Ameaças
aterrorizam moradores e ativistas que denunciam violência policial em Acari.
Parte das denúncias veio da
vereadora Marielle Franco, morta nesta quarta no centro do Rio.
Moradores dizem que
violência do 41º Batalhão, mais letal da cidade, aumentou com intervenção
federal.
MARIA TERESA CRUZ E
DANIEL ARROYO (PONTE)
Desde que o governo federal
anunciou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, há um mês, as
incursões do 41º Batalhão da Polícia Militar, considerado o mais letal do
estado, tornaram-se mais constantes e violentas, segundo ativistas e moradores
de Acari, na região norte do Rio.
As mesmas vozes contam que quem ousa
denunciar a truculência dos policiais passa a sofrer ameaças.
Uma das pessoas que
denunciou a violência da PM em Acari foi a vereadora Marielle Franco (Psol-RJ),
assassinada a tiros nesta quarta-feira (14/3), no Estácio, região central.
“Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse
momento.
O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando
e violentando moradores de Acari”, escreveu a vereadora em postagem no último
domingo (10/3).
Segundo militantes do Psol, Marielle não havia sido ameaçada.
No dia seguinte, um domingo,
a Ponte esteve na comunidade, localizada a 25 quilômetros do centro da capital.
A viagem de metrô com uma baldeação dura mais de uma hora.
Ao chegar, uma
passarela de pedestres está bloqueada.
Bem embaixo, um carro das Forças Armadas
e quatro oficiais fazem guarda.
No último domingo (11/3), a famosa feira de
Acari acontecia.
Um dia típico de verão, e o calor de 36 graus, abafado, era o
prenúncio da chuva que cairia à tarde.
Tudo em uma aparente normalidade.
No
sábado, porém, os moradores viveram momentos de terror que, segundo eles, antes
eram exceção e agora têm virado regra.
A comunidade foi despertada
por volta das 6h com muitos tiros e a chegada de três caveirões, veículos
blindados usados pela PM em incursões nas favelas.
“Era muito tiro, muito tiro
mesmo.
Eles estavam quebrando portões, entrando em casas sem mandado,
fotografaram moradores e identidades, em alguns lugares quebraram móveis.
Eles
andavam pelas ruas da comunidade, e isso eu posso falar com propriedade porque
aconteceu na minha rua, gritando que só iriam embora quando matassem três,
quatro, por aí”, relata Buba Aguiar, moradora e integrante do coletivo Fala Akari.
Para Buba, depois do anúncio
da intervenção, a sensação é que as operações da PM aumentaram em número e
violência.
“Os policiais estão se sentindo muito mais a vontade.
Sempre se
sentiram, mas agora estão muito mais para fazer o que estão fazendo.
É sábado,
domingo, não tem dia nem hora”, desabafa.
O ato de fotografar rosto e
identidades de moradores com o celular foi vista no final de fevereiro, em
operação dos militares na Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia.
“A gente não aguenta mais a
atuação desse batalhão [41º BPM, de Irajá, que atua na região].
A situação de
Acari está insuportável, mas a gente fica com um questionamento que é o
seguinte: a gente vai pedir o fim desse batalhão?
Se os policiais vão ser redistribuídos
e vão acabar com a vida das pessoas em outros locais?”, pondera.
De acordo com o aplicativo
Fogo Cruzado, que mapeia tiroteios no RJ de forma colaborativa, em 7 dias,
foram registrados 5 tiroteios em Acari.
Eram desse batalhão os 4 policiais militares
acusados de participar da chacina em Costa Barros, quando mais de 100 tiros
foram disparados e 5 jovens foram mortos.
E eram do mesmo 41º os participantes
de uma operação da PM que resultou na morte da estudante Maria Eduarda Alves daConceição, de 13 anos, dentro da escola, em março do ano passado.
Amedrontados, moradores
desabafam apenas com a condição de anonimato.
Muitos relatam que têm vivido
sobressaltados e, a qualquer barulho de caminhão, já imaginam que é o caveirão
chegando.
“A gente não sabe o que vai acontecer daqui meia hora.
Sinto que
aumentaram, sim [as incursões da PM após o anúncio da intervenção federal].
Quase todos os dias acontece e são horários que tem criança indo pra escola,
pra creche, trabalhador saindo para trabalhar.
A gente não tem mais expectativa
de vida”, desabafa um morador.
À Ponte, Buba Aguiar relatou
que, na semana anterior, havia sido ameaçada por dois policiais militares
enquanto bebia num bar em Vista Alegre, também na zona norte.
Segundo ela, o PM
que estava no banco do carona a chamou pelo nome, perguntou o que ela fazia ali
e disse:
“Toma cuidado, hem, porque Vista Alegre é bem perigoso, às vezes saem
uns tiroteios aqui”.
“Isso é uma ameaça?”,
perguntou Buba, segundo o seu relato.
“Não, imagina, só estou te
avisando porque a pista tá salgada, como vocês dizem”, teria respondido o
policial.
Muito próximo de uma das
entradas da comunidade, um grupo de fiéis saía da missa.
No muro amarelo, em
letras vermelhas, o nome da igreja: Nossa Senhora de Nazaré e Santos Martires
Ugandenses.
Conta a história do catolicismo, que no final do século XIX, 45
homens negros foram mortos pelo rei Mwanga II por serem cristãos.
As mortes
aconteceram com requintes de crueldade, tendo alguns deles sido queimados vivos.
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Igreja católica ao
lado de uma das entradas da favela | MARIA TERESA CRUZ PONTE
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Quase que como uma macabra
analogia, não muito longe da igreja que presta homenagem aos santos africanos,
na segunda-feira da semana anterior (5/3), dois moradores da comunidade foram
mortos, segundo testemunhas, por policiais do 41º Batalhão.
“Reginaldo e Eduardo,
jovens, negros, lindos e cheio de vidas.
Um deles muito amigo meu e com quem eu
tinha passado parte da tarde do domingo.
Eles estavam saindo para trabalhar.Os
corpos foram deixados perto do rio Acari”, relata, sem conter as lágrimas,
Buba.
“Não é guerra às drogas.
É guerra aos negros pobres.
Negros e pobres.
Porque o negro não é pobre pelo fato de simplesmente ser pobre.
Ele é pobre
pelo fato de ser negro”, pontua.
De acordo com os dados mais
recentes do ISP (Instituto da Segurança Pública), de 2016, os 463 mortos em
decorrência de intervenção policial têm majoritariamente esse perfil: 96,54%
são homens, 62,2% têm entre 17 e 24 anos e 75% são negros ou pardos.
Outro lado
A Ponte procurou, por
e-mail, a Polícia Militar do Rio de Janeiro para comentar a atuação do 41º
Batalhão da PM, mas até o momento não se pronunciou.
Colaborou Alan Lima
post: Marcelo Ferla
fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018
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