MARCIA TIBURI - O que é
sensibilidade?
Chamamos sensibilidade ao
conjunto de nossos sentimentos e sensações e ao modo como os experimentamos.
Nossa sensibilidade pode
ser mais bruta ou mais elaborada. Podemos, entretanto, dizer que alguém não tem
sensibilidade. Neste caso, nos referimos às pessoas que denominamos de “frias”
e que, em geral, pensamos ser aquelas que fazem um uso mais assíduo da razão.
Usamos a metáfora da frieza em oposição à outra bem conhecida, a que se refere
ao calor dos sentimentos.
Assim expressamos que os sentimentos aproximam,
enquanto a razão afasta; eles aconchegam, enquanto ela põe limites. O
sentimento é, por sua vez, o mais íntimo de cada um, algo que não se pode
comunicar, por isso, os artistas procuram “expressões” para eles. O esforço de
compreensão dos sentimentos é sempre poético e intuitivo.
A clássica oposição entre
razão e sensibilidade, que culminou na filosofia e na literatura dos séculos
XVIII e XIX, é o fruto da necessidade de sistematização das faculdades humanas,
mas também obedece a um fator antropológico que coloca a razão como
hierarquicamente superior aos demais atributos e capacidades humanos.
A sensibilidade envolve
também a questão das sensações. Sensação é a informação que os sentidos recebem
do mundo exterior ao corpo. Os gregos usavam a palavra Aisthesis para
significar a sensação em geral ou a capacidade de perceber. Depois, e ao longo
da tradição filosófica, tais informações seriam trabalhadas pela razão capaz de
recolher os dados confusos e elaborar conceitos e juízos a partir deles. Platão
pensava que a sensação era uma capacidade humana insuficiente para o alcance da
verdade. Baumgarten usará o termo dos gregos para fundar no século XVIII a
disciplina chamada “Estética” que se ocupará, segundo ele, do conhecimento dos
sentidos.
Sensações são o que
podemos conhecer por meio de nossos sentidos, ou seja, o que sabemos, em última
instância, por meio de nosso corpo. Por isso, podemos pensar que o corpo
inteiro, e não apenas os tradicionais cinco sentidos, é um lugar de
conhecimento. Todavia, podemos não prestar atenção ao que informam os sentidos,
em outras palavras, ao que diz o nosso corpo.
Por exemplo, não costumamos
prestar atenção ao que ocorre conosco quando dançamos. Sensibilidade é também a
capacidade de perceber e interpretar as nossas sensações.
Os filósofos antigos já
procuravam explicações para o mistério da sensação tão importante também para
os modernos e até hoje, para nós. As sensações, como os sentimentos, também
foram desvalorizadas. É com os filósofos que tem a razão como instrumento de
trabalho na compreensão do mundo que temos a fundamentação do preconceito
contra a sensibilidade. O trabalho do conceito com o qual se ocuparam resultou
em falta de atenção à produção da sensibilidade.
Mas nem todos foram desatentos
a isso: Rousseau, no século XVIII falava que era preciso formar o homem
sensível para que ele pudesse ser racional. É preciso, neste ponto, saber da
importância da “educação artística” que mais do que um treinamento para as
artes deve ser um trabalho na formação da sensibilidade baseada na atenção aos
sentidos, aos sentimentos e ao corpo.
Tal posição é a que
devemos defender hoje: a sensibilidade é uma categoria do conhecimento e uma
categoria política. Ela é a base, a via de acesso ao mundo externo ao nosso
corpo, o modo como se estabelece nossa relação com as coisas, justamente por
ser um modo como experimentamos nosso corpo e os demais corpos. É o modo como
olhamos para as coisas, como ouvimos, mas também como as pensamos.
O que melhor resume a
sensibilidade é que ela é uma capacidade de ter atenção às coisas, o modo como
nos dispomos ao que não somos e não conhecemos. O uso da razão, a produção do
pensamento, depende desse gesto inicial de disposição, que envolve silêncio, a
boa passividade e a escuta. O esforço de cada um, de todos os seres que sentem
e usam a razão (sejam profissionais das artes, da filosofia, ou não), deve ser
o de reunir, estabelecer pontes, reintegrar as capacidades.
Toda nossa relação
com a natureza e com o outro – além da relação com nosso próprio corpo, nosso
próprio eu - depende deste esforço de integração do que está separado.
texto: Marcia Tiburi
post: Marcelo Ferla
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