Os pensamentos sombrios, os galanteios, a falta de esperança, o bom humor.
O cinema de Woody Allen contém todos esses elementos, Woody Allen se compõe de todos eles, e todos eles aparecem ao longo dessa entrevista realizada em um luxuoso hotel de Paris.
Perto de completar 80 anos, o velho Allan Stewart Königsberg, mago da palavra cinematográfica, reverenciado diretor e agudo comediante, autor de filmes deslumbrantes como Manhattan; Noivo Neurótico, Noiva Nervosa; Zelig ou Crimes e pecados, entre muitos outros, aparece fiel a seu encontro anual com a tela grande, um compromisso do qual só se furtou duas vezes desde 1996.
Um filme por ano.
Sua compulsão para a produção de longas-metragens não tem igual. E assim já se vão 46 filmes atrás da câmera.
Só se incomoda quando é perguntado sobre a acusação de sua filha adotiva Dylan Farrow, que afirma ter sido vítima de abuso sexual quando tinha sete anos.
Apesar de o caso ter sido rejeitado em 1993 por falta de provas, Dylan Farrow escreveu em fevereiro passado uma carta ao The New York Times na qual voltava a acusá-lo.
Só no que tange essa questão é que Allen se mexe na poltrona, sobrepõe sua argumentação ao enunciado da pergunta e faz todo o possível para evitar a questão.
De vez em quando, por trás de suas palavras, emerge seu sorriso de menino travesso.
Totalmente.
As perguntas importantes ficam conosco e não têm resposta. Por que estamos aqui? O que estamos fazendo aqui? Onde isso vai dar? Por que é importante envelhecermos, por que morremos? O que significa a vida?
E se não significa nada, de que serve? Essas são as grandes questões que nos deixam loucos, não têm resposta, e é preciso seguir adiante e esquecer-se delas.
Woddy Allen durante a filmagem do novo filme, junto a Colin Firth |
Consegui ver que você nasce, que não sabe por que nasce, que vive um certo número de anos, imprevisivelmente, pode morrer a qualquer momento, pode morrer aos 5 anos ou aos 15 ou aos 50, você nunca vai se sentir seguro e relaxado, sempre têm de estar alerta; e até com isso, finalmente, você vai morrer; você está condenado à morte desde o nascimento; ganha uma pena de morte no instante em que nasce, então “muito obrigado!” E tudo isso para quê?
Tenho saúde, graças a Deus, e continuo trabalhando, é agradável. Mas isso não diz nada sobre a qualidade dos filmes. Se me dissesse que fiz grandes filmes, um atrás do outro, desde 1966, isso seria um engano.
Ah, sim; acho que fiz alguns filmes bons; não grandes filmes, mas filmes bons.
“Saiu como eu queria, é exatamente o que eu queria!”.
Sim, não estava contente quando acabei Manhattan porque não consegui o que queria. As pessoas gostaram, ótimo, mas não é o que eu queria. A mesma coisa aconteceu em Hannah e suas irmãs, que foi um grande sucesso, mas não para mim.
O diretor
junto a Colin Firth em outro momento da filmagem.
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Sim, me permite não pensar em questões sombrias. Penso se poderei contratar Emma Stone para o filme, ou Colin Firth; se devo rodá-lo no sul da França ou em Boston.
Esses problemas triviais podem ser solucionados e, se não se resolvem, ninguém me mata; se tudo sai mal, mal, mal, o resultado é, simplesmente, que tenho um filme ruim. Os outros problemas, os que não consigo resolver, é que me matam.
Não, eu separo muito bem as coisas.
Eu só trabalho, não leio o que dizem sobre mim na imprensa, nunca leio as críticas sobre meus filmes, nem vejo meus filmes. Nunca vi de novo Um assaltante bem trapalhão desde 1967, quando rodei... Eu só trabalho; é a única coisa importante para mim; nem os prêmios, nem as críticas, nem as questões financeiras... Não leio o que se publica de mim na imprensa; seja bom ou ruim, críticas...
Sim, tive de corrigir alguma coisa.
Tive de corrigir alguma coisa e fiz isso. Escrevi rapidamente, não levou mais de uma hora. E foi tudo.
Até certo ponto. Não sou cheio de fobias, tenho algumas. Não entro em túneis, sou claustrofóbico. Não sou hipocondríaco; sou mais um alarmista: não imagino que estou doente, mas se vejo uma coisinha pequena aqui, uma picada de mosquito, penso que é um tumor cerebral. Tenho peculiaridades, mas não são perigosas...
