O PROFESSOR PEDRO Guilherme
Freire, de 34 anos, foi condenado nesta terça-feira a sete anos de prisão em
regime fechado junto de outras 20 pessoas que participaram de protestos nos
anos de 2013 e 2014.
O juiz Flávio Itabaiana, da primeira instância do Rio de
Janeiro, considerou que Pedro e os demais réus fizeram associação criminosa e
corromperam menores. Outras três pessoas receberam penas de cinco anos a 10
meses.
Segundo a condenação, seu papel na “organização criminosa” era o
planejamento e a execução das ações diretas.
As provas são relatos e mensagens
que ele trocou com outros réus nos dias anteriores ao ato de 28 de junho de
2014.
Na decisão, o juiz fala
sobre a “conduta social reprovável” dos réus, marcada pelo “desrespeito aos
Poderes constituídos” – como o Legislativo, que teria sido desrespeitado na
Ocupa Câmara – e a ocupação Ocupa Cabral, em que manifestantes acamparam em
frente à casa do ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
“É inacreditável o então
governador deste Estado e sua família terem ficado com o direito de ir e vir
restringido”, escreveu o juiz.
Itabaiana também considerou
que os ativistas merecem penas maiores por serem de classe média.
Segundo a
decisão, eles tiveram “oportunidades sociais que a esmagadora maioria dos réus
nas ações penais não teve, não podendo sua pena, por conseguinte, ser a mesma
que aquela de uma pessoa em situação idêntica, mas com poucas oportunidades
sociais.”
Entre os 23 condenados,
estão Caio Souza e Fabio Raposo, que respondem em outro processo pelo homicídio
do cinegrafista Santiago Andrade, da Bandeirantes, atingido na cabeça por um
rojão, e também a advogada Eloísa Samy e a ativista Elisa Quadros, que ficou
conhecida como Sininho.
Às vésperas de ter o segundo
filho, o professor diz que foi detido em um protesto em 2014 e, por ter sido
identificado em uma imagem, foi incluído no processo dos 23.
Militante da
Organização Anarquista Terra e Liberdade, ele diz que conhecia só alguns dos
manifestantes que foram condenados junto com ele.
Apoiada em relatos de
testemunhas, a decisão diz que outros dois condenados pertenciam à mesma
organização.
“Esse processo é todo uma arbitrariedade, é todo ilegal, é
monstruoso.
Reúne pessoas que nem se conheciam e chama isso de associação
criminosa”, diz.
Ele contou a sua versão dos fatos ao The Intercept Brasil:
Eu tenho 34 anos, sou
professor da rede pública e particular.
Tenho uma companheira que está grávida.
Nossa prioridade agora é a chegada da Alice, que vai nascer em uma ou duas
semanas.
Temos uma filha de um ano e sete meses e eu tenho também dois enteados
que moram conosco, filhos da minha companheira.
Comecei a participar de
manifestações e atos quando eu tinha 14 anos, na escola.
Meu avô era uma pessoa
politizada, ele foi operário de fábrica.
Nunca chegou a ser um militante
político, mas tinha uma visão de esquerda.
Comecei a ser um militante mais
ativo em 2002.
Foi um professor de geografia do ensino médio da escola que
abriu muito a minha visão de mundo.
“Nós
somos pessoas normais que estão sendo criminalizadas.”
Em 2004, eu comecei a atuar
como educador de jovens e adultos e participei de ocupações dos Sem Teto.
Eu e
alguns estudantes começamos a atuar como apoiadores desse movimento no Rio de
Janeiro.
De 2004 a 2011, foi o maior movimento popular que teve na cidade, que
botava mais gente na rua.
Foi um período de várias ocupações de prédios e a
maioria, infelizmente, foi despejada.
Nessa época houve grandes
atos, como por exemplo o Grito dos Excluídos, de 2006 e 2007.
Foi muita gente.
A gente atuava em uma ocupação de sem teto que ficava na Praça Mauá, e essa
ocupação foi despejada.
Lembro que saímos em 200 pessoas.
Tinha a Frente de
Luta Popular, que mobilizava essas ocupações, e os movimentos de favela, que
foram muito importantes durante um período no Rio.
A prisão
Eu fui preso em 2010 quando
eu participava como apoiador do Movimento Sem Teto.
