O diretor editorial do
site Opera Mundi Breno Altman nos traz com este texto outro ponto de vista da
história que antecedeu a construção do muro de Berlim, os motivos que levaram a
este ser construído, bem como os vários exemplos que temos, atualmente, e que
são semelhantes, senão piores do que fora o muro que dividiu famílias por mais
de três décadas.
Ao contrário das
comemorações que estão sendo vinculadas nestas últimas semanas, todas de
caráter libertário, o autor deste texto nos mostra que a história deste muro
das lamentações da era moderna não é feita tão somente de atos no dia de sua
queda, mas de uma intrincada e complexa gama de interesses políticos e manobras
nesta área queda eram origem a severos problemas de conflito existentes até
hoje.
QUEDA
DO MURO VIROU MITO DE VENCEDORES.
por
Breno Altman
O noticiário internacional
está marcado, nos últimos dias, pelas festividades comemorativas dos 25 anos da
queda do Muro de Berlim. A maioria da imprensa celebra o evento com galhardia.
Trata-se, afinal, do
símbolo mais emblemático da derrocada do socialismo e da possibilidade
histórica de qualquer sistema distinto do capitalismo triunfante.
A conjugação de uma
incrível máquina de propaganda com o complexo de vira-lata comum aos perdedores
foi capaz de atrair para essa comemoração amplos setores progressistas e de
esquerda, que simplesmente mandaram às favas qualquer espírito crítico.
Alguns porque honestamente
concordam com a retórica sobre o muro maligno. Outros porque temem ser
apontados como antidemocráticos e fora de moda.
A submissão intelectual
chega ao ponto de não se questionar sequer a legitimidade dos grandes
agitadores contra a obra do mal.
Onde está, afinal, a
autoridade dos Estados Unidos e seus meios de comunicação?
No muro da morte que
separa seu território dos aliados mexicanos, matando por ano os oitenta caídos
durante três décadas na Berlim dividida?
Na base de Guantánamo,
onde centenas de muçulmanos estão presos sem o devido processo legal e são
sistematicamente torturados?
Ou teria a Europa
ocidental mais credibilidade, com sua política discriminatória contra os
imigrantes?
Ou ainda Israel, pródigo
em adotar práticas de pogrom contra os palestinos e expeditivos em construir
sua própria muralha de isolamento dos territórios ocupados?
A lista de participantes
desse festim é bastante longa, vários com muitas contas a acertar, e de cada
qual deveria ser solicitado o devido atestado de idoneidade.
Não é o caso, obviamente,
de se justificar um pecado com outro, mas evitar comportamentos cuja índole é
hipócrita.
Vamos aos fatos, portanto.
O Muro de Berlim costuma
ser apresentado, pelos campeões da liberdade, como produto de um sistema
político tirânico, cuja natureza seria a divisão dos povos e sua subordinação
ao tacape de uma ideologia totalitária.
Quando terminou a 2ª
Guerra Mundial, a Alemanha foi dividida em quatro zonas de influência, entre
norte-americanos, ingleses, franceses e soviéticos.
A capital histórica,
Berlim, pertencente ao território controlado pelo Exército Vermelho, acabou
igualmente repartida em áreas controladas pelos países vitoriosos.
Quem se der ao trabalho de
ler as atas das conferências de Ialta, Potsdam e Teerã, se dará conta que
Moscou era contrário a essa divisão.
Sua proposta era dotar a
Alemanha de um governo provisório, sem divisão do território, que organizasse
em dois anos um processo eleitoral nacional.
Os demais aliados,
temerosos que o país caísse nas mãos dos comunistas, exigiram o modelo adotado.
A União Soviética acatou,
depois que viu garantido seu direito de hegemonia sobre os demais países
fronteiriços, além de preservado seu controle militar sobre a antiga Prússia
Oriental.
Em nome de sua política de
segurança e da manutenção da aliança que derrotou o nazismo, abdicou de parte
da sua influência na porção ocidental da Alemanha e do antigo Império
Austro-Húngaro, apesar de os comunistas já serem maioria na Áustria.
Outro compromisso que
constava da agenda pós-guerra era a constituição de um fundo mundial para a
reconstrução europeia.
