Moção de repúdio à medida
provisória número 746 – 5º ENCONTRO ESTADUAL DE ENSINO DE SOCIOLOGIA.
Moção de repúdio à medida
provisória número 746.
O Ministério da Educação,
por meio da Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro, alterou o Ensino
Médio, parte da Educação Básica.
Para legitimar tal medida e sensibilizar a
sociedade quanto à urgência de mudanças, o MEC – assim como diversos setores do
empresariado – tem se utilizado do discurso da falência desse nível de ensino,
visto como incapaz de proporcionar aos estudantes deste início de século XXI
uma aprendizagem significativa e interessante.
Por trás do discurso da
relevância, escondem-se muitos pontos obscuros desta proposta deplorável, antes
de tudo, pelo caráter autoritário de que se reveste.
O texto institui uma
política de fomento à implementação de escolas de Ensino Médio em tempo
integral num contexto político em que se prevê o congelamento do orçamento para
a educação.
Além de não deixar claro de onde viriam esses recursos, a MP
reserva este tipo de ensino a uma pequena parcela dos estudantes matriculados
no Ensino Médio.
Sabemos que a realidade das escolas do Brasil não comporta
tais mudanças e que estas, aprovadas, servirão para que mais uma vez criemos
bolsões de pobreza e exclusão.
Hoje existem entre 7,5 e 8 milhões de jovens
matriculados no Ensino Médio e tal proposta pretende oferecer ensino integral
para 500 mil deles, o que por si só já configura um padrão seletivo de
organização do ensino.
Sem os recursos
financeiros adequados, nenhuma escola estadual terá condições de oferecer um
Ensino Técnico de qualidade.
Veremos, então, muitas delas se transformarem em
espaços de formação de força de trabalho flexível (adaptada a diversas formas
de trabalho simples) e mal paga, gerida pelo “setor produtivo”.
Nesse contexto econômico,
social e político, a dualidade do ensino será reforçada, com escolas privadas
emergindo, mais uma vez, como o lócus da preparação dos segmentos da população
que exercem trabalho complexo e bem remunerado, enquanto a maior parte das escolas
públicas formará trabalhadores manuais precarizados.
O ensino por áreas de
conhecimento, se levado a sério, demandaria uma reestruturação do tempo e dos
espaços escolares.
Os professores necessitariam, por exemplo, de mais tempo da
carga horária reservada ao planejamento das aulas em conjunto.
Hoje, a realidade
não é essa.
Muitos docentes,
extenuados pelo alto número de turmas que possuem (muitas vezes em várias
escolas), sequer têm tempo e oportunidade de planejarem suas aulas com os
colegas de suas próprias disciplinas.
Nenhum currículo por áreas do conhecimento
ganha o sentido de unidade sem esse pré-requisito, que é o tempo para a sua
elaboração em conjunto.
Porém, mesmo no caso de um projeto sério de ensino por
áreas do conhecimento (o que não é o caso), lidamos com dois problemas:
(1) a
imposição ao aluno de uma escolha precoce da carreira;
(2) a não socialização
plena dos conhecimentos historicamente produzidos e acumulados pela humanidade
em todas as áreas.
Além disso, a medida
provisória desconsidera o seguinte: os colégios materialmente incapacitados de
oferecer as especializações nas cinco áreas explicitadas optarão por priorizar
algumas em detrimento de outras.
Os colégios vão se transformar em “escolas de
ênfase” e a suposta liberdade de escolha dos alunos não se efetivará.
Os jovens
e adultos matriculados no Ensino Médio ficarão condicionados a “escolher”
aqueles cursos oferecidos em colégios próximos às suas residências.
A formação
profissional poderia sobreviver a partir do “apadrinhamento” de certas escolas
por segmentos do empresariado.
A formação nas outras áreas – voltadas para a
continuidade dos estudos nas universidades – estaria à mercê de institutos
privados que ofereceriam profissionais (via organizações sociais), currículos e
materiais didáticos com a promessa de levar os estudantes ao Ensino Superior.
A
autonomia curricular e didática dos docentes – hoje já bastante restrita –
seria solapada de vez.
A Medida Provisória não
deixa clara a intenção de induzir a transformação de TODAS as unidades
escolares em escolas de MODALIDADE em tempo integral.
Nesse sentido, a medida
cria um grave problema, pois abre brechas de interpretação da lei ao propor a
adequação da matriz disciplinar de outras modalidades de Ensino Médio com carga
horária menor do que as escolas que oferecem ensino integral em período de
manhã e tarde.
Tal como escrito na Medida Provisória, a mudança pretendida para
o Ensino Integral aparece como uma das propostas de reforma, ao invés de ser a
única a que o texto efetivamente se refere.
