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sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Mia Couto: “O bem não é exclusividade da França, da Europa ou do Ocidente”.

Mia Couto: “O bem não é exclusividade da França, da Europa ou do Ocidente”.
Rodrigo Casarin


Não é exagero afirmar que o moçambicano Mia Couto é um dos escritores de língua portuguesa mais importantes da atualidade. 

Apontado como candidato ao Nobel de Literatura e finalista do Man Booker International Prize deste ano, o autor de livros consagrados como “Terra Sonâmbula”, “O Último Voo do Flamingo” e “Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra” agora dá início à primeira trilogia de sua carreira, intitulada “As Areias do Imperador”

Nela, Mia constrói um romance histórico sobre a época que o sul de seu país era governado por Ngungunyane, último líder do Estado de Gaza, segundo maior império do continente a ser comandado por um africano, combatido por Portugal por ameaçar o domínio da metrópole sobre sua colônia.


“Mulheres de Cinzas”, o livro de estreia da série, acaba de sair no Brasil pela Companhia das Letras. 

Apesar da história se passar no sudeste da África no final do século 19, as conexões que há entre a narrativa e o momento que vivemos são enormes. 

Após a tragédia que a Samarco causou em Minas Gerais e no Espirito Santo, por exemplo, impossível passar incólume por trechos como “Nas minas não há corpos. 

É tudo terra, pedras e gente, vivos e mortos: tudo terra, dentro da terra” ou “Esta é a história dos rios. 

Poderão roubar a sua água até secarem. 

Mas não roubarão a sua história”

“Fico surpreso com o fato do que escrevi tão longe do Brasil e da possibilidade dessa tragédia de Mariana ser algo tão atual e presente”, diz Mia em entrevista ao UOL.
Na conversa o autor também falou sobre as semelhanças e as diferenças dos tempos de hoje para aqueles vividos há mais de cem anos, de como o Brasil é visto pelos moçambicanos e dos atentados terroristas que acontecem não apenas em Paris, mas também em outras partes do mundo, tratados com um maniqueísmo que parece nos induzir a uma grande guerra. 

“O bem não é exclusividade da França, da Europa ou do Ocidente”, lembra o escritor.
“Mulheres de Cinzas trata, de alguma forma, de pobres que são os primeiros a morrer nas guerras e de como as mulheres ficam ainda mais fragilizadas nessas situações, além de mostrar a falta de respeito dos colonizadores pelas culturas locais, principalmente o modo como lidam com a natureza. 

Me parece que depois de 100 anos continuamos numa realidade muito parecida, não?
Eu acho que sim. Nós construímos esse presente que vivemos hoje na base de um passado equivocado. 

Uma maneira de mudar o presente é assumir com mais coragem o que foram os diversos passados e as diversas versões desses passados. Faltam as versões e visões de mundo dos vencidos, elas não chegaram até nós para escolhermos o que é melhor. Mas muita coisa mudou também. Moçambique, por exemplo, não é mais colônia. 

Há uma melhora na consciência ecológica, na cidadania. Então não estamos no mesmo ponto que estávamos há cem anos, mas falta muito ainda, sobretudo uma leitura múltipla daquele tempo que ainda não passou.
No romance você escreve “Nas minas não há corpos. 

É tudo terra, pedras e gente, vivos e mortos: tudo terra, dentro da terra” e também “Esta é a história dos rios. Poderão roubar a sua água até secarem. 

Mas não roubarão a sua história”, além de falar de uma “terra onde deixam de escutar os rios”, referindo-se a Portugal. 

Não só como escritor, mas como biólogo que é, como você vê essa tragédia que está acontecendo em Minas e no Espirito Santo?
Fico surpreso com o fato do que escrevi tão longe do Brasil e da possibilidade dessa tragédia de Mariana ser algo tão atual e presente. As mineradoras no mundo têm que rever profundamente o respeito pelas pessoas, em primeiro lugar, e pelo equilíbrio [ecológico]. 

Em Moçambique temos essa questão quase religiosa de que a terra não é privada, mas pertence aos antepassados. 

