Livro denuncia atividades
de empresas alemãs no Brasil.
Jornalista critica atuação
de várias multinacionais, incluindo Volkswagen, Basf, Siemens e Bayer, e não
poupa também o governo da Alemanha pelo acordo que possibilitou as usinas
nucleares brasileiras.
Escândalos envolvendo a atuação de empresas alemãs no
Brasil são raros.
Apenas dois casos ganharam as manchetes nos últimos anos: um
envolvendo a ThyssenKrupp, responsável pela chuva de prata que caiu na Baía de
Sepetiba em 2012, e outro envolvendo a Volkswagen, que foi mencionada no
relatório final da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2014.
O documento
revelou violações de direitos humanos dentro da montadora durante a ditadura
militar.
Mas esses são apenas dois
entre vários casos em que empresas alemãs tiveram um comportamento no mínimo
questionável em solo brasileiro, como denuncia um livro lançado no sábado
passado (22/10) na Feira do Livro de Frankfurt e que investiga a fundo a
questão.
Em Abstauben in Brasilien,
ainda sem título em português, o jornalista e ativista alemão Christian Russau
aborda, além dos dois exemplos acima que viraram notícia, casos específicos que
envolvem diretamente empresas alemãs ou seus fornecedores, entre elas gigantes
como Siemens, Basf e Bayer, com foco nos direitos humanos e no meio ambiente.
Ele se ocupa, por exemplo,
das parcerias militares entre a Alemanha e o Brasil durante a ditadura,
contestando cursos oferecidos por especialistas alemães num país onde o regime
cometia violações de direitos humanos, e foca ainda nos negócios de empresas
bélicas, como Heckler&Koch e Krupp, no país.
O acordo nuclear Brasil e
Alemanha, que beneficiaria diretamente a Siemens, é tema de outro capítulo, que
novamente critica as autoridades alemãs por causa da época em que a parceria
foi fechada, a década de 1970, sem que houvesse qualquer debate crítico sobre
as práticas do regime militar.
Além disso, o governo alemão atual é criticado
pela sua posição de manter essa parceria mesmo tendo decidido fechar todas as
usinas nucleares da Alemanha.
Outro capítulo aborda os
impactos socioambientais da exploração de matérias-primas por fornecedores da
indústria alemã, com foco em Carajás.
O acidente na barragem da Samarco, em
Minas Gerais, merece um capítulo próprio.
Russau critica as empresas alemães
que fizeram o resseguro da mineradora.
Outro capítulo investiga
crimes socioambientais, desta vez no âmbito da construção de hidrelétricas na
Amazônia, e questiona o papel e a responsabilidade de empresa alemãs que
fornecem partes dessas usinas, como a Siemens.
Na parte final do livro, o
foco está na agricultura.
Primeiro, Russau denuncia o uso de substâncias
proibidas na União Europeia em pesticidas vendidos no Brasil pela Basf e Bayer.
Depois analisa como a indústria suína alemã contribui com o desmatamento.
Em entrevista à DW Brasil,
Russau avalia como é possível mudar esses comportamentos e a importância de
combatê-los em vários níveis.
O livro deve ser lançado no Brasil em 2017.
DW Brasil: No seu livro,
você descobriu que empresas alemãs fizeram o resseguro da barragem da Samarco
que rompeu no ano passado.
Você acredita que essas seguradoras poderiam ter
verificado melhor se a mineradora seguia normas de segurança e dessa maneira
ter evitado o acidente?
Christian Russau: Acho que
sim, pois isso era do interesse delas.
Perguntei sobre isso em assembleias de
acionistas, e as respostas foram que os especialistas estavam lá, observando,
mas que ninguém podia prever que a barragem fosse romper.
Aí eu me pergunto: se
ninguém podia contar com a possibilidade de que a barragem pudesse romper,
então por que a Samarco fez um seguro para essa eventualidade?
Durante sua pesquisa, você
conseguiu identificar os motivos para o comportamento dessas empresas no
Brasil?
Elas se comportam melhor na Alemanha do que no Brasil?
Primeiro é uma questão da
mídia.
Na Alemanha, há ONGs sempre observando e criticando, e a mídia dá
respaldo a esse trabalho.
