Neste último, Charlotte e Eduard vivem numa casa no campo e recebem visitas pelas quais sentem-se atraídos e até apaixonados.
A expressão “afinidades eletivas” (proveniente da química) inspirou Goethe a escrever esse livro que se tornou um clássico do romantismo e deve também ter inspirado Schroeder a construir o encontro entre Copi e Renê reinventando, de certo modo, o romantismo na era de sua impossibilidade.
Carlos Henrique Schroeder |
Não podemos mais idealizar, e, portanto, amar como no romantismo, mas ainda podemos fantasiar e, portanto, compreender que o amor não existe senão como uma figura de ficção impossível.
Se em Goethe amar era inevitável, em “As Fantasias Eletivas” de Carlos Henrique Schroeder já não é possível amar. Não é possível amar e não amaremos, mas um resquício do que era amar, nos atormentará para sempre.
E, por isso, amamos de um outro modo: porque é absurdo amar, amamos não amando.
Se o século 18 matou Deus, é o amor que está morto no século 21 e, por isso, convivemos com esse amor-zumbi, esse amor perdido, procurando um canto para lamber as feridas de uma vida emocionalmente dilacerada.
O romantismo em Goethe estava no ato de confrontar razão e emoção, consciente e inconsciente, natureza e cultura, lei e desejo, masculino e feminino, sagrado e profano.
É neste jogo de opostos, nessa verdadeira tensão (que podemos chamar, mais uma vez, de dialética, ainda que negativa) que o casal Charlotte e Eduard sofrem em sua relação até o final trágico da história.
Não há mais uma mulher “natural” como protagonista ou como “musa” que se idealiza pelo discurso.
A figura da mulher era fundamental no romantismo clássico, assim Charlotte no romance de Goethe.
Ora, sabemos que não existe mulher “natural” desde que Simone de Beauvoir desvendou a criação, ou a construção social da mulher celebrizada na fórmula “ninguém nasce mulher, mas se torna mulher”.
Copi é a novidade no livro de Schroeder que de tão romântico, ao nível também formal, deixa de ser apenas um “romance” para ser poesia e colagem, portanto, narrativa na base do fragmento, bem ao gosto do romantismo mais clássico…
A mulher é uma lembrança.
Alguém que é poupada do que se passa na vida subjetiva de um homem atormentado por ciúmes incontroláveis. Renê, o homem de “As Fantasias Eletivas” é posicionado no seu lugar emocionalmente miserável, praticamente um anti-herói. Alguém que não pode se entregar e que teria justamente nesta entrega a sua salvação. Ele está perdido.
O homem é praticamente um pobre coitado, ser aprisionado à sua representação ameaçada. Renê tem seu desejo sempre confrontado e precisa permanecer seguro contra Copi.
O homem é, afinal, aquele que não cede ao desejo que a travesti corporifica.
Que vantagem há nisso senão a de se representar a si como homem? Nenhuma.
Duas vezes: nenhuma.
Ser homem é, no livro de Schroeder, uma desvantagem atroz.
Renê não quer ouvir o que Copi tem a dizer justamente naquela parte em que Copi sabe que é preciso dizer o que não se deixa dizer.
O que só pode ser dito pela reflexão, pela fantasia, pelo sonho, pela imaginação, pela poesia e pela ficção.
Mesmo assim, relutante, Renê a ouve. E o que ele descobre é a solidão para a qual ele nunca esteve preparado e que, no entanto, é o seu próprio destino.
post: Marcelo Ferla
texto: Marcia Tiburi
fonte: Obvius
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