'Não
aceitamos crianças': avanço da onda 'childfree' é conveniência ou preconceito?
Paula Adamo Idoeta
- @paulaidoeta
Da BBC Brasil em
São Paulo
No resort do sul do país,
"é permitida a hospedagem apenas de maiores de 18 anos, para manter o
clima de sossego total para nossos hóspedes".
No restaurante de São Paulo,
crianças com menos de 14 anos são vetadas porque "o espaço não está adaptado
para recebê-las".
Na companhia aérea internacional, a "zona
silenciosa" é exclusiva para "viajantes com dez anos ou mais e para
viajantes que não estejam viajando com menores de dez anos", porque
"todos precisamos de um pouco de paz e silêncio".
No Brasil e no mundo,
formou-se um nicho de espaços que rejeitam a presença de crianças, com a
justificativa de garantir a tranquilidade dos demais clientes.
O nicho vem na esteira do
movimento "childfree" - "livre de crianças" -, que existe
desde os anos 1980 nos Estados Unidos e no Canadá para agrupar adultos que se
sentiam discriminados pela sociedade por não terem filhos.
Hoje, porém, parte desse
movimento childfree vai além do "não quero ter filhos" e adota o
discurso de "não gosto de crianças" ou "não quero crianças por
perto" e ganha corpo nas redes sociais.
"Não sou obrigada a
aguentar crianças mal-educadas que não sabem se comportar", "muitos
pais não impõem limites" e "os estabelecimentos têm o direito de
escolher quem vão servir" foram alguns dos argumentos citados por leitores
da BBC Brasil ao serem questionados, no Facebook, se achavam correto o limite
imposto à presença de crianças em determinados locais.
Mas outros pontos também
foram levantados:
"Será que todos aqui nasceram adultos e não lembram como
é ser criança?";
"E se os restaurantes passarem a proibir também
pessoas velhas, gordas e feias, será aceitável?"
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Você já foi barrado
com seus filhos em algum estabelecimento - um restaurante ou hotel que não
aceitasse crianças, por exemplo? E você acha certa ou não essa limitação? A BBC
Brasil vai fazer uma reportagem sobre o assunto e quer ouvir a sua opinião e as
suas experiências!
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Mas afinal, esse tipo de
veto a crianças está dentro da lei?
E quais as consequências sociais desse tipo
de medida?
Livre iniciativa x
discriminação
Há diferentes
interpretações jurídicas sobre o tema.
A advogada Fabiola Meira,
doutora em direito das relações de consumo e professora-assistente da PUC-SP,
defende que o veto é aceitável se for previamente (e claramente) informado ao
consumidor para não lhe causar constrangimento.
"Há quem diga que
pode haver preconceito, mas acho que locais privados podem adotar um modelo de
negócios para um público diferente (que restrinja crianças), com base na livre
iniciativa", diz à BBC Brasil.
"Não é algo contra uma raça ou
nacionalidade, que seria uma discriminação."
Já Isabella Henriques,
representante do instituto Alana, organização de defesa dos direitos infantis,
diz que, feita a ressalva a locais que sejam impróprios por trazerem perigos às
crianças, "o veto é discriminatório sim, por estar excluindo um segmento
da sociedade.
Abre precedentes para se excluírem também, por exemplo, pessoas
com deficiência".
"O fato de um
estabelecimento ser privado não o exime de ter de cumprir a Constituição, que
em seu artigo 5º diz que todos são iguais perante a lei, e que no artigo 227
diz que crianças e adolescentes têm prioridade absoluta", argumenta
Henriques.
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Resort e companhia
aérea adotaram veto a crianças.
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O tema também chegou a
Brasília.
Em maio, a Comissão de Desenvolvimento Econômico da Câmara dos
Deputados rejeitou um projeto de lei do deputado licenciado Mário Heringer
(PDT-MG) que proíbe estabelecimentos comerciais de vetar o acesso a crianças e
adolescentes.
No projeto - que ainda
será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara -, o deputado
argumenta que esse tipo de veto é "abusivo" e expõe clientes a
"constrangimento".
