De
novo, o Ibope mede uma caricatura do conservadorismo brasileiro
Bruno Garschagen
Essa pesquisa que mede o
grau de conservadorismo da sociedade brasileira é das coisas mais estúpidas que
o Ibope já fez.
Não só porque há um equívoco fundamental naquilo que se propõe
a fazer, como também porque estabelece uma caricatura do que é ser conservador
no Brasil.
É a terceira vez que o
instituto comete essa pesquisa.
Na mais recente, realizada num universo de 2002
entrevistados em 142 municípios e divulgada no dia 15 de abril, o instituto
tentou novamente demonstrar a dimensão da posição conservadora no país a partir
de respostas favoráveis ou contrárias a respeito de cinco temas: contrato civil
entre pessoas do mesmo sexo (que insistem em chamar de “casamento”), legalização
do aborto, redução da maioridade penal, prisão perpétua para crimes hediondos e
adoção da pena de morte.
O levantamento teria
constatado um pequeno aumento no grau de “conservadorismo” entre 2016 (0,686) e
2018 (0,689), mas essa afirmação nem sequer pode ser feita porque o
“crescimento” está dentro da margem de erro, que é de dois pontos porcentuais
para mais ou para menos.
As perguntas da pesquisa,
por serem abrangentes e abstratas, impedem respostas qualificadas, que são
medidas a partir de uma escala de 0 a 1.
Por esse critério, quanto mais
favorável for a posição sobre cada um dos tópicos, mais elevado o grau de
“conservadorismo”; quanto menos, maior o grau de progressismo.Entre zero e
0,3, o grau é baixo; entre 0,4 e 0,6, médio; entre 0,7 e 1,0, alto.
Para a pesquisa, o
verdadeiro “conservador” seria aquele que fosse contrário ao contrato civil
entre pessoas do mesmo sexo e à legalização do aborto, e a favor da redução da
maioridade penal, da prisão perpétua para crimes hediondos e da pena de morte.
O progressista puro sangue seria aquele que respondesse o contrário do
“conservador”.Tais conclusões são de uma
idiotice monumental que jamais viriam à luz se algum dos sábios que elaborou a
pesquisa se desse ao trabalho de estudar o básico sobre o pensamento
conservador, que, usando a definição de política de fé de Michael Oakeshott,
recusa uma única solução racional e dogmática, considerada a melhor em todas as
circunstâncias.
Quero dizer com isso que
haverá conservador com argumentos plausíveis para defender ou ser contra a pena
de morte, por exemplo.
Eu, pessoalmente, acho que a pena de morte é um prêmio
para o criminoso, que também deve pagar em vida pelos seus atos o que ele terá
de responder a Deus pela eternidade.
Sobre o aborto, basta ser humano para ser
contra.
A pesquisa tem um viés
claramente ideológico, mesmo que aqueles que a formularam nem tenham
conhecimento para percebê-lo.
Do título, da opção de contrapor “conservadorismo”
a “progressismo” à escolha das perguntas, percebe-se nitidamente o propósito de
exibir a posição conservadora como negativa e a visão progressista como
positiva.
Dessa forma, também demonstram desconhecer completamente os conceitos
políticos dos dois termos – ou decidiram conscientemente elaborar não um
estudo, mas uma peça de propaganda ideológica travestida de ciência.
Os seus defeitos
metodológicos, que começam com o uso equivocado do termo conservadorismo,
inviabilizam qualquer observação sobre os seus resultados.
É possível,
entretanto, extrair algumas outras lições dos seus erros.
Um deles é legitimar
uma percepção fundamentalmente errada, que muitos reproduzem e que é comumente
expressa na afirmação de que “o povo brasileiro é conservador”.
Alguns fundamentam essa
intuição – que não passa de intuição e que será tema de artigo vindouro – sobre
o suposto traço conservador do povo brasileiro com base em pontos específicos
ou em toda a pesquisa, mesmo que a desconheçam ou não a mencionem.
Mas, se a
única base empírica existente para fundamentar a afirmação de que “o povo
brasileiro é muito conservador” é o levantamento do Ibope, que oferece uma
imagem profundamente distorcida sobre a posição conservadora, quem cai na
armadilha legitima a mentira que pretende atacar o conservadorismo e
apresentá-lo como a vanguarda do atraso.
A pesquisa do Ibope também
tenta consolidar uma falsa relação de causalidade entre defender determinadas
posições e ser conservador, ou entre ser de determinada religião e, portanto,
ser conservador.
Um católico ou evangélico não é necessariamente conservador
por ser católico ou evangélico.Professar uma religião não transforma ninguém
em conservador.
Pode haver pontos, princípios, valores ou determinadas
bandeiras sociais e políticas comuns, mas o fato de eventualmente existir
correlação não significa a existência de relação de causalidade.
Um desafio urgente é
estabelecer uma definição simples e coerente do que é o conservadorismo
brasileiro com base na nossa tradição conservadora do século 19.Somente a
partir daí será possível combater os equívocos e mostrar o que é – e o que não
é – ser conservador no Brasil no século 21.
post: Marcelo Ferla
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