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sábado, 19 de dezembro de 2015

O perigo mora ao lado.

O perigo mora ao lado.
Um vizinho foi preso por, numa troca de mensagens, mandar fotos do pênis e marcar encontro com criança de 11 anos. Seria "apenas" louco?
Crônica / Matheus Pichonelli


Nada pode ser mais arbitrário do que se opor a esse direito de falar. Caso contrário, vamos passar a vida toda atribuindo a violência sexual a um ato de loucura.
Um vizinho de 33 anos foi preso em flagrante, na quarta-feira 11, em Valinhos (SP), após trocar mensagens e marcar um encontro com uma criança, também moradora do nosso condomínio, de 11 anos.
As mensagens foram monitoradas pela polícia depois de uma denúncia feita pela mãe. 

Antes do convite para se encontrarem, numa igreja perto de casa, ele já havia pedido fotos da garota, chamada por ele de "amor", e enviado imagens de seu pênis.
A prisão do suspeito, que se casara e se mudara havia pouco para a vizinhança, foi, como não poderia deixar de ser, o assunto em nossa cidade, um cenário perfeito para a refilmagem de Dogville no Brasil. 

"Pega", "mata", "esfola" foram algumas das expressões mais ouvidas nas últimas horas. Um vizinho mais moderado, ciente só agora dos perigos que todos corriam na área de lazer, chegou a sugerir: o sujeito é louco.
Não é.
Pelas provas levantadas até agora, é possível supor que o rapaz sabia o que fazia. E não agia como um louco, um sujeito patológico desabilitado de qualquer convívio.
Agia como homem: um homem nascido e criado em um contexto em que as diferenças de idade, cargo, função ou posição social não são motivos de constrangimento, mas elementos a seu favor. Entre as mensagens monitoradas havia, por exemplo, fotos e convites para andar no seu carrão.
Esse avanço sobre uma criança é o avanço de quem não reconhece, ou não quer reconhecer, o limite da própria ação. E esse avanço não é uma patologia: está no centro de uma discussão, reverberada com força nas últimas semanas, sobre a violência contra mulheres no Brasil – algo que muitos homens se negam a reconhecer, muitas vezes de forma virulenta, como algo que acontece o tempo todo. Muitas vezes sob seu consentimento inconfesso.
Quando meu vizinho atentou para a loucura do sujeito, lembrei do que minha amiga, editora e conselheira de todas as horas Clarice Cardoso havia escrito sobre sua participação, há duas semanas, em uma manifestação contra a violência sexual, em São Paulo.
Ali, um homem, indignado com a causa, decidira se masturbar na sua frente, seguro de que nada poderia acontecer com ele em uma via pública. 

Ela escreveu a respeito e, como resposta, tem recebido há duas semanas uma coleção de fotos de pênis de usuários do Facebook.
A manifestação tinha como gota d'água a votação, na Câmara, de um projeto que dificultava o atendimento de mulheres vítimas de violência sexual na rede de saúde.
E acontecia em um momento em que mulheres, revoltadas com as mensagens postadas nas redes por homens (nenhum deles louco, ao que parece) sobre uma criança participante de um programa na TV, relatavam, também nas redes, episódios em que foram assediadas na infância e na adolescência por homens adultos.
Não eram meninas distantes de alguma localidade da Índia, mas nossas amigas, irmãs, filhas e mães que passaram anos em silêncio diante da vergonha e do constrangimento. 

Os agressores, para surpresa de muitos, não eram “loucos”, mas homens próximos de suas relações.
Tudo isso em um contexto em que se divulgava, por aqui, a palavra mais buscada num conhecido site internacional de pornografia: "novinha".
Em sites similares, pipocam vídeos, compartilhados por pais de família e até deputados em plenário, de adolescentes que tiveram a intimidade dilacerada pelo parceiro, mas não só: nesses sites, jovens, maiores ou menores de 18 anos, atores profissionais ou amadores, são expostas entre uniformes escolares, meias três-quartos, chuquinha, brinquedos, ursinhos, pirulitos.
Ali e fora dali, são proibidas de desfilar em pelos, convertendo os próprios corpos em uma obsessão masculina de se relacionar com quem não atingiu ainda a puberdade.
"Meninas amadurecem antes dos meninos", costumam dizer os tiozões da família, da escola e da vizinhança – nenhum deles, aparentemente, “louco”

Eles associam, assim, o corpo feminino a uma consciência e compreensão do mundo (e das relações de poder) que ninguém pode atingir no turbilhão da adolescência.
É a deixa para tirá-las do convívio dos garotos de sua idade e ficarem a mercê de um universo adulto moldado para colocar seus corpos a serviço de outros propósitos, a começar pelas funções na casa. 

Não importa a violência dessa retirada forçada (e construída): até o fim da vida, poucos se importarão para a sua fala. Ainda que falem.
Entre os desejos masculinos e o outro corpo não está nunca um “sujeito”. O que existe é um corpo à mostra. 

Por isso se esbarram. 

Encoxam. 

Assoviam. 

Gritam. 

Agridem quando contrariados. 

"Tudo o que é bonito é pra se mostrar". "Um tapinhas não dói"

A ordem está no refrão. Está no outdoor. 

Está na personagem da novela chamada pelo galã de "sweet child"

E no intérprete do galã que aparece agora na propaganda de cerveja para falar ambiguidades sobre uma certa cerveja "proibida".
Até que um dia essa posição de domínio é contestada. 

Meninas e mulheres se organizam para gritar e tomar as ruas. 

E as reações dos meninões é rir. É debochar. 

É dizer, no jornalão, que só viu peitos e pessoas sem razão para reclamar – sem se atentar, na página seguinte, para uma notícia curiosa: um pré-candidato a prefeito do Rio acusado de espancar a companheira. 

Ninguém é exatamente “louco”, mas é aparentemente incapaz de ligar os pontos.
Dos deboches sobre o assedio às fotos de pênis enviadas, sem pedido, à minha amiga Clarice, todos agiram com a convicção de que nada aconteceria com eles. 

Entre seus desejos e suas ações jamais reconheceram barreiras. Não reconhecem o não. 

Não reconhecem sequer o direito de uma criança envelhecer de acordo com o tempo dela, e não da vontade dele.
Ouvir o que elas estão dizendo – nas ruas ou nas redes – é só o começo de um esforço de combate a uma violência naturalizada. Nada pode ser mais arbitrário do que se opor a esse direito de falar. 

Caso contrário, vamos passar a vida toda atribuindo a violência sexual a um ato de loucura. Até surgir um novo "louco" como o do meu prédio – que encontrou sinal verde para a sua violência em todos os cantos, a começar pela tela do celular.

post: Marcelo Ferla

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