A transparência do mal
"Lindberg Farias
´ora´ ao lado de Silas Malafaia: uma imagem que diz tanto quanto todas as
palavras de O príncipe, de Maquiavel, ou Fausto, de Goethe.
por Jean
Wyllys
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O senador Lindberg Farias e Silas Malafaia durante culto na Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC) do bairro da Penha, no último domingo. |
Uma frase muito repetida e
cuja autoria é atribuída a Confúcio – embora não se saiba ao certo se é mesmo
dele – diz que “uma imagem vale mais que mil palavras”. Ainda que existam palavras que mil imagens
não consigam traduzir (“honestidade” é uma delas!), trata-se de uma verdade válida para a maioria
das imagens, inclusive para a fotografia de um culto evangélico que circula
pelas redes sociais e que veio parar em minha caixa de e-mails no fim de
semana. Nesse flagrante fotográfico, o
senador Lindberg Farias (PT-RJ) aparece “orando” ao lado do pastor e empresário
Silas Malafaia: uma imagem que diz tanto quanto todas as palavras de O
príncipe, de Maquiavel, ou Fausto, de Goethe.
Não é segredo para ninguém
que o senador Lindberg Farias é pré-candidato do PT ao governo do Rio de
Janeiro. E que sua pré-candidatura ameaça a aliança sempre conflituosa - sempre
por se romper a qualquer interesse privado não atendido – entre seu partido e o
PMDB, sigla que no momento não só governa o Rio, mas tem a vice-presidência da
República, além de presidir as duas casas do Congresso Nacional. O atual governador do Rio de Janeiro, Sérgio
Cabral, mesmo sucumbindo a uma impopularidade sem precedentes, fruto de
denúncias de corrupção em sua gestão, não quer a candidatura de “Lindinho” e
pretende eleger seu vice, Pezão, a qualquer preço. Ameaçado pelo impacto
negativo de sua pré-candidatura na aliança nacional entre PT e PMDB e sentindo
que esse impacto se amplia na medida em que a parceria entre Marina Silva e
Eduardo Campos emerge como a possível aposta da “grande mídia” para eleições do
próximo ano, Lindberg decidiu pôr a alma à venda em busca de força para sua
empreitada. Ora, se o fato de se pôr a alma à venda já suscita um debate sobre
ética, imaginem quando a alma é oferecida a negociante que costuma pagar pouco
e pedir mais que alma!
Todos sabem como Silas
Malafaia se comportou nas eleições de 2010 em relação à então candidata do PT
Dilma Rousseff. Em conluio com José Serra, candidato do PSDB, ele demonizou a petista
e reduziu o debate eleitoral a uma agenda moralista - quase fascista – que
obrigou os principais candidatos à presidência a se colocarem contra os
direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e contra a cidadania plena de
homossexuais. Não contente, nas eleições do ano passado, Malafaia tentou
derrubar o candidato do PT à prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, com a
mesma estratégia de demonização e rebaixamento (aliás, o apoio do pastor ao
candidato do PSDB me levou a sair em defesa de Haddad mesmo contra a vontade de
meu partido).
A militância petista teve
ânsias de vômito quando viu imagens de José Serra em cultos evangélicos,
acompanhado de Malafaia, proferindo expressões cristãs – “A paz do senhor,
irmão” – que, em sua boca, soavam tão naturais quanto um pacote de Tang. O que
essa mesma militância estará dizendo de seu senador?
A foto de Lindberg orando
ao lado de Malafaia me fez lembrar das lições de Roland Barthes na memorável A
câmara clara, obra que li para a disciplina Fotografia quando cursava
Jornalismo nos idos anos 90. Nela, Barthes elabora dois conceitos - Studium e
Punctum - para se referir a dois modos
de envolvimento com a fotografia. O studium corresponde a uma “leitura” da
fotografia por meio de critérios e objetivos definidos; uma espécie de crítica
intelectual da imagem a partir de um repertório cultural. Posso dizer, então,
tendo em vista o studium da foto em que o senador do PT aparece “orando” ao
lado do pastor fundamentalista e boquirroto, que a mesma revela um “fenômeno extremo”
da contemporaneidade: o abraço eivado de cinismo entre o marketing e a
política.
A expressão “fenômenos
extremos” é utilizada pelo filósofo francês Jean Baudrillard, em seu excelente
A transparência do mal, para se referir aos episódios da atualidade que
correspondem à substituição do real por “simulacros”. A foto da conversão de
Lindberg não é só um “simulacro” do real mas, antes, uma simulação descarada.
Nela, o mal – a mentira, a enganação, o oportunismo, a desonestidade
intelectual, a venda da alma ao diabo - é transparente a quem quer que se
preste a “ler” seu studium.
Já o punctum é, segundo
Barthes, algo que, na imagem, toca-nos independentemente daquilo que, nela,
vemos de imediato ou buscamos. Nas palavras do autor, o punctum é “um detalhe”;
“são precisamente pontos”; “pequena mancha, pequeno corte” [na fotografia].
Trata-se de uma “leitura” não-intelectualizada da imagem; intuitiva; um ponto
na foto para o qual o olho se dirige quase contra a vontade; um traço notado
mesmo que tudo na foto chame mais atenção que ele. Varia de acordo com o
leitor. Para mim, o punctum da foto de Lindberg “orando” ao lado de Malafaia é
o riso mal-disfarçado de ambos. Ambos têm consciência de que estão enganando um
eleitorado que não por acaso é chamado e tratado como “rebanho” pelo seu
pastor. Esforçam-se para parecerem convincentes – e tudo na foto reforça a
verossimilhança da cena, inclusive o nome “Jesus” ao fundo. Mas o punctum os
desmascara e revela o riso da serpente.
texto: Jean Willis - Deputado federal pelo PSOL
post: Marcelo Ferla
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