida, como morte e doença, outros, mais exaltados, reagem com desprezo e
agressividade", relata o candidato.
Durante a campanha, Edmar
perdeu a conta das vezes em que foi insultado nas ruas.
A cena era sempre a mesma:
ele distribuía o "santinho" com a propaganda política, o eleitor dava
uma rápida lida no papel e, dali a pouco, vociferava algum palavrão, indignado.
"Demônio" e
"Satanás" eram os mais recorrentes.
Não bastasse, ele sofreu
ataques nas redes sociais e, o mais curioso, recebeu críticas até de quem também
se diz ateu.
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Neurocientista
Suzana Herculano-Houzel, da Universidade de Vanderbilt, nos EUA, também demorou
a declarar-se ateia.
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Mas Edmar diz não se
intimidar: afirma que continuará a defender, nas próximas eleições, um Estado
laico de fato e o fim do preconceito contra ateus.
Uma pesquisa de 2007
encomendada ao CNT/Sensus revelou que apenas 13% dos eleitores brasileiros
votariam em um candidato ateu para presidente da República.
Para efeito de
comparação: 84% votariam em um negro, 57% em uma mulher e 32% em um
homossexual.
Até hoje, há quem diga que
Fernando Henrique Cardoso só não ganhou de Jânio Quadros na disputa pela
prefeitura de São Paulo, em 1985, porque titubeou diante de uma pergunta do
jornalista Boris Casoy, no último debate na TV, sobre sua crença em Deus.
"É difícil ser ateu
no Brasil porque negar a existência de Deus contraria o modo de viver da
maioria da população", analisa Geraldo José de Paiva, coordenador do
Laboratório de Psicologia Social da Religião, do Instituto de Psicologia da
USP.
"Mexer com Deus é como mexer com a mãe", compara.
"Religião não define
caráter"
No Brasil, a rejeição aos
ateus não se limita aos que pleiteiam cargos políticos.
Levantamento da
Fundação Perseu Abramo, de 2008, mostra que 42% dos brasileiros admitem sentir
aversão aos descrentes.
Desses, 17% declararam sentir ódio ou repulsa e 25%, antipatia.
"Já fui até ameaçado
de morte", afirma Daniel Sottomayor, um engenheiro civil que ajudou a
fundar, em 2008, a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (Atea) ─
entidade que reúne 17 mil membros e mais de 592 mil seguidores no Facebook.
Inspirada em uma campanha
britânica, a Atea tentou estampar anúncios em ônibus de quatro capitais
brasileiras, em 2010.
Não conseguiu.
A propaganda foi considerada ofensiva e
rejeitada pelas empresas.
Um ano depois, nova investida.
Dessa vez, a
associação conseguiu espalhar alguns poucos outdoors pelas ruas de Porto Alegre
(RS), com slogans do tipo "Religião não define caráter" ou
"Somos todos ateus com os deuses dos outros".
"Enquanto as notas de
Real louvarem a Deus, as escolas públicas tiverem ensino religioso e as
repartições do governo ostentarem crucifixos, os ateus continuarão ser tratados
como cidadãos de segunda classe", protesta Sottomayor.
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Para
Eli Vieira Araújo, da Universidade de Cambridge, as campanhas ateístas não são
efetivas porque se valem de slogans.
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Na opinião do biólogo Eli
Vieira Araújo, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, campanhas ateístas
não são efetivas porque se valem de slogans que, como qualquer frase de efeito,
estão "cheios de furos".
É o caso de "A fé não
dá respostas.
Só impede perguntas".
"Sabe quem refutaria essa frase?
Isaac Newton.
Ele fez ciência só até por volta dos 30 anos. Depois disso,
dedicou-se à teologia", diz Araújo.
Um dos fundadores da Liga
Humanista Secular do Brasil (LiHS), Eli afirma que, quando o assunto é não ter
vergonha de se assumir publicamente, ateus e agnósticos ainda têm muito a
aprender com a experiência de gays e lésbicas.
"Embora ainda seja
difícil para muita gente lidar com LGBTs fazendo carícias públicas, até quem
tem ojeriza a eles reconhece que estão dentro de sua liberdade num país
laico", analisa.
