Laudo sobre morte de Jango
é inconclusivo.
Segundo
perícia, dados clínicos são compatíveis com causas naturais, mas não é possível
afastar a possibilidade de envenenamento.
por
Guilherme Mazui | RBS Brasília
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Jango em comício na Central do Brasil, em 1964
Foto: Arquivo Memorias Reveladas/MJ / Agência Brasil
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As interrogações que já
duram quase 38 anos continuam.
O laudo sobre a análise dos restos mortais do
ex-presidente João Goulart não conseguiu esclarecer se o líder trabalhista foi
envenenado ou vítima de um ataque cardíaco, em dezembro de 1976.
O anúncio do resultado foi
feito na manhã desta segunda-feira pela ministra da Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência (SDH), Ideli Salvatti.
Os filhos e netos do líder
trabalhista tiveram o primeiro acesso ao laudo.
A perícia concluiu que os
dados clínicos e as circunstâncias da morte de Jango são compatíveis com causas
naturais.
Contudo, não é possível afastar a possibilidade de envenenamento, em
virtude das mudanças químicas e físicas pelas quais o corpo passou em quase
quatro décadas. Os exames toxicológicos não encontraram as substâncias listadas
pela perícia.
Ao todo, foram testadas cerca de 700 mil substâncias.
— Nenhum medicamento
tóxico ou veneno foi identificado nas amostras analisadas. Os resultados de
todos os nossos exames podem concluir que os dados clínicos e as circunstancias
relatadas pela esposa (Maria Thereza Goulart), são compatíveis com morte
natural — afirmou o perito da Polícia Federal, Jeferson Evangelista Corrêa, que
completou: — Inobstante a negativa dos resultados dos exames toxicológicos,
também não é possível negar que a morte tenha decorrido de um envenenamento.
A possibilidade deste
resultado já era aguardada pela família e pelo governo brasileiro, em virtude
do longo tempo transcorrido desde a morte de Jango, em dezembro de 1976, na
Argentina, durante o exílio.
As análises foram feitas com base em amostras
coletadas durante a exumação do político gaúcho, em novembro de 2013, ou seja,
37 anos depois da sua morte.
As análises toxicológicas
identificaram substâncias do cotidiano do líder trabalhista, como xampu e
medicamento que ele usava para tratar uma doença coronariana.
Jango era
cardíaco, fumava e costumava abusar de carne vermelha e uísque, o que torna
plausível a hipótese de um infarto do miocárdio.
No entanto, seu corpo não
passou por necropsia. Sobre venenos, os peritos destacaram que, passados 37
anos, eventuais substâncias tóxicas podem ter desaparecido.
— Não há elemento científico
para afirmar que houve ou não uma morte natural. Também não foi encontrada uma
substância que possa indicar uma morte violenta, não podemos excluir a
possibilidade de envenenamento — disse o perito cubano Jorge Perez, que
acompanhou os procedimentos a pedido da família Goulart.
Na última semana, peritos
brasileiros e estrangeiros estiveram reunidos no Instituto Nacional de
Criminalística da Polícia Federal, em Brasília, onde cruzaram exames
toxicológicos e de gases em busca de uma substância letal que pudesse ter
matado Jango, conforme suspeitas diante de denúncias de que o ex-presidente,
deposto pelo golpe militar de 1964, teria sido envenenado por uma conspiração
entre as ditaduras do Cone Sul.
Técnicos do Brasil,
Argentina, Uruguai, Cuba, Portugal e Espanha trabalharam no laudo final com
base em uma série de testes. O laboratório paulista Tasqa analisou os gases
retirados do jazigo de Jango, em São Borja.
Já os exames toxicológicos foram
realizados pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, de
Portugal, e pelo Serviço Externo de Ciências e Técnicas Forenses, da Espanha.
Neto de Goulart e médico, João Marcelo acompanhou as análises em Brasília.
A SDH acatou decisão da
família, corroborada por liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de não
divulgar as fotos que constam no laudo final. São imagens diversas do corpo do
ex-presidente durante a perícia.
O laudo final será revisado, sendo que a Comissão
Nacional da Verdade (CNV), o Ministério Público Federal (MPF) e a Justiça
argentina, onde ocorre uma investigação da morte de Jango, receberão a versão
sem imagens.
O laudo completo ficará sob guarda da Polícia Federal. A ministra
Ideli Salvatti negou qualquer atrito com os familiares.
— Somente em uma
democracia nós realizamos uma cerimônia como essa — destacou a ministra. — O
laudo é parte de um processo de investigação, ele não é a conclusão em si. A
exumação faz parte do resgate da história de João Goulart — completou.
Após o resultado, a
família espera que prossigam as investigações sobre a morte de Jango, dentro de
uma ação do MPF. Depoimentos de agentes da repressão, incluindo estrangeiros
como Frederick Latrash e Michael Townley, e acesso aos arquivos americanos
ainda não desclassificados são passos sugeridos.
— Sabíamos que poderíamos
chegar a esse resultado e sabemos que vamos continuar lutando — afirmou João
Vicente Goulart, filho de Jango.
O herdeiro insiste na
importância de o governo brasileiro ouvir os depoimentos dos agentes americanos
Latrash e Townley. O laudo final também será encaminhado para autoridades
argentinas com a intenção de ouvir os dois.
— Cabe ao Ministério
Público, em nome não só de Jango, mas em nome da democracia brasileira, que
eles continuem e transformem a investigação em ação cautelar, pedindo a oitiva
dos agentes americanos, que até hoje não foi feita e que outros países já
fizeram — reforçou João Vicente.
post: Marcelo Ferla
fonte: Zero Hora
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