Isso pode até parecer ingênuo, quase exótico, mas precisamos resgatar essa ideia de que não se mexe na terra, nos rios, sem que todos sejam consultados.

A obra dá início a uma trilogia. Por que a escolha por esse formato que se tornou quase um fetiche de alguns gêneros literários?
Foi um acaso. Conforme comecei a pesquisar e achar um material tão rico, seja nos documentos dos portugueses, seja na oralidade dos moçambicanos, percebi que não caberia tudo em um único livro, que a história teria que ser mais densa.

Nessa trilogia você cria uma narrativa sobre um momento importante para a história de Moçambique. Como a ficção deve ajudar a elucidar a realidade? E a história?
O melhor que a ficção pode fazer é mostrar que aquilo que chamamos de realidade também é uma ficção, construída de acordo com interesses políticos. A história ensinada na escola também é uma construção feita de acordo com esses interesses. Se a ficção for capaz de mostrar isso, já faz muito.

Voltando aos nossos dias, você também é de um país colonizado, chamado de terceiro mundo. 

Como encara não só o que houve em Paris, mas outros atentados pelo mundo, como no Líbano e na Nigéria, no começo deste ano, e a volta do discurso que o Ocidente representa o bem que precisa combater algum mal?
Uma coisa é tão grave quanto a outra, tanto a violência em nome de Deus feita pelos radicais islâmicos, quanto essa ideia maniqueísta de que o Ocidente é o bem que está sendo atacado pelos outros, que são o mal. 

É preciso se solidarizar com a França, claro, o ataque foi terrível, mas também precisamos estar atentos às pessoas que estão passando pelo mesmo em outras partes do mundo. 

Não pode se esquecer que esses atentados são cotidianos no norte da África, no Oriente Médio… O que aconteceu em Paris acontece toda semana em outros lugares do planeta, e a nossa solidariedade não se manifesta da mesma maneira de quando isso ocorre na Europa. 

Quando o Estados Islâmico massacra pessoas na Síria não estão a atacar a civilização também? Não estão a atacar o bem? 

O bem não é exclusividade da França, da Europa ou do Ocidente.
“Os nossos domínios, que tão pomposamente chamamos de 'Terras da Coroa', encontram-se votados ao desgoverno e à imoralidade”, diz um dos personagens portugueses do livro. 

Quais os perigos de se levar essa “governabilidade” e “moralidade” a um povo?

O perigo é pensar que exista uma única ideia de moralidade ou governabilidade, sem levar em conta a maneira como aquelas pessoas já encaravam o mundo. 

Ninguém estava disposto a escutar o outro que já estava ali.
Você vem frequentemente ao Brasil. Hoje, qual a importância do país para você? Quais as semelhanças e principais diferenças para Moçambique?
Somos parentes em muitas coisas. 

Há similaridades em aspectos muito sutis, como a ideia do tempo, o sentimento do corpo, como as pessoas se tocam quando falam… 

Mas há também grandes diferenças. 

Noto que durante um tempo o Brasil foi motivo de orgulho para nós por levar adiante programas de justiça social, por combater a pobreza… Apesar de toda questão política que isso se tornou, a verdade é que não nos esquecemos disso que o Brasil foi capaz de fazer nos últimos anos. 

Também foi nos últimos anos que o Brasil teve uma política de aproximação com a África, principalmente em termos culturais.
Você já apareceu na lista de prováveis vencedores do Nobel de Literatura, neste ano foi o primeiro autor de língua portuguesa a chegar à final do Man Booker International Prize e em 2014 venceu o Neustadt International Prize. 

O que isso tudo significa? Você é o melhor autor de língua portuguesa da atualidade, tem o melhor tradutor, é o que está sendo melhor compreendido…?
Não, não tem nada disso. 

Obviamente que tudo isso é um grande motivo de orgulho, mas acho triste que um artista, seja escritor ou não, tenha um olhar voltado para os prêmios ou algo do tipo, sejam eles quais for. Nada mudou no que faço.

post: Marcelo Ferla

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