Como de costume estava vasculhando umas revistas na banca quando me deparei com uma edição especial do Homem de Ferro lançada pela editora panini. Folheando a revista, percebi que a proposta era trazer ao publico algumas historias clássicas deste herói da MARVEL, inclusive a historia de sua origem, publicada originalmente em 1963 na revista Tales of Suspense 39. Tomado pela curiosidade em verificar as semelhanças entre a HQ e o filme do Homem de Ferro lançado em 2008, acabei comprando a edição.
Minha primeira reação ao terminar de ler a historia foi de lamentar o dinheiro gasto na revista (R$ 22,90) e achar graça do nível bobo do roteiro. Embora em essência, a origem do Homem de Ferro das HQs esteja no filme, Stan Lee (criador do herói) criou uma atmosfera muito infantil e “ridícula” para a versão dos quadrinhos. A partir desse ponto, coloquei minha cabeça no lugar e comecei a refletir sobre tal situação.
Atualmente, a realidade é outra, ao frequentar uma banca você pode se deparar, por exemplo, com uma HQ chamada ‘The Boys’, que apresenta os seguintes dizeres na capa: “Não recomendado para menores de 18 anos”. É Possível também, encontrar quadrinhos como ‘Preacher’, com um roteiro que passa longe de uma abordagem infantil. Temos ainda obras adultas como ‘Hamlet’ (Shakespeare), ‘Farenheit 451’ (Ray Bradbury), ‘O Alienista’ (Machado de Assis) ou 20.000 léguas Submarinas (Julio Verne), todas em versão quadrinho. E pior (ou melhor?), podemos encontrar HQs desses mesmos heróis que tinham historias bobas nas décadas passadas, tais como Batman e Demolidor, e nos depararmos com historias com alto nível de complexidade em roteiros. Há diversos estudos atualmente que chegam a classificar certas HQs como literatura, algo que não acontecia antigamente. As livrarias agora têm seções próprias para esse formato e chegamos ao ponto de ter a HQ Watchmen classificada entre os 100 melhores romances da historia (revista TIME).
O publico que consome historias em quadrinhos hoje em dia aumentou consideravelmente de faixa etária. Não temos mais somente crianças de 7 a 12 anos lendo essas historias. Três obras foram crucias para essa mudança de abordagem na criação de roteiros para HQs: ‘Sandman’ (Neil Gaiman), ‘Watchmen’ (Alan Moore) e ‘Batman – O Cavaleiro das Trevas’ (Frank Miller), todas dos anos 80. Todas essas historias, embora distintas, passaram a agregar elementos em comum, tais como Filosofia, Geopolítica, Literatura, Psicologia, dentre outros elementos nada infantis. Os personagens agora tinham perfis psicológicos complexos e o contexto histórico era coerente e tinha total relação com os acontecimentos. A partir de então, o modo de criação das HQs mudaria para sempre. Esses três roteiristas se tornariam referencias para todos os outros, que passaram a tentar escrever coisas com níveis semelhantes, sendo essa a origem do "problema", uma vez que foi distorcida totalmente o conceito de Hqs para divertir crianças. Tal aumento de complexidade foi responsável por alterar gradualmente o publico das histórias em quadrinhos.
Mas veja bem, antes que você jogue pedra, não estou dizendo aqui que não existiam HQs com conteúdo antes da existência desses caras. Havia sim HQs de qualidade, a exemplo dos trabalhos de Robert Crumb e Harvey Pekar (só para citar alguns dos anos 70). Tratava-se de trabalhos com maior profundidade, porem restrito a um pequeno público, já que faziam parte de uma produção independente. Já Moore, Gaiman e Miller, foram responsáveis por levar um roteiro de qualidade ao grande publico, pois trabalhavam por trás de grandes corporações como DC e VERTIGO. Criaram histórias ao mesmo tempo profundas e complexas, com suporte para atingirem sucesso comercial.
Porém, você pode me perguntar: “E V de Vingança?”. Sim, ‘V’ saiu muito antes de Watchmen, Sandman e Cavaleiros das trevas, mas saiu pela WARRIOR(na Inglaterra), editora sem grande projeção mundial. As vendas foram tão baixas que a HQ deixou de ser produzida em 1982, com seus criadores retomando o trabalho somente em 1988 por convite da DC, quando o mercado já estava aberto a temáticas mais complexas.
Se isso foi bom ou ruim? Bom, pra marmanjos como eu, sim ! Hoje posso desfrutar de obras de caras como Frank Miller, Allan Moore ,Neil Gaiman, Garth Ennis, Jeph Loeb, Kevin Smith, dentre muitos outro. Mas e para as crianças? Talvez sim, talvez não. Não sei! Ao menos posso afirmar que um garoto de 7 anos que quer se aventurar por essas leituras hoje tem em mãos um material de muito mais qualidade que o garoto da década de 60. Mas se isso é um fator positivo ou não, eu não tenho capacidade de responder, pois há uma serie de questões a serem discutidas e levadas em consideração.
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