Samarco
pagou só 1% do valor de multas ambientais por tragédia de Mariana
Ibama e governos de MG e ES
aplicaram 68 multas, que totalizam 552 milhões de reais
Apenas a entrada de uma,
parcelada em 59 vezes, foi paga. Empresa recorre das outras
TALITA BEDINELLI
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Foto de outubro de
2016 mostra a reconstrução da barragem. YASUYOSHI CHIBA AFP
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A tragédia de Mariana, que
deixou 19 mortos e um rastro de lama e destruição ao longo de 600 quilômetros
entre Minas Gerais e Espírito Santo, completará dois anos em novembro.
Mas, até
agora, as principais multas impostas pelos órgãos ambientais dos governos
federal e dos dois Estados afetados à mineradora Samarco, dona da barragem que
se rompeu, ainda não foram pagas.
Das 68 penalidades, que totalizam quase 552
milhões de reais, 67 estão em fase de recurso.
Apenas uma, parcelada em 59
vezes, começou a ser quitada: o valor corresponde a 1% do total.
Levantamento do EL PAÍS
junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA) aponta que o órgão federal aplicou 24 autos de infração à
mineradora por motivos ligados ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.
A Samarco recorreu de todos: 22 ainda estão na primeira instância
administrativa do órgão e outros dois na segunda; se perder nas duas
instâncias, a empresa ainda pode recorrer à Justiça, somando suas penalidades à
longa lista de multas do Ibama ainda não pagas devido ao grande número de
recursos disponíveis.
Segundo o Ibama, o total de
penalidades aplicadas pelo órgão federal à Samarco totaliza 344,85 milhões de
reais.
A última delas é de fevereiro deste ano, com data de vencimento em
março, segundo o auto de infração, que explica que a penalidade se deve ao fato
de a mineradora deixar de atender a exigências legais após ser notificada pelas
autoridades.
Foi a quarta multa aplicada em 2017 relacionada ao rompimento da
barragem, por situações que incluem, por exemplo, a entrega em desconformidade do
que foi fixado pelo Ibama em um programa de busca e resgate de fauna afetada
pela lama.
A situação não é diferente
nos órgãos ambientais estaduais, que aplicam sanções adicionais às do Ibama.
Dados da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(SEMAD) de Minas Gerais apontam que desde o desastre foram aplicadas 38 multas
à mineradora, totalizando 205,86 milhões de reais.
Destas, 37 estão em fase de
recurso.
Só uma, a primeira, aplicada logo em novembro de 2015 e chamada pelo órgão
de "multão" por se referir ao rompimento da barragem em si, começou a
ser paga.
O valor original era de 112,7 milhões, que acabou atualizado para
127,6 milhões.
A Samarco parcelou a dívida em uma entrada de 6,38 milhões —o
único valor pago do total das multas aplicadas pelos dois órgãos até agora— e
outras 59 parcelas que, em média, custarão dois milhões de reais cada.
Apenas
para efeito de comparação, o lucro líquido de uma das donas da mineradora, a
Vale, foi de 7,89 bilhões de reais nos três primeiros meses deste ano, um valor
25% maior que o mesmo período de 2016.
No Espírito Santo, todas as
seis multas aplicadas pelo Governo estão em fase de recurso.
Elas totalizam
cerca de 1,25 milhão de reais, segundo o secretário de Meio Ambiente, Aladim
Cerqueira. "Nenhuma até agora foi paga.
A empresa entrou com recurso. Essa
questão dos prazos [para o pagamento de multas] é algo estrutural, de muito
tempo.
Reconhecemos que temos que melhorar o sistema e estamos investindo
nisso", afirma ele, que aponta processos na secretaria que estão
tramitando há cinco anos.
Ele ressalta, entretanto, que apesar da demora, as
empresas multadas costumam sanar a situação flagrada.
No caso da Samarco,
ressalta ele, foi feito um acordo para que sejam implementados programas para diminuir
os danos provocados.
A Samarco afirma que recorre
das multas por entender que "há aspectos técnicos e jurídicos nas decisões
que precisam ser reavaliados e, por isso, aguarda a decisão administrativa das
defesas apresentadas".
A empresa afirmou, ainda, que em 2016 aplicou dois
bilhões de reais nas ações de reparação e compensação assumidas em um Termo de
Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em 2016 com os governos
federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo.
"Outros investimentos
continuam sendo feitos pela Fundação Renova, entidade sem fins lucrativos que
assumiu em agosto de 2016 a responsabilidade de implementar todos os programas
do TTAC".
Morosidade das punições
O não pagamento das multas é
mais um exemplo de como o desastre tem sido punido a passos lentos.
O processo
criminal, que pode levar para a cadeia diretores da Samarco e de suas
proprietárias, a Vale e a BHP Biliton, foi paralisado pela Justiça federal,
para a análise de um pedido da defesa que argumenta que houve o uso de provas
ilegais no processo.
Segundo o juiz do caso, que deferiu a suspensão, as
alegações da defesa, se comprovadas, podem acabar por cancelar o processo,
levando-o à estaca zero.
A ação criminal julga a denúncia do Ministério Público
Federal, que acusou a Samarco, a Vale, a BHP Billiton e 21 diretores das três
empresas por suspeita de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco
de matar), inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais
em decorrência da tragédia.
Dois destes diretores — o
ex-presidente da Samarco Ricardo Vescovi e o ex-diretor de operações da
mineradora Kleber Terra— alegaram à Justiça que a investigação usou informações
de grampos telefônicos coletadas fora do período autorizado pela Justiça.
O
processo está suspenso até que as companhias telefônicas informem o período
exato de coleta das informações.
O procurador-geral da República Eduardo Aguiar
nega que os grampos duraram para além do prazo autorizado e diz que a confusão
de datas pode se dever à demora na notificação da Justiça às companhias
telefônicas para o início da interceptação telefônica, cujo prazo de vigência é
de 15 dias.
Aguiar é um dos oito
procuradores da força-tarefa montada pelo MPF para investigar o desastre da
barragem de Fundão.
Eles também são responsáveis pela ação civil pública movida
contra a empresa, que pode gerar um ressarcimento estimado em 155 bilhões em
compensações.
Ela também está parada para a confecção dos termos do acordo,
planejado para sair em outubro, véspera do segundo aniversário da tragédia —ele
é negociado há pelo menos um ano.
Também foram temporariamente
suspensas na Justiça comum de Minas Gerais, em julho, milhares de ações
judiciais contra a Samarco de pessoas que afirmam terem sido afetadas pelo
rompimento da barragem para que o Judiciário analise um pedido da empresa.
A
mineradora quer que a Justiça aplique uma medida chamada de Incidente de
Demanda Repetitiva nos processos, o que faria com que todas as causas tenham a
mesma solução, independentemente da demanda.
Segundo afirmou ao site G1 a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB) de Governador Valadares, onde estão 50.000
processos parados, a medida já foi adotada no Espírito Santo e o valor
estabelecido para as indenizações foi de 1.000 reais.
A Samarco afirma que não
vai comentar sobre as ações na Justiça.
post: Marcelo Ferla
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