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quinta-feira, 9 de abril de 2015
Cinema.
Cinema africano desafia
preconceitos para expandir horizontes.
Produções
e festivais promovem o novo cinema da África, que filma questões do continente
para além dos estereótipos.
Fragmento
do documentário "Born This Way", que mostra grupo de pessoas LGBTI em
Camarões, onde a homossexualidade é ilegal.
“Meus filmes não vão
libertar ninguém. É egoísta e falacioso pensar isso”, afirma o cineasta
sul-africano Khalo Matabane depois de uma exibição de seu documentário “Nelson
Mandela: The Myth and Me” [“Nelson Mandela: O Mito e Eu”, em tradução livre]. O
filme – um belo e sensível retrato de questões como privilégio e oportunismo, e
ciclos de abuso, perdão e vingança na África do Sul pós-apartheid – causou
polêmica entre algumas audiências, que ficaram horrorizadas devido ao
questionamento, na obra, da sabedoria de algumas escolhas e do legado de
Madiba. Mas Matabane rejeita a ideia de que filmes podem servir como um meio
para mudanças sociais.
“Quando comecei a fazer
filmes, com meus vinte e poucos anos, eu era fascinado por cinema – pensei que
poderia mudar o mundo”, lembra o cineasta. “Mas o sistema global é tão complexo
que a mudança é impossível. Você nunca pode falar em nome dos injustiçados do
mundo. As pessoas querem ser entretidas.”
Entretanto, enquanto
Matabane pode repudiar sua habilidade em provocar mudanças efetivas por meio
dos filmes, ele de certo modo já faz parte de um movimento que está
gradualmente transformando o mundo. Ele é um dos cineastas expoentes que filmam
assuntos africanos desafiando preconceitos e atingindo públicos africanos e
globais.
Rachel Boynton, produtora
e diretora norte-americana, também faz parte desse grupo. Seu último
documentário, “Big Men” [“Grandes homens”, em tradução livre], gravado na
Nigéria e em Gana, explora as atitudes e as mentalidades dos texanos do
petróleo, dos medíocres comerciantes ganenses, e dos “Deadly Underdogs” – um
grupo de “rebeldes” marginalizados desesperados ou, talvez, apenas rapazes
pobres ávidos para tomar parte dos lucros advindos do petróleo nos rios da
Nigéria – enquanto seguem tentando ganhar dinheiro com o boom do petróleo no
oeste da África. Boynton teve acesso especial a esses grupos, o que lhe
permitiu escancarar ambiguidades morais, corrupção, hipocrisia e humanidade em
“Big Men”.
“Nunca pretendi fazer um
filme político ou acabar com a indústria do petróleo”, diz Boynton. “Em
primeiro lugar, estava procurando uma boa história. A situação do petróleo é
complicada: não é simples, nem preto ou branco. Não se trata de o governo ser
benevolente ou ingênuo e a companhia de petróleo ser má ou vice-versa. Todos
estão um pouco limpos e um pouco sujos.”
“Moralmente, é um filme
dúbio, como deveria ser”, continua. “É fácil fazer um filme para mostrar quão
terrível uma pessoa é, mas se você fizer isso, está encorajando seu público a
não ter empatia, e você falha ao olhar o sistema, as estruturas, os fatores que
limitam e ditam o que as pessoas podem fazer.”
Causar empatia no público
é o objetivo central do filme “Born This Way” [“Nascido assim”, em tradução
livre], de acordo com o co-diretor Shaun Kadlec. O filme conta a história de
Esther, Gertrude, Cedric e outros membros da comunidade LGBTI que vivem em
Camarões, enquanto se conhecem e se tornam amigos. Mostra histórias
extremamente humanas, carinhosas e íntimas e explora o significado de ser gay
em um país em que a homossexualidade é ilegal e ativamente condenada por
algumas igrejas. No entanto, tem o cuidado de não cair na desesperança; em vez
disso, enfatiza a resiliência e a vontade de viver de seus protagonistas.
“Fiquei encantado de
verdade por este grupo empolgante, incrivelmente jovem e estável que, apesar
das situações realmente difíceis, ainda riam, criando uma comunidade de gays e
lésbicas em busca de formas de amar”, diz Kadlec.
Algumas pessoas podem
argumentar que a necessidade de produtores ocidentais ou de apoio do Ocidente
para esses filmes ainda afeta a habilidade de os africanos contarem suas
próprias histórias, mas Bill Simbo, ativista LGBTI camaronense e diretor
executivo da ONG CAMFED, que promove acesso à educação para meninas africanas,
discorda.
“A situação é complexa,
mas quando doadores americanos ou a Comissão Europeia debate temas como os
direitos gays e lésbicos, o africano médio pensa: ‘Isso é coisa dos ocidentais
de novo, é o europeu tentando promover a homossexualidade, indo contra a
natureza...’, mas isso é irrelevante. Filmes como esse são muito importantes. Eles mostram um lado humano, real, de um tema complicado. É necessário muita
coragem, tempo e apoio para fazer esse tipo de filme.”