O papel principal, nesse
trâmite, cabia aos Estados Unidos, a potência que menos havia sofrido com o
esforço de combate, cuja economia havia sido vitaminada pelo conflito e
dispunha de imensos recursos financeiros.
Mas a vitória eleitoral
dos comunistas na então Tchecoslováquia, seguida de resultados espetaculares na
Itália e França, em 1946, provocou uma reviravolta.
A Casa Branca decidiu-se
por quebrar o pacto da reconstrução e inundar de financiamento apenas sua área
de influência, dando origem ao Plano Marshall, em 1947. Cerca de 140 bilhões de
dólares, em valores atualizados, foram injetados no ocidente europeu.
Tinha início a chamada
Guerra Fria, antecipada, em março de 1946, pelo famoso discurso de Winston
Churchill em Fulton.
A União Soviética, que
havia arcado com um incalculável custo humano e material ao ser o grande vetor
da vitória contra Hitler, passou a enfrentar uma outra guerra, financeira e de
sabotagem, contra suas posições.
Especialmente na Alemanha Oriental,
constituída em 1949 como República Democrática da Alemanha.
A estratégia
norte-americana era roubar os melhores profissionais alemães, atrai-los a peso
de ouro a partir de sua cabeça-de-ponte em Berlim Ocidental, que recebia
aportes formidáveis para ser exibida como vitrine esplendorosa da pujança
capitalista.
A fuga de cérebros e
braços asfixiava a jovem RDA, que pouco podia contar com a ajuda material
soviética, pois estava o Kremlin às voltas com o dificílimo reerguimento do
próprio país.
Foram mais de 12 anos em
uma batalha árdua e desigual.
A URSS tinha quebrado a
máquina de guerra do nazismo, retesando cada músculo e cada nervo da nação, e
se via diante de uma situação que poderia levar à desestabilização de suas
fronteiras, exatamente a aposta maior da Casa Branca.
Essa escalada teve seu
desfecho no dia 13 de agosto de 1961, data inaugural do Muro de Berlim.
O fluxo entre os dois
países e as duas áreas da antiga capital foi militarmente interrompido,
obstaculizado por uma construção que chegou a ter 66,5 km de redeamento
metálico e murado.
Famílias e amigos foram
separados por quase 30 anos.
Aprofundou-se a fratura
entre ocidente e oriente na Europa.
Uma nação histórica foi
dividida. Oitenta pessoas morreram e 142 ficaram feridas ao tentar ultrapassar
o muro, finalmente derrubado em 1989.
Sua construção foi um ato
de guerra, mas de caráter defensivo. As hostilidades e operações de sabotagem,
que impediram a permanência de uma Alemanha unida e a coexistência pacífica de
dois sistemas, foram iniciadas pelas potências que romperam o acordo de paz,
impondo ao leste europeu e socialista, com sua economia ferida pela guerra, um
longo estado de exceção.
Claro, havia outras
alternativas.
A URSS e seus aliados
poderiam, por exemplo, ter capitulado de antemão à ideia de desenvolver outro
sistema de produção e poder, pois era essa tentativa dissidente o motivo da
Guerra Fria. Afinal, não foi assim que tudo terminou, lá se vão 25 anos?
Mas com seus erros e seus
acertos, suas glórias e seus desastres, seus feitos e até seus crimes, o
socialismo foi, durante gerações, a bandeira e o sonho de povos que aceitaram
pagar com sacrifício, dor e sangue por um outro mundo possível.
Teria sido impensável, se
assim não fosse, a extraordinária vitória na guerra de trinta anos que vai da
Revolução Russa à caída de Berlim nas mãos do Exército Vermelho, em 1945.
O muro de Berlim talvez
tenha sido a criatura disforme de um processo no qual seus protagonistas
tiveram que enfrentar circunstâncias e teatros de batalha escolhidos, no
fundamental, por inimigos poderosos.
De certo modo foi, durante
décadas, marco de resistência e de equilíbrio entre dois sistemas. Caiu quando
a força propulsora de um dos lados já tinha se esgotado.
O resto é a mitologia dos
vencedores.
Observação: este texto é
uma adaptação, com poucas alterações, de artigo que escrevi há cinco anos.
Também foram poucas as mudanças na narrativa tendenciosa e falsificada dos
fenômenos históricos que precederam a queda do Muro de Berlim.
post: Marcelo Ferla
fonte: Opera Mundi
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