O preconceito que ateus e
agnósticos sofrem ao redor do mundo encorajou o cineasta Micael Langer a
abordar o tema em Godless - The Truth Beyond Belief (Sem Deus - a verdade além
da crença, em tradução livre) que deve chegar aos cinemas no segundo semestre
de 2017.
Em alguns países, negar a
existência de uma entidade divina pode significar a perda do emprego.
Em
outros, uma sentença de morte.
"Muitas vezes, os ateus preferem se trancar
no armário a passar por situações constrangedoras", diz.
Até o momento, Langer já
entrevistou dois dos incrédulos mais famosos do planeta: o biólogo
evolucionista britânico Richard Dawkins, autor de Deus, Um Delírio, e o
sociólogo americano Phil Zuckerman, de A Sociedade Sem Deus.
"O público-alvo do
meu filme não são os ateus.
Meu objetivo é trazer um pouco de luz a um debate
que, apesar de ser importante e afetar a vida de milhões de pessoas, costuma
ser varrido para debaixo do tapete."
"Deus prefere os
ateus"
Originalmente, um dos
entrevistados de Godless seria Drauzio Varella.
Quando ele diz às pessoas que
não segue uma religião ou acredita em Deus, quase sempre ouve a mesma resposta:
"Mas, o senhor? Uma pessoa tão boa...".
Muita gente enxerga os
ateus por um viés religioso, como se fôssemos anticristos a serviço do
demônio", ironiza o músico e escritor Tony Bellotto, que diz ter
"saído do armário" por influência de Christopher Hitchens, jornalista
e escritor britânico que morreu em 2011.
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Músico
Tony Bellotto diz ter "saído do armário" por influência do jornalista
britânico Christopher Hitchens.
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"Não compreendem que
alguém pode ser ético, solidário e feliz seguindo princípios humanistas e não
preceitos religiosos", completa Bellotto, que tem em seu escritório uma
placa onde se lê:
"Deus prefere os ateus".
Desde que assumiu
publicamente sua não-crença, o guitarrista dos Titãs já passou por situações,
no mínimo, inusitadas.
Certa vez, uma senhora no avião tirou da bolsa um
folheto evangélico do tipo "Jesus te ama" e ofereceu a ele, com a
seguinte recomendação:
"Leia isso, vai te fazer bem".
Quando Tony
avisou que não acreditava em Deus, foi obrigado a ouvir:
"Mas, você tem
que acreditar em alguma coisa!".
"Volta e meia, alguns
me provocam dizendo que, na hora da morte, apelarei para Deus.
A esses,
recomendo a leitura de Últimas Palavras", rebate Bellotto, citando o livro
póstumo de seu ateu favorito, Hitchens.
A neurocientista Suzana
Herculano-Houzel, da Universidade de Vanderbilt, nos EUA, também demorou a se
declarar ateia.
Por recomendação da mãe, sempre relutou em dizer em cadeia
nacional que não acreditava em Deus.
Em 2010, porém, ela rompeu
o silêncio.
Na crônica "Sou ateia e sinto-me discriminada".
Na época,
recebeu dezenas de e-mails, a maioria deles em tom condescendente, lamentando
sua posição.
"Proselitismo é um
saco: pró ou contra religião. Ser vítima de pregação é sempre desagradável.
É
uma pena que alguns ateus não entendam que as pessoas religiosas têm tanto
direito à sua religião quanto nós ao ateísmo", afirma.
Mas, afinal, o que pode
ser feito para combater a intolerância?
Para Tony Bellotto, não se deve
misturar educação com religião.
"A doutrinação religiosa tem que estar
fora das escolas", enfatiza o músico.
Daniel Sottomayor, da
Atea, defende leis mais duras contra quem discrimina ateus e agnósticos.
Já
Suzana Herculano-Houzel propõe incentivar as pessoas a pensar por si mesmas, a
ter espírito crítico e a exigir evidências antes de aceitar a palavra alheia.
"Mas a convicção tanto de que Deus existe quanto de que ele não existe
deve ser sempre respeitada", sublinha a cientista.
post: Marcelo Ferla
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