No Brasil há muitas ONGs, mas com uma mídia como essa
e um Congresso como esse fica tudo muito complicado.
Quero lembrar, no entanto,
que na Alemanha as empresas não agem de modo completamente diferente do que no
Brasil.
Há também semelhanças.
Você poderia dar um
exemplo?
A Volkswagen manipulou
durante anos os dados dos motores a diesel, e que punição a empresa recebeu do
governo alemão?
Quase nenhuma, não vejo muita reação do Estado nesse caso.
Há
críticas a serem feitas no Brasil, mas também na Alemanha.
Com relação às violações
cometidas no Brasil, de quem é responsabilidade?
Somente das empresas?
Do
governo brasileiro, que controla pouco?
Do governo alemão, que deveria
regulamentar como empresas alemães agem em outros países?
É de todos.
A Constituição
brasileira é ótima, mas sabemos que, em muitos aspectos, a realidade é
diferente do que está no papel.
Certa responsabilidade é do governo brasileiro
e do Judiciário, mas é também das empresas e do governo alemão que, na minha
visão, é responsável sobre as ações de filiais de empresas transnacionais
alemãs.
Porém, nós, que somos consumidores, que compramos produtos sem pensar
na origem deles, temos também uma parcela de responsabilidade.
Você faz parte da
diretoria da organização Acionistas Críticos, que compra ações de empresas para
ter direito de voz durante reuniões de acionistas e assim poder criticar
violações cometidas pelas empresas.
Como os diretores das empresas reagiram
quando você mencionava os problemas do Brasil?
O movimento dos Acionistas
Críticos surgiu há 30 anos na Alemanha.
No início, as reações eram de choque
total, mas ao longo dos anos, os diretores ficaram mais espertos nas reações.
Eles reagem verbalmente de forma cada vez mais inteligente.
Porém, eles notaram
também que há uma crítica, e ela pode manchar a imagem da empresa. Por isso
houve algumas reações.
Temos que esperar para ver se essa mudança na postura e
no comportamento é fundamental ou apenas superficial.
É um longo caminho, mas
nossa crítica vem trazendo mudanças.
Você cita a
responsabilidade de consumidores.
Na sua opinião, se os consumidores alemães
pressionarem mais as empresas poderia haver alguma mudança?
Sim, isso é muito
importante, mas aqui temos que fazer uma diferenciação entre as empresas.
Muitas vezes há dificuldades de se identificar a origem de produtos.
Por
exemplo, nas minhas campanhas e pesquisas sobre a Companhia Siderúrgica do
Atlântico (CSA), da ThyssenKrupp, construída na Baía de Sepetiba, no Rio de
Janeiro, conseguimos abalar muito a imagem da empresa na Alemanha.
A partir de
então, as pessoas me perguntavam como podiam contribuir com essa campanha, mas
é difícil identificar em quais produtos há aço produzido pela ThyssenKrupp.
Ninguém vai ao supermercado e compra um produto da ThyssenKrupp.
Quando há uma marca clara
e todo mundo deixa de comprá-la, a reação é poderosa, mas, para o consumidor, é
muito complicado identificar a origem das matérias-primas nas grandes cadeias
de produção.
E as empresas escondem esses dados, pois não fazem questão de
garantir a transparência e, dessa maneira, garantir que não usam
matérias-primas oriundas de regiões onde há guerra ou cuja produção gera danos
socioambientais.
Não seria o papel dos
governos exigir mais transparência nesses casos?
Não somente dos governos,
mas também de entidades internacionais, como a ONU, que está desenvolvendo
agora um mecanismo para identificar origens de matérias-primas em toda a cadeia
de produção, mas ainda deve demorar alguns anos para ele entrar em vigor.
Na sua avaliação, como é
possível mudar esse tipo de comportamento empresarial?
As empresas têm fortes
lobbys e interesses e temos que lutar contra isso em todos os níveis, seja você
um agricultor familiar que não deseja usar soja transgênica e pesticida da
Bayer como seu vizinho latifundiário, seja você consumidor ou ativista de
direitos humanos.
É um caminho longo, não existe solução rápida e fácil, mas
não podemos abrir mão disso.
post: Marcelo Ferla
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