Sim, sempre lutei contra isso. Quem dera não fosse tão tímido, teria tido uma vida melhor.
Não. Foi por questões de financiamento, no início. Sempre fui independente, sempre tive o corte final, nunca, nunca, nunca, tocaram em meus filmes, desde o primeiro que fiz.
Completamente, 100% livre.
Desde que meus filmes não sejam muito caros, o que eu faço dá no mesmo. Tive problemas para conseguir dinheiro e me propuseram que fizesse Match Point em Londres, e assim me financiariam, então fui e gostei. Depois me chamaram da Espanha para que fizesse um filme em Barcelona.
Adorei, tive uma ótima experiência. Gosto muito da Espanha em geral. Minha mulher e eu passamos muito bem. Moramos em Barcelona por uma temporada, toquei muito jazz. Gostei muito de Madri quando fui, San Sebastián... E Oviedo me deixou louco: se em algum momento tiver de me aposentar, Oviedo seria o lugar.
Não sou um intelectual, mas as pessoas pensam que sou porque tenho a aparência que se atribui aos intelectuais.
Mas eles não têm um aspecto especial; têm o mesmo dos levantadores de pesos ou dos jogadores de beisebol... Há anos, se você lesse muito, acabava com a vista, e se usasse óculos era porque lia muito, porque era uma pessoa de livros. Mas eu não sou um intelectual.
Sim, não sou um intelectual. Gosto de tocar jazz; gosto de assistir basquete, beisebol, futebol americano, tênis, gosto de esporte... Não são atividades de intelectual.
Woody
Allen e Penélope Cruz, a quem dirigiu em 'Para Roma com amor'.
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Não, não muito. De vez em quando gostaria de fazer um filme em Nova York, porque sou louco pela cidade de Nova York, mas não é que eu vá ao Sudão ou à Líbia filmar; vou fazer filmes em Barcelona, Londres, Paris, Roma...
Ah, sim, para mim as cidades são personagens vivos, como Nova York. O lugar em que estou é muito importante para mim, sou muito urbano e gosto que o público sinta a cidade como eu sinto. Com Nova York costumavam me dizer o mesmo, que não era exatamente como eu retratava.
Como turista, não me apaixono por todas as cidades que vou, viajei por toda a Europa. Mas tive um sentimento muito apaixonado pelas cidades em que filmei.
Não sou uma pessoa de prêmios. É possível dizer qual é o filme favorito de alguém, mas não qual é o melhor filme.
Quem pode dizer isso? São avaliações pessoais, não significam nada. Para o Oscar, as pessoas fazem campanha e gastam milhões de dólares para comprar esses prêmios.
Sou muito pessimista porque o problema do mundo é que ele depende das pessoas. Se você olhar a história, vê que as pessoas não fizeram um bom trabalho administrando-o, cuidando dele, vivendo nele. Não tenho muito claro que o mundo vá sobreviver; não há muitas razões para o otimismo no momento, talvez em alguns anos haja melhores perspectivas.
Bem, há uma porção de pessoas agradáveis. Mas ou não há suficiente, ou são passivas demais, ou a tarefa é opressiva; ou os maus têm mais ambição e energia. Mas é difícil encontrar um ponto luminoso na história da humanidade.
As pessoas, em geral, estão assustadas. E quando estão assustadas, agem equivocadamente, se comportam mal.
É a condição humana, a trágica condição da existência.
As pessoas estão ansiosas e assustadas, não têm nada em que crer, nem têm esperança, e a vida é muito complicada, então se comportam mal.
Se amanhã ficasse claro que a vida tem sentido, ou que há um deus no universo, sem dúvida as pessoas agiriam melhor e a situação mudaria radicalmente para melhor. Não é que as pessoas sejam inerentemente más, é que elas têm medo e por isso se comportam mal.
Eu estou tão assustado quanto todo mundo, mais do que a maioria; e sou uma das pessoas que se comporta decentemente apesar de tudo. Há pessoas assim, mas não muitas.
Não tenho planos de me aposentar no momento.
Mas posso voltar ao meu quarto e ter um infarto e ficar mal, então me aposentaria. Se a saúde aguentar, se eu estiver bem e as pessoas quiserem colocar dinheiro em meus filmes, não vou me aposentar. Se adoecer ou a idade me atrapalhar de uma forma que me envergonhe, ou não conseguir dinheiro para os meus filmes, então me aposento.
Não sei. Duas garçonetes de 20 anos servindo coquetéis.
Não preciso de mais nada!
Não, estou em forma!
post: Marcelo Ferla
fonte: El País
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