Apontado como candidato ao Nobel de Literatura e finalista do Man Booker International Prize deste ano, o autor de livros consagrados como “Terra Sonâmbula”, “O Último Voo do Flamingo” e “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra” agora dá início à primeira trilogia de sua carreira, intitulada “As Areias do Imperador”.
Nela, Mia constrói um romance histórico sobre a época que o sul de seu país era governado por Ngungunyane, último líder do Estado de Gaza, segundo maior império do continente a ser comandado por um africano, combatido por Portugal por ameaçar o domínio da metrópole sobre sua colônia.
Apesar da história se passar no sudeste da África no final do século 19, as conexões que há entre a narrativa e o momento que vivemos são enormes.
Após a tragédia que a Samarco causou em Minas Gerais e no Espirito Santo, por exemplo, impossível passar incólume por trechos como “Nas minas não há corpos.
É tudo terra, pedras e gente, vivos e mortos: tudo terra, dentro da terra” ou “Esta é a história dos rios.
Poderão roubar a sua água até secarem.
Mas não roubarão a sua história”.
“Fico surpreso com o fato do que escrevi tão longe do Brasil e da possibilidade dessa tragédia de Mariana ser algo tão atual e presente”, diz Mia em entrevista ao UOL.
“O bem não é exclusividade da França, da Europa ou do Ocidente”, lembra o escritor.
Me parece que depois de 100 anos continuamos numa realidade muito parecida, não?
Uma maneira de mudar o presente é assumir com mais coragem o que foram os diversos passados e as diversas versões desses passados. Faltam as versões e visões de mundo dos vencidos, elas não chegaram até nós para escolhermos o que é melhor. Mas muita coisa mudou também. Moçambique, por exemplo, não é mais colônia.
Há uma melhora na consciência ecológica, na cidadania. Então não estamos no mesmo ponto que estávamos há cem anos, mas falta muito ainda, sobretudo uma leitura múltipla daquele tempo que ainda não passou.
É tudo terra, pedras e gente, vivos e mortos: tudo terra, dentro da terra” e também “Esta é a história dos rios. Poderão roubar a sua água até secarem.
Mas não roubarão a sua história”, além de falar de uma “terra onde deixam de escutar os rios”, referindo-se a Portugal.
Não só como escritor, mas como biólogo que é, como você vê essa tragédia que está acontecendo em Minas e no Espirito Santo?
Em Moçambique temos essa questão quase religiosa de que a terra não é privada, mas pertence aos antepassados.
Isso pode até parecer ingênuo, quase exótico, mas precisamos resgatar essa ideia de que não se mexe na terra, nos rios, sem que todos sejam consultados.
A obra dá início a uma trilogia. Por que a escolha por esse formato que se tornou quase um fetiche de alguns gêneros literários?
Nessa trilogia você cria uma narrativa sobre um momento importante para a história de Moçambique. Como a ficção deve ajudar a elucidar a realidade? E a história?
Voltando aos nossos dias, você também é de um país colonizado, chamado de terceiro mundo.
Como encara não só o que houve em Paris, mas outros atentados pelo mundo, como no Líbano e na Nigéria, no começo deste ano, e a volta do discurso que o Ocidente representa o bem que precisa combater algum mal?
É preciso se solidarizar com a França, claro, o ataque foi terrível, mas também precisamos estar atentos às pessoas que estão passando pelo mesmo em outras partes do mundo.
Não pode se esquecer que esses atentados são cotidianos no norte da África, no Oriente Médio… O que aconteceu em Paris acontece toda semana em outros lugares do planeta, e a nossa solidariedade não se manifesta da mesma maneira de quando isso ocorre na Europa.
Quando o Estados Islâmico massacra pessoas na Síria não estão a atacar a civilização também? Não estão a atacar o bem?
O bem não é exclusividade da França, da Europa ou do Ocidente.
Quais os perigos de se levar essa “governabilidade” e “moralidade” a um povo?
O perigo é pensar que exista uma única ideia de moralidade ou governabilidade, sem levar em conta a maneira como aquelas pessoas já encaravam o mundo.
Ninguém estava disposto a escutar o outro que já estava ali.
Há similaridades em aspectos muito sutis, como a ideia do tempo, o sentimento do corpo, como as pessoas se tocam quando falam…
Mas há também grandes diferenças.
Noto que durante um tempo o Brasil foi motivo de orgulho para nós por levar adiante programas de justiça social, por combater a pobreza… Apesar de toda questão política que isso se tornou, a verdade é que não nos esquecemos disso que o Brasil foi capaz de fazer nos últimos anos.
Também foi nos últimos anos que o Brasil teve uma política de aproximação com a África, principalmente em termos culturais.
O que isso tudo significa? Você é o melhor autor de língua portuguesa da atualidade, tem o melhor tradutor, é o que está sendo melhor compreendido…?
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