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Luiz Felipe Pondé, pernambucano,
filósofo, escritor e ensaísta, doutor pela USP, pós-doutorado em epistemologia
pela Universidade de Tel Aviv, professor da PUC-SP e da Faap, discute temas
como comportamento contemporâneo, religião, niilismo, ciência. Autor de vários
títulos, entre eles, "Contra um mundo melhor" (Ed. LeYa). Escreve às
segundas na versão impressa de "Ilustrada".
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Uma mulher linda
Recentemente participei de
um debate sobre a trilogia "Cinquenta Tons". Muitas críticas: típico
best-seller que identifica um drama universal (o amor) e propõe uma solução
"easy" (seja sadomasô light e o casamento virá); a srta. Steele (a
heroína) não está a altura de Lady Chatterley (de D.H. Lawrence) nem das irmãs
Justine e Juliette (do Marquês de Sade) nem da personagem de "História de
O" (de Anne Desclos, sob o pseudônimo Pauline Réage), porque a srta.
Steele se vende por um MacBook Pro, enquanto as outras são para valer. Tudo
verdade.
O maior pecado de
"Cinquenta Tons" é que ele vende uma fantasia: o homem ideal.
Christian Grey é rico, bonito, inteligente, viril, experiente. Mas o fato é que
as mulheres desejam mesmo homens fortes, viris, sensíveis até a página três,
ricos não só de grana. Enfim, "Cinquenta Tons" vende porque fala para
todas as mulheres, bobas, ignorantes, cultas ou críticas. Mas, como virou moda
mentir, ninguém confessa.
Dias depois do debate,
revi um filme idiota americano (como "Cinquenta Tons"), em que um
milionário fodão (interpretado por Richard Gere) contrata uma garota de
programa (Julia Roberts, ah! Se todas fossem iguais a você, Julia, que
maravilha viver...) e acabam se apaixonando. Claro, o filme é "Uma Linda
Mulher". A fórmula clara da gata borralheira do sexo que vira a esposa
Cinderela.
Mas o longa é muito mais
do que isso. Diante da crítica histérica de que é mais um filme machista (que
sono...), vale notar que ele faz a pergunta que mata de medo as mulheres:
afinal, o que quer o homem numa mulher?
Dirão as apressadas que o
homem quer que a mulher traga uma cerveja e venha pelada. Errado: melhor de
calcinha e salto alto. Seria a superficialidade masculina o último bastião da
ideologia "dominante"? Bastião este que agrada a todas as mulheres
porque as acalma: os homens só querem uma bunda!
O filme toca num tema
atávico que deixa mesmo as meninas "críticas" de cabelo em pé: seria
a garota de programa a mulher ideal?
O personagem de Gere é
fodão. Ele sabe o que os fodões sabem: o mundo é repetitivo, e as pessoas são
previsíveis. Querem dinheiro, reconhecimento e "serviços", e fazem
qualquer coisa para conseguir, embora neguem.
Se, no fundo, todos estão
à venda por "um programa" de sucesso, melhor sair com alguém mais
honesto: a garota de programa é a mulher menos cara do mundo. Ela
"só" quer dinheiro, e isso às vezes é uma bênção. Ela é a mulher
ideal porque é a única diante da qual o homem relaxa.
Afinal, o que quer o homem
numa mulher? Num dado momento do filme, Gere diz à bela Roberts: "As
pessoas são previsíveis, mas você me surpreendeu" (não vou contar
detalhes).
Não devemos menosprezar
essa fala e o que acontece depois, o apaixonar-se pela garota de programa. Gere
sabe o que diz: as pessoas são mesmo previsíveis. Mas hoje a moda é dizer que
são todas "únicas".
La Roberts encanta o fodão
porque ela não é óbvia, e a mulher óbvia só quer fodões.
Graças a ela, ele rompe o
ciclo da desconfiança causada pela obviedade das mulheres, e graças a ele, ela
se cansa de ser puta, porque a puta não é uma mulher de verdade.
Os homens sentem que as
mulheres querem deles apenas sucesso (em todos os sentidos). Mas hoje virou
moda dizer que isso não é verdade. Ficou pior porque continua sendo verdade,
mas, quando o cara sente isso, ele deve se sentir um machista porque sabe disso.
O homem quer uma mulher
para quem ele não tenha que ser o sr. Grey, mas a mulher não perdoa um homem
fraco. A garota de programa perdoa porque "só" quer dinheiro.
A fraqueza masculina
aniquila o desejo da mulher. Mas, como essa mulher ideal não existe (assim como
o sr. Grey), o ideal acaba ficando colado ao corpo irreal da namorada
"paga".
Mesmo sabendo que sr. Grey
(um fodão) não existe, as mulheres não suportam homens que não se pareçam com
ele, e esta é a verdade suprema de "Cinquenta Tons".
Por fim: uma amiga minha,
psicóloga, me disse que muitos dos seus pacientes vêm ao consultório falar de
como suas mães (fálicas) destroem seus pais (fracos).
São essas mulheres
fálicas, segundo ela, que à noite gemem de solidão sonhando com o sr. Grey.
Óbvio?
texto: Luiz Felipe Pondé
post: Marcelo Ferla
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