É isso que consta no
processo.
Fui preso pela Polícia Federal com mais seis companheiros.
Eu
respondi ao processo, houve um acordo com o Ministério Público.
Em 2014, eu fui detido em
uma manifestação da abertura da Copa.
Tem uma imagem que ficou conhecida, eu
sendo carregado, mas fui liberado após algumas horas.
Foi por causa disso que
eu acabei entrando nessa lista dos 23.
Só que eu não estava na minha residência
quando foram me prender.
Então, eu fiquei foragido.
Eu e algumas pessoas
ficamos nessa condição.
Até hoje tenho na minha
ficha profissional um processo de abandono de emprego por conta dos dias que
estive foragido.
Teve um processo de demissão, mas por conta dos meus próprios
alunos eu consegui permanecer no emprego.
Fizeram uma campanha muito forte pra
mim, em 2014, pra eu não ser demitido, e venci.
‘Mentira mal construída’
O grupo dos 23 é muito
plural.
São pessoas que atuavam nas ruas.
O que esse juiz fez foi juntar
pessoas e tentar transformar isso em uma associação criminosa.
Pessoas que não
eram da mesma ideologia, não são da mesma formação política, da mesma trajetória.
Eram atos que tinham um milhão e meio de pessoas.
Ele juntou [os 23] para criar
bodes expiatórios.
Eu conhecia algumas pessoas
[do grupo].
Faço parte de uma organização política que é a Organização
Anarquista Terra e Liberdade que integrava, na época, a Frente Independente
Popular.
Era uma frente para ação, mas ninguém atuava junto ou convivia, também
não era rede de amizades.
E tinha um outro grupo que era do Movimento
Estudantil Popular Revolucionário.
Então uma parte é de militantes desses
grupos e a outra é de jovens independentes que participavam dos movimentos de
rua, o Ocupa Câmara, Ocupa Cabral.
A condenação a gente já
esperava porque o juiz é um cara extremamente reacionário, um juiz com visão
punitiva, que tem trajetória familiar muito autoritária, vem de herança de
apoio à ditadura militar.
Ele já prendeu outras pessoas inocentes.
Mas a gente ficou surpreso
com o tamanho da pena.
Esse processo é todo uma arbitrariedade, é todo ilegal,
é monstruoso.
Reúne pessoas que nem se conheciam e chama isso de associação
criminosa, ele usa fatos inventados, como essa coisa que a gente planejava
explodir o Maracanã, explodir a Câmara dos Vereadores.
Ele fez uma série de
coisas que mostra bem o que é esse processo.
Uma mentira mal construída.
Mas a
justiça é dominada por forças e não precisa de muita coisa pra condenar alguém.
Foi o que aconteceu.
Por exemplo, na denúncia
inicial do Ministério Público nem havia o crime de corrupção de menores.
Isso
foi incluído pelo juiz depois.
Isso fez aumentar a pena para sete anos, e assim
pode condenar a regime fechado.
A maioria das pessoas é de
estudante e moradores de favela.
Se for colocar em categoria de classe, é
classe média baixa.
Eu ainda nem tive tempo de ler a sentença, porque como uma
pessoa comum, eu tenho meu trabalho, minha vida, meus filhos, tenho que cuidar
de casa.
Eu não conseguir parar ainda.
[Minha companheira] é
militante política e somos do mesmo grupo.
Atuamos no Sindicato dos
Profissionais da Educação, que reúne profissionais da rede pública.
Ela não
está no grupo dos 23.
Tenho uma bebê de um ano e sete meses e tem meus dois
enteados, que eu busco na escola, faço comida, porque minha esposa trabalha
manhã e tarde e eu trabalho manhã e noite.
Um processo desse tumultua
nossa vida.
É uma agressão muito forte e instaura uma situação de pânico em
algumas pessoas.
Você tem uma ficha criminal e isso te prejudica em milhões de
coisas, além da imagem que fica pra muitas pessoas, como se a gente gente fosse
alguém violento, criminoso, que não tem nada a ver conosco.
Pensando no futuro, como
ficaria a minha vida?
Minha companheira ficaria sobrecarregada sozinha,
cuidando das crianças?
Nós somos pessoas normais que estão sendo criminalizadas
e de uma forma que ataca nossa família inteira.
post: Marcelo Ferla
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