Enquanto muitos dos filmes
mais vistos sobre assuntos relacionados a pessoas africanas ainda são
produzidos com apoio ocidental e, embora as oportunidades para cineastas
africanos ainda sejam limitadas, essa situação parece estar mudando.
O fato mais notável é a
indústria de filmes nigerianos “Nollywood” produzir mais filmes por ano do que
qualquer país, exceto a Índia. Muitos desses filmes são extremamente políticos
e confrontam corajosamente temas que vão da corrupção ao ocultismo. Filmes
populares de Nollywood, como “Zinabu” (1987), “Living in Bondage” (1993) e
“Billionaires Club” (2005), criticam claramente o imperialismo ocidental e
enfatizam os perigos da ganância, do materialismo e do abandono de valores
tradicionais.
Recentemente, “Gollywood”,
de Gana, se juntou à luta. A Associação de Produtores de Cinema de Gana (FIPAG,
na sigla em inglês) estima que haja cerca de oito mil pessoas trabalhando no
setor cinematográfico apenas na região norte do país. “Hillywood", de
Ruanda, também evoluiu consideravelmente nos últimos anos, com produções como
“Grey Matter” (2011) e “Chora Chora” (2012) – dois filmes locais raros,
profundamente políticos, atraentes tanto para o público local como para o
internacional. Nesse período, o Instituto de Cinema Kwetu, em Kigali, treinou
cerca de cem estudantes.
Esses novos filmes locais
parecem populares entre muitas pessoas africanas. Clara, gerente de programação
de uma ONG em Dar es Salaam, na Tanzânia, explica por que ela acha que esses
filmes fazem sucesso entre ela e seus amigos: “Eles são incrivelmente
inteligentes, a trama muda com rapidez e é cheia de ação. Podemos nos
identificar com os personagens, todos são um pouco ridículos e exagerados. Eu
me vejo ali, e vejo também quem me rodeia: a sogra invejosa e possessiva, a
ex-namorada louca, o filho materialista ambicioso e ladrão, o pai ameaçador e
infiel com a jovem amante, a trama da madrasta má. É como Dallas, mas com
pessoas negras africanas.”
Na África Oriental,
cinéfilos como Clara podem assistir a filmes de Nollywood, Gollywood e
Hillywood em barracas comunitárias por um preço razoável. Geralmente, eles se
sentam em bancos de madeira rústicos e, em épocas chuvosas, os espectadores se
esquivam das goteiras que surgem nos telhados de metal. Em geral, as exibições
são feitas com o uso de DVDs piratas e tendem a ser eventos sociais bem
barulhentos.
Com o nascimento dessas
indústrias africanas, também existe uma notável explosão de filmes de baixo
orçamento, em que os diretores usam seus smartphones em um meio de transporte
público local (tro-tro em Gana, dala dala na Tanzânia, matatus em Uganda). No
começo deste ano, por exemplo, o diretor sul-africano Errol Schwartz escreveu,
dirigiu e protagonizou o “The Magic Bullet”, um thriller gravado em um iPhone
que fez com ele que ganhasse o primeiro prêmio do iPhone Film Festival. Nick
Asgill, de Serra Leoa, levou um prêmio na categoria de Melhor Trailer, por seu
filme que trata a política de forma sutil e o seu regresso a sua casa, “Routes
To My Rootz”, também filmado com o iPhone.
Essas novas oportunidades
e novos formatos de filmes estão criando modos inovadores para pessoas
africanas examinarem suas próprias comunidades e contarem histórias relevantes
para elas, não se restringindo somente ao entretenimento. Esse empenho recebeu
reforço com o aparecimento de vários festivais, eventos culturais e fóruns. Por
exemplo, Uganda sedia diversos festivais culturais e de cinema, como o Festival
Internacional de Artes Bayimba e o Festival Internacional de Cinema sobre
Direitos Humanos Manya; enquanto a Tanzânia sedia o Festival Intelectual
Mwalimu Nyerere anualmente. Esses eventos permitem que cineastas e público
tenham a chance de ver o que o resto do mundo está fazendo, de aprender uns com
os outros e de fazer parcerias. Zimbabuanos podem trocar ideias com sírios,
afegãos e sul-africanos.
Apesar do sucesso de
“Mandela: The Myth and I”, Matabane ainda pode insistir que ninguém será
“libertado” pelos seus filmes. Entretanto, ele não pode negar que junto com um
número cada vez maior de cineastas conscientes, apoiados internacionalmente,
uma indústria crescente de filmes nacionais e vários indivíduos criativos e
corajosos, os filmes africanos estão em alta e encontram maneiras novas de
entreter, informar e inspirar públicos do próprio continente e ao redor do
mundo.
post: Marcelo Ferla
Tradução: Isis Shinagawa
Texto original publicado
no site Think Africa Press, que apresenta matérias e artigos sobre temas
relacionados a países africanos.
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