O terrorista também quer ascensão social: um fugaz poder com bombas no corpo, sucesso “post mortem” e subida aos céus, para comer as mil virgens, as “huris”, dançando de odaliscas. É um “hype” no Oriente. A maior ferida americana é que os miseráveis “mendigos”, ignorantes, barbados e imundos chegaram a um nível de competência e imaginação “midiática” com que nunca Hollywood sonhou. O grande orgulho americano da eficiência foi perdido para “macacos suicidas”.
Todos nossos gestos, palavras, bravatas vêm de um arquivo morto, de um repertório que ficou subitamente antigo. Foram atingidos: o ateísmo, o iluminismo, a arquitetura, a paz burguesa, o turismo, a sensação de invulnerabilidade, o consumo. Os comentários buscam uma restauração do senso comum e são a nostalgia pela volta do bem-estar, do sossego. Enquanto estamos nervosos, o que apavora é que todos os terroristas afegãos, talibãs, fanáticos em geral têm um rosto calmo, o olhar iluminado de certezas, a tranquilidade da loucura.
Os jihadistas xiitas ou sunitas não têm as angústias da liberdade nem do progresso. Não querem ser modernos; querem ser eternos. Os talibãs vivem na eternidade.
Finalmente, a globalização criou uma democratização da desgraça. De uma forma repugnante, a verdade do mundo apareceu. Quem ganha? Ninguém. Esta guerra sem rosto nunca terá derrota ou vitória. Nietzsche escreveu: “Ao combater uma monstruosidade, temos de ter cuidado para não virarmos monstros.” Ou já viramos ou vamos virar. A beleza do “homem revoltado” morreu, e pode estar pintando um grande tempo de conformismo deprimido. Ficaremos mais minimalistas, afirmando singularidades. Como disse Baudrillard: “O universal acabou; só resta o singular contra o mundial”.
Mudou a ideia de “futuro redentor” — será o fim do “Fim da História”. Mudou o ideal detergente de um mundo branco, asséptico, sem fraturas, higiênico, a harmonia doce do lar, a decoração de interiores, a alvura dos lençóis, os pecados veniais, as deliciosas perversões irresponsáveis e indolores, pois as coisas vão doer mais.
As coisas estão mais graves, as crises mais profundas, mas a superficialidade vai aumentar. Acabou a oportunista e enobrecedora contemplação caridosa da miséria, que chegou violenta, nas asas da estupidez religiosa. Cada vez mais aumentam o charme arrogante dos ricos e famosos, a tecnologia sem Deus, as lágrimas mentirosas, a busca da perfeição física, do corpo sem órgãos, do orgasmo total.
Acabou o mito de James Bond que criou o ideal-de-eu dos “babyboomers”, seus ternos impecáveis, o sexo sem envolvimento, as mil mulheres comidas, a licença para matar, o amor sem risco.
Ninguém sabe o que fazer da arte, da beleza, até mesmo da elegantíssima vivência do desespero crítico, acabam o mal-estar abstrato, a náusea romântica, a infelicidade vaga, a delícia das grandes dores de amor, o difuso sentimento ocidental de superioridade, a aparente tolerância e a falsa generosidade, acabam a fleuma, a displicência chique ou mesmo a deliciosa sensação da canalhice.
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