A erva daninha
Que tal nesse início de
2014 todos os motoristas de automóveis privados deixarem seus carros em casa e
irem de ônibus para o trabalho e para a faculdade? Ah! Melhor ainda: levar e
buscar seus filhos na escola.
Que tal tomar de assalto o
busão para também terem o direito de usar as faixas de ônibus da cidade? Faixas
estas que destruíram o já frágil equilíbrio do trânsito de nossa cidade.
Claro, cara-pálida, que um
bom transporte coletivo é essencial para uma cidade como São Paulo. Isso nada
tem a ver com essas faixas sem planejamento prévio.
Quando se tem um bom
transporte coletivo, as pessoas usam menos o carro. Aqui, o transporte coletivo
é domínio dos mais pobres, porque eles não podem comprar carros. Quando podem,
compram feito loucos.
Resolver o problema do
transporte coletivo nada tem a ver com espremer os carros em faixas minúsculas
nas ruas.
Uma manifestação dessa
traria abaixo o populismo da prefeitura com suas faixas de ônibus. Claro que os
ônibus iriam explodir de gente, as filas iriam dobrar as fronteiras do Estado,
as brigas para entrar no ônibus iriam ficar para a história, as pessoas iriam
chegar atrasadas ao trabalho, a economia iria para o saco (mas tudo bem, porque
ninguém precisa de economia, só de dogmas políticos populistas).
Zygmunt Bauman, sociólogo
famoso, em um de seus clássicos, "Modernidade e Ambivalência", fala
do Estado moderno como "Estado jardineiro". A característica desse
tipo de Estado é decidir quem é flor e quem é erva daninha. Claro que essa
discussão se dá dentro das consequências totalitárias do Estado moderno. Quanto
mais "jardineiro", maior o risco de ser autoritário. Nossa prefeitura
é jardineira, e os motoristas (incluindo os taxistas) são sua erva daninha.
Os motoristas viraram a
erva daninha da cidade. Ciclistas já os odiavam quando passavam com seu ar de
santo ecológico pelos pobres coitados dos motoristas que não moram numa
"pequena Amsterdã", como a moçada da classe média alta que mora perto
do trabalho ou da "facul", ou que tem um trampo fácil, sem horas
duras, ou ganha muito bem ou tem grana de outra fonte e então pode ir de bike para
o trabalho ou para a "facul". Quem anda de bike para salvar o planeta
é playboy light.
Agora as faixas de ônibus
decretaram a ilegitimidade de ter carro. Motorista de carro aqui logo será
tratado a pauladas pela cidade. Mas está na moda no Brasil o uso de termos como
"casa-grande e senzala" (usando de forma equivocada o conceito de
Gilberto Freyre) para contaminar o país com ódio de classe (para ressuscitar o
finado conceito de luta de classes) ou ódio de raças. Isso vai dar em coisa
ruim muito em breve.
O ódio ao motorista virou
demonstração de consciência social e ambiental -outro modismo contemporâneo.
Esquece-se que essas pessoas são cidadãs como todas as outras. Que pagam
impostos exorbitantes para comprar os carros e IPVA todo ano. Pagam IPVA, mas
logo não terão direito de andar de carro pela cidade.
Nada de novo no front: os
brasileiros estão acostumados a pagar impostos e não ter nada em troca.
E mais: é o próprio
governo federal que estimula a compra de carros adoidado e sustenta seus
índices de "sucesso" econômico na compra de carros. Que tal parar de
pagar IPVA, já que os motoristas não têm mais o direito de andar na rua?
Claro que a playboizada
que gosta de estimular ódio social vai dizer que motorista de carro não deve
ter direito nenhum porque é parte das "zelite". Mentira: a maioria
dessas pessoas corre de um lado para o outro para trabalhar, estudar, levar
filhos à escola e cumprir suas obrigações. E agora viraram a erva daninha da
cidade.
Tudo muito bonitinho, mas
os mais pobres sonham em comprar seus carros para poder levar sua mina para
passear.
O Brasil sempre foi um
circo. Agora, com uma nova dramaturgia cômica: inauguramos o circo com pautas
sociais. As ruas de São Paulo viraram um picadeiro. E nós, os palhaços.
Desgraçadamente, a América
Latina é o único continente que ainda leva a sério esse papinho de luta de
classes. Somos atrasados e vamos ser sempre a vanguarda da política como circo.
Luiz Felipe Pondé
fonte: folha.com
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