Fotógrafa reencena drama
real de crianças criadas por animais.
Fiona
Macdonald
Da
BBC Culture
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Modelo
recria cena da vida de Oxana Malaya, que passou seis anos vivendo no canil de
sua casa.
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Belas e, ao mesmo tempo,
perturbadoras, as imagens do mais recente projeto da fotógrafa alemã Julia
Fullerton-Batten parecem cenas saídas de contos de fadas.
Mas as vidas que elas
retrata são reais, contando - com modelos e produção fotográfica - as histórias
de crianças que cresceram isoladas, tendo apenas animais como companhia.
"Há dois tipos de
histórias: aquela em que a criança acabou se perdendo na selva e aquela em que
o menor cresceu em sua própria casa, mas era tão negligenciado ou abusado que
encontrou mais conforto com os animais do que com outros humanos", conta a
fotógrafa, em entrevista à BBC.
Conheça algumas dessas
dramáticas trajetórias.
Oxana Malaya, Ucrânia,
1991
A imagem acima recria o
caso da garota ucraniana Oxana Malaya, encontrada vivendo com cachorros em um canil,
em 1991.
"Ela tinha 8 anos e
já vinha vivendo naquela situação há seis anos.
Seus pais eram alcoólatras e,
uma noite, a deixaram para fora de casa.
Em busca de calor e aconchego, a
pequena Oxana foi para o canil e se aninhou junto aos vira-latas", conta
Fullerton-Batten.
"Foi provavelmente o que salvou sua vida."
Oxana caminhava de quatro,
arfava com a língua de fora, cerrava os dentes para estranhos e latia.
Por
causa da falta de interação humana, ela só conhecia as palavras "sim"
e "não".
Hoje, Oxana vive em uma
clínica em Odessa e trabalha com os animais do lugar.
Shamdeo, Índia, 1972
"Estas histórias
estão longe de ser comparáveis com uma aventura de Tarzã", explica a
fotógrafa.
"Trata-se de crianças que tiveram que disputar comida com os
animais, tiveram que aprender a sobreviver.
Quando eu soube de suas vidas,
fiquei em choque."
O projeto Feral Children
("Crianças Selvagens", em tradução literal) conta os casos de 15
crianças.
As fotos são encenações produzidas com modelos.
A imagem acima mostra
Shamdeo, um garoto encontrado em uma selva da Índia em 1972, quando
provavelmente tinha 4 anos de idade.
"Ele brincava com os
filhotes de lobos, tinha a pele bem escura, dentes afiados, unhas longas e em
forma de garras, cabelos emaranhados e calos nas palmas das mãos, cotovelos e
joelhos", conta Fullerton-Batten.
Shamdeo gostava de caçar
galinhas, comia terra e tinha desejos de comer carne crua.
Ele nunca falou, mas
aprendeu a se comunicar com sinais.
Morreu em 1985.
Marina Chapman, Colômbia,
1959
A fotógrafa teve a ideia
do projeto depois de ler A Garota Sem Nome, autobiografia da colombiana Marina
Chapman.
"Em 1954, quando
tinha 5 anos, Marina foi sequestrada de um vilarejo remoto e abandonada na
floresta", conta Fullerton-Batten.
"Ela viveu com uma família de
macacos-pregos por cinco anos até ser descoberta por caçadores."
A menina se alimentava de
frutas silvestres, raízes e bananas que os macacos deixavam cair.
Dormia em
buracos nas árvores e caminhava de quatro, como seus companheiros de selva.
"Os macacos não lhe
davam comida.
Ela é quem teve que aprender a sobreviver, copiando o
comportamento deles.
No fim, eles se acostumaram com ela e a tratavam como
igual, inclusive catando seus piolhos", relata a fotógrafa.
No início, as autoridades
duvidaram da história de Chapman e a submeteram a uma série de exames médicos,
concluindo que ela realmente estava subnutrida.
Chapman hoje vive na
Grã-Bretanha com o marido e duas filhas.
Segundo Fullerton-Batten, ela gostou
da ideia de ter seu caso retratado no projeto.
John Ssebunya, Uganda,
1991
A fotógrafa contou com a
consultoria da antropóloga britânica Mary-Ann Ochota, apresentadora da série de
TV Feral Children, produzida pelo National Geographic Channel.