Para o relator Covatti
Filho (PP-RS), porém, "não se trata de um tratamento discriminatório das
crianças ou mesmo das famílias, mas da exploração legítima de um nicho de
mercado".
'Olhar fraterno'
Muitos empreendimentos
privados argumentam que seus espaços não foram projetados para os pequenos.
"Temos muitos morros
aqui e sacadas que são perigosas para crianças", diz à reportagem a
gerência de um resort exclusivo para adultos em Santa Catarina.
"E nossa
proposta é de proporcionar algo mais romântico e reservado, para casais em lua
de mel ou para o Dia dos Namorados.
Sempre informamos antes, então isso nunca
atrapalhou."
A advogada Aline Prado é
autora de um comentário com mais de 300 curtidas no post da BBC Brasil sobre o
tema.
"Pessoas que não têm filhos também precisam ter a liberdade de
escolher frequentar um ambiente sem crianças", opina, agregando que "é
comum vermos crianças desconfortáveis em alguns ambientes.
Não é obrigação dela
se comportar como adulto, mas ela não deveria ser exposta a isso por
adultos".
Mas defensores dos
direitos infantis veem essas restrições como evidências de uma sociedade mais
intolerante e egoísta.
"Se não conseguimos
conviver com as crianças e entender suas necessidades, que sociedade queremos
ter no futuro?
Uma que confine as crianças apenas a locais específicos gerará
adultos que não sabem se relacionar", opina Isabella Henriques, do Alana.
"A voz infantil
incomoda por não ter os filtros sociais.
(Mas) é o nosso valor do presente.
As
crianças têm direito a voz e a se expressar e a brincar de forma distinta do
adulto."
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Página de grupo
childfree no Facebook; movimento começou reunindo pessoas que se sentiam
socialmente excluídas por sua decisão de não ter filhos.
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Para a autora Elisama
Santos, consultora em comunicação não violenta e educadora parental, faz parte
da vida em sociedade aprender a lidar com o choro infantil - assim como outros
inconvenientes das relações pessoais.
"Adultos têm que
saber que o mundo não é só deles.
O choro da criança incomoda, assim como o
adulto bêbado também incomoda e ele não é (previamente proibido) nos
lugares", opina.
"A ideia de que a
criança é indesejada é violenta com ela e com sua família, numa época em que a
maternidade das grandes cidades é exercida em grande solidão e muitas mães têm
uma rede de apoio pequena - não têm com quem deixar o filho quando precisam ir
ao médico, se alimentar, se divertir.
Em que momento esquecemos que as crianças
é que vão perpetuar o nosso mundo?"
A farmacêutica paulista
Talita (nome fictício) sentiu isso na pele.
Quando seu primeiro filho tinha 3
meses de vida, ela e o marido arriscaram uma ida a uma pizzaria em Santos (SP).
O bebê chorava com cólica e com o calor, até que os donos do estabelecimento
sugeriram que a família fosse comer a pizza em casa.
"Mais do que
chateada, fiquei traumatizada mesmo", diz Talita.
"Foi uma de nossas
primeiras e últimas saídas com o bebê nos primeiros meses, com medo das reações
das pessoas (ao choro), porque criança é assim, imprevisível."
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'Temos também pais
cansados, com filhos que precisam comer. Que tal encarar situações com um outro
olhar?', sugere especialista.
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Por situações como essa,
Santos e Henriques defendem um "olhar fraterno" perante pais de
crianças que estejam chorando ou falando alto em público.
"Muitos de nós
vivemos em cidades não amigáveis para crianças, com poucos parques ou espaços
adequados.
Aí elas entram no restaurante e saem correndo e 'a culpa é da mãe
que não dá limites', quando a questão é muito mais complexa", opina
Henriques.
"Temos também pais
cansados, com filhos que precisam comer.
Que tal encarar situações (de mau
comportamento) com um outro olhar, oferecendo-se para brincar com a criança
enquanto o pai come?
No fim das contas, vale o ditado de que é preciso uma
aldeia para criar uma criança - é uma responsabilidade coletiva.
E isso não
significa deslegitimar quem não quer ter filhos, uma escolha que também precisa
ser respeitada."
post: Marcelo Ferla
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