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Quadrinistas
apostam em elementos nacionais para emplacar super-heróis brasileiros.
Personagens
são inspirados em mitos ameríndios, religiões afro-brasileiras e na capoeira.
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Aruã
e Jiboia Branca, heróis do Esquadrão Amazônia, de Joe Bennett e Alan Yango, que
será lançado em dezembro no Comic Con Experience - Agência O GLOBO / Reprodução
POR
BOLÍVAR TORRES
RIO — Da Asgard mítica de
Thor às lendas da selva amazônica, foi um passo para Benedito José Nascimento,
conhecido nos Estados Unidos como Joe Bennett.
Um dos principais quadrinistas
brasileiros, o paraense já emprestou seu traço a alguns dos mais famosos
super-heróis da DC Comics e da Marvel.
Mas, ao mesmo tempo em que colabora com
publicações internacionais, dedica um carinho especial a um velho projeto,
nascido e desenvolvido no Brasil.
No início dos anos 2000, Bennett criou uma
série de personagens inspirados no folclore da Amazônia, como Açu, um indígena
que ganhou poderes especiais de uma pedra; Aruã, uma ex-bióloga com pele
cibernética; ou ainda a jovem Iara, treinada por uma onça para usar seu poder
vocal.
Batizado de Esquadrão Amazônia, o grupo surgiu inicialmente em uma
cartilha educacional encomendada por uma extinta operadora de telefonia do
norte do país (os heróis ensinavam os consumidores a usar celulares).
Ficou na
memória dos fãs que, desde então, continuaram pedindo para que Bennett desse
continuidade à sua criação.
Clamor atendido: o Esquadrão ganha agora sua
primeira grande publicação, uma graphic novel de 40 páginas, capa cartonada e
impressão em cores, que será lançada no início de dezembro no próximo Comic Con
Experience, em São Paulo.
Com um orçamento de R$ 16
mil — levantados via financiamento coletivo — esta é mais uma entre várias
tentativas recentes de emplacar super-heróis usando elementos nacionais.
Na
mesma Comic Con, o britânico radicado no Brasil Sam Hart lançará o seu
Mega-Ultra Super Secreto, com um personagem que protege a Amazônia de um vilão
atômico.
Outros quadrinistas também vêm buscando temas autoctones para
desenvolver personagens, como Flávio Luiz (Aú, o capoeirista), Mr. Guache (Zé
Pilintra), Brandon Lee (Titãs da Amazônia), Rom Freire e Jamerson Tiossi (Diego
Boa Morte), Lancelott Martins (Shaman) e Hugo Canuto, que incorpora religiões
afro-brasileiras em seus trabalhos. Nasce um novo filão na HQ brasileira?
— O público quer isso, a
hora é agora — afirma Bennett, que está acertando os últimos detalhes do
projeto enquanto desenha a série nova do Exterminador, anti-herói da DC.
—
Temos que pensar como os americanos pensaram isso anos atrás, mas respeitando
nossas raízes. Juntei o que eu cresci escutando aqui na região com tudo que li
e fiz para fora nos últimos anos.
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A
heroína Iara, do Esquadrão Amazônia, grupo que protege a floresta de forças
sobrenaturais Foto: Reprodução / Agência O GLOBO.
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Cena
de "Abaité", HQ de Rom Freire que reúne 5 lendas indígenas: Curupira,
Iara, Boiúna (Cobra Grande), Anhangá e JurupariFoto: Divulgação / Agência O
GLOBO.
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Aú,
herói capoeirista negro criado por Flávio Luiz Foto: Divulgação / Agência O
GLOBO
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Mulher-Arara,
personagem dos Titãs da Amazônia, liga criada por Brandon LeeFoto: Divulgação /
Agência O GLOBO.
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Encontro
entre Perseu e Aline, dupla de personagens do Rio de Janeiro, e A Tribo, de São
Paulo. Criações de Junior Cortizo e Tony BrandãoFoto: Divulgação / Agência O
GLOBO
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Mega
Ultra, de Sam Hart: herói que protege a Amazônia de um vilão nuclearFoto:
Divulgação / Agência O GLOBO.
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Zé
Pilintra (de chapéu), herói malandro e boêmio da HQ "Zeladores", de
Mr. Guache, que mescla lendas urbanas e folclore brasileiros Foto: Divulgação /
Agência O GLOBO.
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Projeto ambicioso, feito
em parceria com o quadrinista Alan Yango, o Esquadrão apresenta sete forças
amazônicas, que se unem para proteger a floresta de “uma ameaça de proporções
cósmicas”.
Bennett conta que se
surpreendeu com a rapidez com que conseguiu completar o financiamento.
Os R$ 16 mil, porém,
contemplam apenas o primeiro dos dois volumes previstos para a série.
— Queria provar que
qualquer gênero se adapta a qualquer parte do mundo, desde que bem feito —
explica Bennet.
— Tanto que os europeus
fazem o melhor western, melhor que o americano.
Uma prova de que o público
atual está inclinado a se interessar por HQs com heróis míticos brasileiros
aconteceu em setembro, com uma brincadeira de Hugo Canuto.
O quadrinista baiano
recriou uma capa clássica de Jack Kirby para “Os Vingadores”, da Marvel, e
substituiu as figuras icônicas da saga por divindades de religiões
afro-brasileiras.