Tal reforma cuja formulação abre a
possibilidade de escolhas de trajetórias de formação é inaplicável à matriz
curricular do Ensino de Jovens e Adultos e ao Ensino Médio Regular, por
exemplo.
“Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino
Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20
de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, e dá outras
providências.”
Há que se recordar que, em
Educação, o ensino integral não significa necessariamente escola de tempo
integral.
De acordo com o Centro de referências em Educação integral, “A
educação é por definição integral na medida em que deve atender a todas as
dimensões do desenvolvimento humano e se dá como processo ao longo de toda a
vida.”
Portanto, para ser efetivamente exitosa, no sentido não apenas de atrair
o interesse dos alunos, mas de contribuir para a sua formação plena, uma reforma
no ensino não pode significar simplesmente a expansão da carga horária em sala
de aula, visando somente à preparação técnica ou para entrada no ensino
superior, como propõe a medida provisória.
Um ensino de fato integral precisa
articular em sua grade horária diversas possibilidades formativas simultâneas,
conjugando atividades científicas, esportivas, artísticas, lúdicas e de
debates.
Nesse sentido, os alunos poderão ter acesso ao acúmulo de conhecimento
produzido pela ciência, participar de diferentes práticas esportivas,
experimentar música, teatro e dança e debater questões ligadas à sociedade em
que vivem.
Esse é o tipo de formação que os alunos demandam e no qual veem
sentido, como ficou demonstrado nas pautas do movimento de ocupação das escolas
por estudantes neste ano.
A MP segue justamente o caminho contrário, tanto que
ameaça a obrigatoriedade de disciplinas imprescindíveis para um ensino
verdadeiramente integral, como Sociologia, Filosofia, Artes e Educação Física.
Outrossim, as escolas de
tempo integral ora vigentes que conhecemos, as da rede estadual do Rio de
Janeiro, já atendem ao estabelecido pela nova medida provisória.
Em todas elas
há o cuidado de afirmar que a conjugação de esforços em oferecer conhecimentos
da Base Nacional Comum é integrada à oferta de algum curso técnico, ou ênfase
em área de conhecimento de linguagens, matemática, ciências da natureza ou
ciências humanas, de modo que a oferta de ensino técnico ou de áreas de ênfase
de livre escolha não exclui a obrigatoriedade de cursar as disciplinas da base:
Português, Literatura, Matemática, Biologia, Química, Física, Educação Física,
Sociologia, Filosofia, História, Língua Estrangeira, Geografia e Artes.
Tais
disciplinas são consideradas essenciais e complementares para que o estudante
de Ensino Médio seja capaz de compreender cientificamente e estar letrado nas
exigências do mundo em que vive, sem as quais não sairá formado nem apto para a
cidadania, nem habilitado para dar prosseguimento a estudos de nível superior,
muito menos para o mercado de trabalho.
A retirada sumária das disciplinas
causará impactos em diferentes áreas, níveis de ensino, aumento do desemprego
de inúmeros docentes que dedicam suas vidas a capacitarem-se para a carreira
docente.
Fora o prejuízo social e econômico na formação de toda uma geração de
jovens que constituirão a sociedade do futuro.
Para além das questões
didático-pedagógicas e curriculares, estudos em Sociologia da Educação atentam
para o fato de que não se deve culpar a escola e os professores por todos os
males da educação.
As condições de trabalho nem sempre são favoráveis ao
ensino, seja em função da realidade violenta da comunidade, seja em função da
carência material de alunos que evadem visando inserirem-se logo no mercado de
trabalho, ou ainda pela falta de envolvimento da família na situação escolar
dos estudantes.
A implementação de Ensino de Tempo integral em todas as escolas
requer um volume de investimentos no sentido de garantir um salário que permita
ao docente dedicação integral à escola, além de atender ao aumento da demanda
por merenda escolar para jovens que permanecem o dia inteiro na escola.
O
Estado precisa manter programas como o Bolsa Família que garantem a formação
escolar de jovens cujas famílias vivem em condições de vulnerabilidade social.
Por fim, as escolas devem ser melhor equipadas e os professores necessitam de
garantia de formação continuada para que possam constantemente se adaptar às
exigências de prover um ensino atrativo aos jovens, evitando com isso a evasão
e a reprovação escolar.
Defendemos a educação
pública, gratuita e laica.
Entendemos que a escola deve ser um espaço de
aprendizado e de troca de saberes e experiências.
Os estudantes do Ensino Médio
têm o direito de ter acesso ao conhecimento que lhes permita conhecer a
sociedade em que vivem em suas dimensões social, cultural, política e
científica.
PARTICIPANTES DA PLENÁRIA
FINAL DO 5º ENCONTRO ESTADUAL DE ENSINO DE SOCIOLOGIA – Rio de Janeiro,
setembro de 2016.
post: Marcelo Ferla
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