A delicada cirurgia
secreta em 'mentor do 11/9' que reforça polêmicas sobre Guantánamo.
BBC
BRASIL.com
Mustafa al Hawsawi é um
dos cinco presos acusados do maior crime da história recente dos Estados
Unidos: os atentados de 11 de setembro de 2001.
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A
prisão de Guantánamo surgiu em 2002, quando os Estados Unidos começavam uma
ofensiva contra o terrorismo no Oriente Médio
Foto: Getty Images
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O cidadão saudita, de 48
anos, está detido desde 2006 na base militar americana de Guantánamo (situada
na ilha de Cuba), onde aguarda um processo judicial que pede sua pena de morte.
Junto com outros quatro
homens, ele é acusado de ser um dos mentores das operações financeiras que
facilitaram os atentados que mataram quase 3 mil pessoas.
Mas seu julgamento ainda
não aconteceu.
E nesse meio tempo, Al Hawsawi foi diagnosticado com prolapso
retal, uma doença que causa a exteriorização do reto (parte final do intestino)
por meio do ânus.
O problema causa dores
intensas, hemorróidas crônicas e fissuras anais.
Em audiências preparatórias,
Al Hawsawi teve que usar uma almofada para se sentar.
O advogado dele, Walter
Ruiz, explicou à BBC que, como consequência da doença, seu cliente sofre com
muitas dores.
"Ele vive com muita dor, problemas para defecar e precisa
reinserir seu reto toda vez que faz suas necessidades", disse Ruiz.
Causa e consequência.
Mas qual é a relação entre
a condição de saúde de Hawsawi e os atentados de 11 de setembro?
É o que tenta responder um
relatório de 6,7 mil páginas sobre práticas de tortura da Agência Central de
Inteligência americana, a CIA.
Um resumo desse documento
- que foi rejeitado pelo Senado americano em 2014 - revela que Al Hawsawi foi
submetido a interrogatórios com "técnicas de controle de conduta" que
o deixaram com a condição atual.
Capturado no Paquistão em
2003, ele levado a um centro de detenção na CIA em uma localização secreta e
submetido a várias técnicas de interrogatório até 2006.
Entre elas, estavam exames
retais com "força excessiva" e uma técnica de
"reidratação" por via anal, como método de "controle de
conduta".
Ele também foi submetido a técnicas de simulação de afogamento.
"Al Hawsawi clamava
por Deus enquanto a água era derramada sobre ele e um dos interrogadores disse
que foi por causa da temperatura fria da água", disse o relatório
apresentado ao Senado citando testemunhas.
O prisioneiro também tem
muitas dores de cabeça, nas costas e no pescoço por conta de uma técnica
chamada "walling" (de muro, em inglês), que consiste em fazer com que
uma pessoa bata o corpo contra a parede.
'Guerra contra o terror'
Os atentados de 11 de setembro
deram início à intervenção militar dos Estados Unidos no Afeganistão e no
Iraque, a chamada "guerra contra o terror".
Após os atentados, o
governo de George W. Bush abriu o centro de detenção de Guantánamo em 2002.
Em
2006, o presidente fez um "reconhecimento público" da existência de
um programa de detenção e interrogatórios da CIA.
A inteligência americana
identificou, entre vários suspeitos, cinco homens como "mentores" da
operação: Khalid Sheikh Mohammed, Ali Abd al Aziz Ali, Waleed bin Attash, Ramzi
bin al Shibh e Mustafa Ahmad al Hawsawi.
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O
caso de Mustafa al Hawsawi é semelhante ao de outros presos que não tiveram
julgamento para determinar se eram culpados ou inocentes; organizações de
direitos humanos já se manifestaram em defesa deles
Foto:
Getty Images
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Por serem suspeitos de
terrorismo, sequestro de aeronaves, conspiração, ataques contra civis, lesões
graves e violações ao direito de guerra, podem ser sentenciados à morte se
forem condenados, de acordo com o Departamento de Defesa.
Mas nenhum dos cinco
suspeitos foi acusado formalmente.
Eles permanecem detidos por causa da Lei
americana 107-40, que autoriza o uso de força militar contra quem "tiver
planejado, autorizado ou cometido os atentados de 11 de setembro de 2001".
