Por que a rejeição pauta a
atitude de alguns grupos frente a grandes fenômenos de mídia
Pesquisadora analisa
"trolls" e "haters" das redes sociais
Adriana Amaral*
*PPG em Ciências da
Comunicação da Unisinos e pesquisadora do CNPq
Nesta segunda década dos
anos 2000, observamos a popularização dos sites de redes sociais, bem como uma
diversificação dos seus usos pela população em geral.
Mais do que discutir
questões sobre inclusão ou aspectos de cunho econômico que são relevantes mas
abrem outros modos de análise, este texto pretende pensar sobre usos e
apropriações do humor e do entretenimento no âmbito das práticas cotidianas.
Nesse sentido, há uma série de estudos e pesquisas sobre a forma como as
pessoas expressam seus gostos nas redes sociais e como produtos midiáticos da
cultura pop, celebridades, marcas e até pessoas comuns se tornam alvo dos
chamados "trolls" e "haters". Uma questão a ser
problematizada é o fato de que a maioria das pesquisas feitas sobre o tema no
contexto anglo-saxão (sobretudo Estados Unidos, Canadá e Inglaterra) fala dos
trolls e da prática de "trollagem" como algo praticamente similar ao
ciberbullying, enfatizando os aspectos negativos e as manifestações de ódio e
desestabilização. Já as pesquisas nacionais apresentam uma ressignificação
desse termo, pois os trolls são vistos como aqueles para quem, na linguagem da
rede, a "zueira nunca tem fim", personagens que, por diversão, jogam
lenha na fogueira das discussões online.
Vale destacar os estudos
do pesquisador gaúcho radicado em Recife Fernando Fontanella, que em 2010 já
tratava dos trolls no contexto brasileiro. É importante salientar como esses
diferentes aspectos culturais influem na análise dos conteúdos e dos fenômenos.
Evidentemente que aspectos de ódio, perseguição, preconceito e bullying também
aparecem na forma como os usuários se manifestam, mas há matizes bastante
complexas que vão além do bem e do mal. Interessa-me aqui discutir e listar
alguns exemplos relacionados à cultura pop e ao contexto do comportamento de
grupos de fãs e antifãs, como os ataques à escolha do ator Ben Affleck como
novo Batman; as efusivas manifestações pró e contra o astro teen Justin Bieber
e a polarização contra e a favor às pessoas que comentam o Big Brother Brasil
em seus perfis.
Originalmente o termo
troll foi utilizado a partir de fóruns e listas de discussões nos primórdios da
internet, a partir da figura folclórica do troll escandinavo, um ser horrendo e
antissocial que aparece nos contos infantis. "A primeira referência à
palavra troll no contexto de anonimato na rede pode ser encontrada no arquivo
da Google Usenet e foi empregada pelo usuário Mark Miller, em 08 de fevereiro
de 1990" (Amaral & Quadros, 2006). Esse tipo específico de linguagem
irônica estava associada, sobretudo, à identidade dos primeiros usuários,
bastante vinculados à cultura nerd dos princípios da rede. É nessa época que se
populariza a frase "não alimente os trolls", até hoje utilizada em
fóruns da rede para encerrar discussões, postulando que a melhor resposta a um
troll é o silêncio, já que qualquer interlocução apenas alimenta os impulsos
provocadores do agressor. No entanto, à medida que a popularização e a
monetarização aumentam, sobretudo com a ideia mercadológica de Web 2.0, se
amplia a participação de um maior número de grupos sociais e constroem-se
discursos que tendem a minimizar ou repudiar determinadas práticas, levando-as
a um certo nível de marginalidade em fóruns de nicho, como, por exemplo, o site
4Chan, que originou o Anonymous, grupo de ativistas e hackers organizados em um
movimento político online descentralizado.
Já os chamados haters
("odiadores") surgem, no contexto da internet, relacionados à
expressão inglesa "haters gonna hate" ("odiadores vão
odiar"), um bordão utilizado para indicar desdém àqueles que falam mal de
algum ato, artista, filme, música, etc. A expressão, nascida no hip hop
norte-americano tornou-se um meme na web, em forma de imagens de celebridades e
animais posando – geralmente caminhando – com expressão de desprezo.
Nas
pesquisas realizadas no Brasil, os haters vêm sendo analisados por vários
pesquisadores no contexto das disputas entre grupos de fãs de divas pop no qual
entram em jogo valores de performance e também entre fãs e antifãs de
diferentes gêneros musicais e bandas pop rock, como o caso das fãs do Restart e
seu poder de inclusão de hashtags no Twitter, estudados respectivamente por
Thiago Soares e Camila Monteiro.
Em geral, os resultados
concluem que os haters são pessoas que odeiam algo ou alguém, querem expressar
seu ódio e ponto final. Eles detestam o tipo de música, o corte de cabelo, o
rosto, os trejeitos, entre outras características. Já o troll, em alguns casos,
joga fãs e haters de determinados artistas uns contra os outros por diversão,
participando como manipulador, gerando discórdia nas comunidades online,
conforme já indicava a pesquisadora norte-americana Judith Donath em 1998.
Dentro desse quadro, páginas de humor como Unidos Contra o Indie (página do
Facebook que ironiza bandas de indie rock), por exemplo, trabalham com essa
dualidade irônica dos discursos. Todas essas manifestações demonstram a
diversidade de comportamentos e práticas sociais nas redes, que combinam
elementos do cotidiano e sentimentos ancestrais na humanidade como ódio,
inveja, etc.
Por fim, é interessante
lembrar uma apropriação um pouco mais recente, a do chamado Funk Ostentação e
que tem no recente videoclipe Beijinho no Ombro da funkeira Valesca Popuzada um
exemplo. Com milhares de visualizações em poucos dias no YouTube, Valesca
ressignifica a ideia da "inveja" e dos odiadores, bordões muito
repetidos na cultura internética, disparando petardos verbais contra suas
supostas "inimigas". Em tempos de cultura remix, tais fenômenos são
importantes para a compreensão de que nossos amores e ódios estão em todos os
lugares, mas mediados e devidamente gerenciados pelos algoritmos e aparatos
tecnológicos.
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