"Ela
conheceu pessoalmente três das crianças que ainda estão vivas hoje", conta
Fullerton-Batten.
"Sua contribuição foi
importante para me mostrar como posicionar as mãos (dos modelos), como eles
deveriam andar, como sobreviviam – eu queria que o trabalho parecesse o mais
autêntico e fiel possível", afirma.
A imagem acima ilustra o
caso de John Ssbunya, que fugiu de casa aos 3 anos depois de ver o pai matar a
mãe.
"Ele se escondeu em uma floresta e passou a viver com macacos.
Foi
capturado em 1991, quando tinha 6 anos, e levado para um orfanato", conta
a fotógrafa.
John aprendeu a falar e
fez parte do coro infantil da ONG Pearl of Africa.
Em 2012, a antropóloga
defendeu a veracidade da história do garoto no jornal britânico The
Independent.
"Não se trata de mais uma lenda, mas sim de um caso real que
estamos investigando", escreveu.
Madina, Rússia, 2013
Segundo Mary-Ann Ochota,
as crianças selvagens normalmente geram vergonha e sigilo em uma família ou
comunidade.
"Não são histórias felizes como Mogli – O Menino Lobo.
São
casos pungentes de negligência e abuso", explica a antropóloga.
"Esses casos se
tornam possíveis quando há a trágica combinação de vício, violência doméstica e
pobreza.
São crianças que foram esquecidas, ignoradas ou escondidas",
define.
Segundo Fullerton-Batten,
a menina Madina viveu entre cachorros do nascimento até completar 3 anos,
compartilhando sua comida, brincando e dormindo com eles no inverno.
Quando
assistentes sociais a encontraram, em 2013, ela vivia nua, andava de quatro e
rosnava.
O pai de Madina saiu de
casa assim que ela nasceu e sua mãe, de apenas 23 anos, passou a beber.
"Ela estava o tempo todo bêbada e se sentava para comer à mesa enquanto a
própria filha roía ossos com os cães no chão", conta a fotógrafa.
Apesar do trauma, médicos
e psicológicos julgaram que Madina estava saudável física e mentalmente.
A menina
foi colocada para adoção.
Sujit Kumar, Fiji, 1978
"Sujit tinha 8 anos
quando foi encontrado no meio de uma estrada cacarejando, batendo os braços e
se comportando como uma galinha", diz Fullerton-Batten.
"Ele dava
'bicadas' em sua comida, empoleirava-se em uma cadeira e fazia um barulho
estalando a língua".
Seus pais o trancaram em
um galinheiro.
Depois a mãe se matou e o pai foi assassinado.
O avô o manteve
junto com as galinhas.
Para as crianças, a transição
depois de serem encontradas pode ser tão difícil quanto o período em que
passaram isoladas.
Kumar acabou sendo criado
por Elizabeth Clayton, que o encontrou vivendo em um asilo de idosos.
Ela
fundou uma ONG para ajudar crianças carentes.
Ivan Mishukov, Rússia,
1998
Apesar dos relatos
pungentes, as imagens de Fullerton-Batten contam uma história de sobrevivência.
"Todos os seres
humanos precisam do contato com outros seres humanos, mas para essas crianças,
a vida passou a ser regida pelo instinto de sobrevivência", diz.
"Me
pergunto se aqueles que contam com a companhia de animais selvagens não estão
melhor do que as pessoas cuja infância foi passada sem nenhuma companhia."
Ivan fugiu da família aos
4 anos, dando restos de comida a uma matilha de cães selvagens até se tornar
uma espécie de líder do grupo.
Ele viveu nas ruas por dois anos, antes de ser
levado a um orfanato.
Sua história é contada no
livro Savage Girls and Wild Boys, de Michael Newton.
"Foi um
relacionamento que funcionou perfeitamente, muito melhor do que qualquer coisa
que Ivan tenha vivido com outros humanos.
Ele mendigava por comida e dividia
tudo com a matilha.
Em troca, dormia com eles nas longas e escuras noites de
inverno, quando a temperatura despencava", escreveu o autor.
Fullerton-Batten espera
que seu projeto ajude a conscientizar as pessoas sobre a situação dessas
crianças.
post: Marcelo Ferla
fotos: Todas as fotos foram cedidas à BBC por Julia
Fullerton-Batten.
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