"Ao que parece, a
autorização geral permite a prisão perpétua", afirmou um relatório do
Grupo de Trabalho sobre as Detenções Arbitrárias da ONU.
No entanto, o advogado
Walter Ruiz denuncia que seu cliente está em um "limbo legal", já que
nunca foi acusado formalmente e muito menos condenado para estar na prisão.
"Até agora, ele segue
sem ter uma data para julgamento e só tem passado por audiências
preparatórias", disse Ruiz.
"É o mesmo caso de outros quatro
acusados, já que o processo é o mesmo", explica o advogado.
Organizações de direitos
humanos que acompanham o caso, como a Anistia Internacional ou a britânica
Redress, têm criticado a situação principalmente com base em uma parte do
relatório apresentado no Senado.
Eles dizem que
"muitos indivíduos foram submetidos a técnicas de interrogatório da CIA
apesar de dúvidas ou questionamentos sobre seu conhecimento sobre terrorismo ou
sobre a localização de líderes da Al Qaeda".
No caso particular de Al
Hawsawi, um chefe dos interrogadores chegou a enviar uma carta à CIA em que
afirma que "esse árabe não parece ser um gênio financeiro", como
afirmava a inteligência americana.
Cirurgia secreta
As audiências
preparatórias têm sido extenuantes para Al Hawsawi, segundo o advogado Ruiz, já
que o movimento causa "muita dor e limita sua capacidade para se
apresentar".
Em ocasiões o traslado até
a sala de julgamento foi tão complicado que Al Hawsawi precisou parar e sentar
em uma almofada para aliviar a dor, de acordo com Ruiz.
O advogado disse que seu
cliente seria submetido a uma cirurgia - que pode inclusive já ter ocorrido -
para poder lidar melhor com o transtorno e que ajudaria em sua defesa.
Mas ele considera
"inaceitável" que não lhe tenha sido informado em que condições se
daria a cirurgia, já que a operação é delicada e há dúvidas de que haja
estrutura e instalações adequadas para tanto na base de Guantánamo.
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Os
atentados de 11 de setembro deixaram quase 3 mil mortos
Foto:
Getty Images
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Mas ele garante que
orientou a equipe médica local a atender os pacientes com problemas de saúde
física ou mental sob "juízo e normas padrões do que se aplica às equipes
de Forças Armadas americanas".
Para o advogado Walter
Ruiz, o primordial é que as autoridades "facilitem a reabilitação" de
Al Hawsawi e, então, que se defina sua situação.
Para o Grupo de Trabalho
sobre a Detenção Arbitrária da ONU, o fato de as autoridades americanas
manterem Al Hawsawi é "arbitrária, já que contraria os artigos 9 e 10 da
Declaração Universal de Direitos Humanos."
Guantanamo segue
Quando Barack Obama
assumiu a Presidência dos Estados Unidos, assinou uma ordem executiva para
fechar a base militar de Guantánamo - uma de suas promessas de campanha por
causa das acusações de violações de direitos humanos.
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Barack
Obama assinou em 2009 uma ordem executiva para fechar a prisão de Guantánamo,
mas em 2016 ainda restam 61 pessoas presas lá
Foto:
Getty Images
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No início de 2009, havia
242 presos no local, segundo o Departamento de Defesa e, desde então, a maior
parte deles foi enviada a outros países - alguns sem acusações e em liberdade.
A três meses de Obama
deixar o cargo, ainda restam 61 presos em Guantánamo e é provável que ele não
consiga cumprir a promessa feita após dois mandatos.
Entre os presos, estão os
suspeitos mais importantes do 11 de setembro.
O presidente
responsabiliza o Congresso americano, que é composto em sua maioria por
representantes da oposição, por "impor restrições" para que os presos
fossem enviados a outros países ou a outros centros de detenção nos Estados
Unidos.
"A reparação adequada
seria colocá-lo em liberdade e conceder-lhe o direito de obter uma
indenização", conforme o Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, segundo uma resolução aprovada em 20 de novembro de 2014.
No entanto, Al Hawsawi é
suspeito do que o então presidente americano George W. Bush descreveu como um
ato que "mostrou o pior da natureza humana" e sobre o qual prometeu "encontrar
e punir todos os culpados".
post: Marcelo Ferla
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