Homens admiráveis.
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Paulo Moreira Leite Desde janeiro de 2013, é diretor da ISTOÉ em Brasília. Dirigiu a Época e foi redator chefe da VEJA, correspondente em Paris e em Washington. É autor dos livros A Mulher que era o General da Casa e O Outro Lado do Mensalão. |
O blá blá blá da
maioridade penal
Os crimes hediondos
praticados por menores têm inspirado um debate deslocado e oportunista.
Na falta de ideia melhor,
o governador Geraldo Alckmin, às voltas com índices vexatórios de
criminalidade, resolveu iniciar um debate sobre a redução da maioridade penal.
Pela insistência com que a proposta vem sendo repetida, é legítimo suspeitar
que tivesse apoio em pesquisas junto a uma parcela do eleitorado.
É um debate deslocado
porque hoje os juízes já podem sentenciar menores a 3 anos de reclusão. É
oportunista porque dessa forma se esconde o verdadeiro debate, necessário e
urgente, sobre segurança pública em São Paulo.
Compreendo a indignação
das famílias e parentes das vítimas.
Mas a pergunta real é
saber se alguém acredita que uma simples medida desse tipo irá trazer qualquer
mudança mais profunda.
Sou cético até por uma
razão pratica. Todo criminoso, menor de idade ou não, sabe que no Brasil corre
o risco de ser morto em tiroteio ou mesmo simplesmente executado pela polícia –
e nem essa possibilidade, bastante concreta, consegue dissuadir um ato violento.
Será que a chance de ser condenado irá mudar isso? Duvido.
Este cálculo pode ser
feito por um cidadão que tem um horizonte de opções e escolhas para tocar sua
vida.
Não é disso que estamos
falando nesta discussão.
Nem todos os brasileiros
vivem num país de oportunidades sociais relativamente igualitárias e
abundantes, no qual o crime pode ser visto como um ato de escolha.
Como sabe qualquer pessoa
que caminha pelo país real e tem empatia para procurar entender um ponto de
vista diferente do seu, o crime muitas vezes é uma opção possível num quadro de
abandono, violência e falta de oportunidades.
Nada o justifica. De forma
alguma.
Mas não estamos falando
optar entre a escola e a rua, um trabalho razoável e um 38 de cano raspado,
certo? Nem de um mundo onde a polícia atua com eficiência e dispõe de recursos
necessários para o serviço, certo? Estamos num universo de carência geral.
A criminalidade, no
Brasil, tem uma natureza social óbvia. Por isso as prisões estão cada vez mais
cheias e nem por isso a segurança aumenta na mesma proporção. Está na cara que
há algo maior do que a luta de mocinho e bandido dos filmes americanos, certo?
O único lugar onde a
criminalidade tem apresentado quedas significativas tem sido o Rio de Janeiro.
Os números das UPPs são óbvios, grandiloquentes e incontestáveis.
Fez-se, no Rio, aquilo que
sempre se soube que deveria ser feito para combater o crime. O Estado foi
deslocado para as regiões da cidade onde a população era entregue à própria
sorte. Em vez de se entregar a população à própria sorte e de se tentar
atemorizar criminosos com penas sempre mais duras, cumpriu-se o óbvio. O Estado
assumiu seu papel e garante, com homens e armas, a segurança da população. O
saldo é conhecido de todos.
Chegaram investimentos e empregos nas favelas. Até
agências bancárias foram abertas.
Eu acho tão obvio que o
Rio de Janeiro tornou-se um exemplo nesta matéria que me pergunto por que não
se debate, em outros estados, uma solução que leve essa lição em conta. Não se
trata de copiar mecanicamente uma solução.
Mas de entender que ali se aplicou
um princípio político essencial, que é obrigar o Estado a cumprir sua obrigação
com a defesa do cidadão. Com adaptações, essa ideia deve ser aplicada em todo
país.
É tão obvio que chego a me
perguntar por que isso não é feito. Essa é a pergunta real.
Não é difícil responder.
Uma ideia que coloca a questão no plano dos indivíduos criminosos ajuda a
esconder a miséria social de São Paulo, Estado mais rico do país, mas universo
de imensas carências. Muitas autoridades gostam de fingir que não existem
favelas nem áreas controladas pelo tráfico em São Paulo.
Um projeto com essa
grandeza só é possível quando se faz uma autocrítica do passado -- e não deve
ser fácil para um partido que administra São Paulo desde 1982 com poucos
intervalos -- assumir que não soube encarar com seriedade um problema tão
serio.
Por isso é melhor fingir
que a maioridade é um debate relevante.
É cômodo.
Para ajudar o projeto a
caminhar, não faltam nem pensadores capazes de criar a teoria do mau selvagem
-- em oposição ao bom selvagem -- apenas para dar sustentação a uma ideia que
pode dar um sentimento de reparação às famílias de vítimas, mas não levará a
lugar algum.
Post: Marcelo Ferla
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