Ogum virou o Capitão
América; Xangô, Thor; e Iansã, Vespa.
A recepção foi
surpreendente, com centenas de compartilhamentos.
Houve até sugestões para
que ele fizesse o mesmo com a mitologia Tupi.
Canuto, que já havia
desenhado a cultura afro-brasileiro na graphic novel “A canção de Mayrube”, de
2015, aproveitou a deixa e prepara uma publicação com heróis inspirados no
Itan, as narrativas tradicionais da cultura iorubá.
— O leitor brasileiro tem
buscado cada vez mais temas ligados à nossa realidade — diz Canuto.
— A internet também ajudou
a dar visibilidade a essa produção nacional que já vem sendo feita há alguns
anos.
Em relação à repercussão
do post, acredito que foi possível conectar com o público de uma maneira
especial, por abordar temas arquetípicos, que lidam com mitos e fundamentos
culturais.
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Moacir
Torres relançou recentemente o primeiro álbum de seu herói ecológico Papo
Amarelo, criado em 1990 - Divulgação / Agência O GLOBO.
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Desde os anos 1950, vários
super-heróis brasileiros ganharam o mercado.
Alguns tiveram relativo sucesso,
mas nunca conseguiram rivalizar com os estrangeiros.
A maioria está esquecida,
como Quebra Queixo ou Raio Negro.
Segundo Moacir Torres, que criou nos anos 1990
um herói ecológico, o Papo Amarelo, o problema foi justamente não ter apostado
num conteúdo “puramente brasileiro”.
— As criações do país não
conseguiram competir com as estrangeiras porque os autores faziam roteiros
parecidos com os de fora — conta o quadrinista, que acaba de reeditar a
primeira edição do “Papo Amarelo”.
— Os personagens das antigas com os quais o
leitor mais se identificou foram “Jerônimo” e “Vigilante Rodoviário”, os demais
eram cópias.
O Papo Amarelo sempre teve um espaço no nosso mercado justamente
porque é considerado por alguns críticos da área como o mais brasileiro dos
heróis.
O quadrinista Sam Hart,
que acaba de roteirizar e desenhar uma aventura do Mega Ultra, super-herói da
Amazônia recém-criado por ele, lembra que muitos dos heróis brasileiros do
passado até tiveram sucesso por um tempo — e com um determinado público — mas
esbarraram no maior problema enfrentados por desenhistas no país: a
distribuição.
Hoje, com a internet e plataformas de financiamento coletivo,
essa questão foi amenizada.
— Os super-heróis
estrangeiros chegam aqui já com um preço muito mais baixo na produção, já que
todos os artistas já foram pagos, e com inúmeras peças de licenciamento e
branding: filmes, toalhas, lençóis, camisetas, brinquedos etc. — explica.
—
Então já saem na frente em reconhecimento do público e ainda exigem menos
investimento das editoras.
Não é por menos que muitas das melhores revistas de
quadrinhos hoje em dia, seja com temática nacional ou não, são feitas por
iniciativa dos próprios autores.
Em 2008, Flávio Luiz
recorreu à Lei Rouanet para lançar o primeiro álbum com as aventuras de seu Aú,
um jovem capoeirista que enfrenta vilões na companhia do miquinho Licuri.
Já
para o segunda publicação do personagem, “Aú, o Capoeirista e o Fantasma do
Farol”, de 2015, conseguiu os R$ 38 mil necessários graças a uma campanha de
crowdfunding.
— Na época eu precisei me
autopublicar, pois estava propondo coisas muito caras e inéditas na época, como
capa dura e formato europeu — conta Luiz.
— Fico feliz de ter dado certo e ver
tantos artistas e editoras apostando nessas alternativas de apresentação hoje
em dia!
Temos um mercado mais parecido com o europeu do que com o americano.
Muito trabalho autoral, muitas linhas de HQ.
Trabalhos que envolvem pesquisas,
que levam mais tempo para ficarem prontos.
Não temos ainda uma estrutura para
oferecer publicações mensais num ritmo fast food, como o americano.
Estamos
mais pra alta-gastronomia francesa!
Parceiro de Bennett no
Esquadrão, Alan Yango acrescentou ao “time” original um personagem que
desenvolve há cinco anos, o Máximus — que ganhou poderes através de um
artefato, o Medalhão do Sol, encontrado por seu irmão arqueólogo em uma
pirâmide pré-colombiana na Amazônia brasileira.
Ele acredita que, apesar da
multiplicação recente dos heróis nacionais, a má vontade ainda persiste no
mercado.
— Tenho acompanhado isso
desde que comecei a publicar o meu personagem — lamenta.
— Falam que deveria
ser criado algo que reflita mais nossas culturas e lendas...
Mas quando surge
uma HQ com um tema voltado ao folclore, cangaço, ou seja o que for, essas
mesmas pessoas torcem o nariz...
Com o Esquadrão queremos justamente acabar de
vez com essa visão de que herói não funciona aqui.
Costumo dizer que os verdadeiros
heróis dessa história não são os personagens, mas nós próprios, que não
desistimos de lutar mesmo com tanta gente se posicionando contra.
post: Marcelo Ferla
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