Quando
‘fake news’ causam tragédia na vida de pessoas comuns
|
Gopal Chandra Das (E)
e Radhika Das, os pais de Nilotpal Das, vítima de um linchamento provocado por
um rumor falso, em sua casa em Guwahati, Índia, em 9 de julho de 2018 - AFP
|
O que ia ser um passeio pelo
campo para Nilotpal Das e seu amigo Abhijeet Nath, dois jovens indianos, acabou
em tragédia quando foram linchados, ao se transformarem em vítimas de falsos
rumores na internet.
Na casa dos pais de
Nilotpal, em Guwahati, a capital regional do estado de Assam (nordeste da
Índia), o móvel da televisão na sala se tornou há um mês um memorial de seu
filho, engenheiro de som.
Seus retratos mostram um jovem extrovertido e
cosmopolita que tinha acabado de completar 29 anos quando foi morto.
“As redes sociais podem ser
benéficas para a sociedade, mas também podem prejudicá-la”, diz Gopal Chandra
Das, vestido com uma túnica branca de luto pela morte do filho.
Assim como aconteceu com os
dois amigos de Assam, os rumores virais no Facebook e WhatsApp sobre supostos
sequestradores de crianças custaram a vida de cerca de 20 pessoas, linchadas
por toda a Índia nos dois últimos meses, segundo cálculos de meios de
comunicação locais.
– Localidade deserta –
Em 8 de junho, Nilotpal e
Abhijeet, um empreendedor de 30 anos, partiram em um 4X4 para o distrito de
Karbi Anglong, de maioria tribal e a três horas de Guwahati.
Suas cachoeiras
são uma atração turística regional.
Nilotpal “gostava de ouvir o
som da natureza para encontrar inspiração para sua música”, conta seu pai.
Mas eles não sabiam que
havia alguns dias circulavam pela região notícias falsas sobre traficantes de
crianças, de celular em celular.
Nesta área isolada e economicamente
desfavorecida, com poucas fontes de informação, as redes sociais são uma espécie
de boca a boca moderno.
Ao entardecer, os dois
turistas relaxavam junto a um córrego quando um aldeão os abordou e iniciou uma
discussão por motivos desconhecidos.
Perseguidos, os jovens foram embora
rapidamente, mas o homem alertou o povoado seguinte, a três quilômetros dali.
“Disse que dois homens
tinham sequestrado uma criança e estavam se aproximando do local, que era
necessário interceptá-los”, relatou à AFP Gulshan Daolagupu, vice-comissário de
Karbi Anglong, mostrando o lugar onde o veículo foi parado.
O estado do veículo, com os
vidros destroçados, o capô deformado, equipamentos saqueados e assentos
estripados, mostra a selvageria do ataque, com golpes de bambus, foices e
pedras por parte de uma multidão histérica.
Convencidos de terem matado
os sequestradores de que tinham ouvido falar por WhatsApp, os participantes
difundiram vídeos do linchamento na internet, imagens que chocaram toda a
Índia.
A investigação tenta
determinar se o suspeito na origem do caso, um motorista de táxi coletivo de 35
anos, realmente acreditava que havia motivos para se preocupar ou se
instrumentalizou este rumor com fins perniciosos.
Há cerca de 50 pessoas
detidas por este linchamento.
“Se não existissem as redes
sociais, nada disso teria acontecido”, aponta G V Siva Prasad, chefe de polícia
de Karbi Anglong.
Um mês depois dos
acontecimentos, a localidade de Panjuri Kachari está quase deserta.
Só há
mulheres, crianças e idosos, já que os homens estão atrás das grades ou
foragidos.
– “Medo do outro” –
Os linchamentos motivados
pelas informações infundadas ou maliciosas não são um problema novo, mas a
chegada dos smartphones a zonas mais afastadas na Índia permite uma propagação
desenfreada das “fake news”.
No entanto, para que estes
rumores cheguem a matar, devem se somar a tensões sociais ou políticas já
existentes.
Na opinião do pesquisador
Abdul Kalam Azad, o linchamento de Karbi Anglong se inscreve no contexto
particular de Assam, mosaico de etnias regularmente sacudido pelos confrontos
entre comunidades.
As diferentes partes alimentam um “medo do outro” que semeia
o terreno para a paranoia.
“Assam conhece a violência
há bastante tempo.
As ‘fake news’ tornam essa situação de conflito mais
perigosa, mais violenta, e agora isso ficou claro”, declarou à AFP este
especialista da região.
O caso de Nilotpal Das e
Abhijeet Nath teve um especial impacto na Índia.
As duas vítimas simbolizam uma
certa classe média urbana, acomodada, viajante e aberta ao mundo, às vezes
atingida pela crua realidade de seu país.
“Todo mundo diz ‘poderia ter
sido o meu filho, poderia ter sido eu’.
Isso impressiona as pessoas, pensar que
qualquer pessoa inocente poderia ter morrido neste ataque selvagem”, aponta
Ittisha Sarah, uma das amigas dos jovens de Guwahati, com lágrimas nos olhos.
post: Marcelo Ferla
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua opinião.