A
incrível história de como os cavaleiros templários 'inventaram' os bancos.
Tim Harford
BBC Radio 4
 |
Temple Church, em
um pátio meio escondido no coração de Londres, foi o primeiro banco da cidade.
|
Na Fleet Street, uma das
mais movimentadas do centro de Londres, a dez minutos à pé da Trafalgar Square,
existe um arco de pedra pelo qual muita gente pode passar e viajar no tempo.
Um pátio tranquilo leva a
uma capela estranha, circular, e a uma estátua de dois cavaleiros em cima de um
único cavalo.
A capela é a Temple Church, construída pela Ordem Dos Templários
em 1185, quando ficou conhecida como a "casa londrina dos cavaleiros do Templário".
Mas a Temple Church não
tem apenas uma importância arquitetônica, histórica e religiosa.
Ela também foi
o primeiro banco de Londres.
Os cavaleiros templários
eram monges guerreiros.
Era uma ordem religiosa, com uma hierarquia inspirada
na teologia e uma missão declarada - além de um código de ética -, mas também
um exército armado e dedicado à "guerra santa".
Mas então como eles
chegaram ao negócio dos bancos?
Os templários dedicaram-se
inteiramente à defesa de peregrinos cristãos a caminho de Jerusalém.
A cidade
havia sido capturada na primeira Cruzada em 1099, e ondas de peregrinos
começaram a chegar, viajando milhares de quilômetros pela Europa.
Esses peregrinos
precisavam, de alguma forma, bancar meses de comida, transporte e acomodação
para todos eles, sem precisarem carregar grandes somas de dinheiro consigo - já
que isso os tornaria alvo fácil para ladrões.
 |
Papa garantiu a
oficialização dos Cavaleiros Templários em 1128.
|
Afortunadamente, os
Templários tinham uma solução.
Um peregrino poderia deixar seu dinheiro na
Temple Church em Londres, depois pegá-lo de volta em Jerusalém.
Em vez de
carregar o dinheiro até lá, ele só precisaria levar uma carta com o crédito. Os
Cavaleiros do Templário eram a Western Union (conhecida empresa que faz
transferência de dinheiro entre países) das Cruzadas.
Nós não sabemos direito
como os Templários faziam esse sistema funcionar, nem como se protegiam contra
fraudes.
Havia um código secreto para verificar o documento e a identidade do
viajante?
Banco privado
Os Templários não foram a
primeira organização no mundo a oferecer esse tipo de serviço.
Diversos outros
países haviam feito isso antes, como a dinastia Tang na China, que usava o
"feiquan" - "dinheiro voador", um documento de duas vias
que permitia a comerciantes depositarem seus lucros em um escritório regional e
depois pegarem o dinheiro de novo na capital.
Mas esse sistema era
operado pelo governo.
O sistema bancário oferecido pelos Templários funcionava
muito mais como um banco privado - embora pertencesse ao papa - aliado a reis e
príncipes ao redor da Europa e gerenciado por uma parceria de monges que tinham
feito voto de pobreza.
E os Cavaleiros do
Templário fizeram muito mais do que apenas transferir dinheiro por longas
distâncias.
Conforme coloca em seu livro Money Changes Everything ("Dinheiro muda
tudo", em tradução livre), William Goetzmann diz que eles ofereciam uma
série de serviços financeiros reconhecidamente avançados para a época.
Se você quisesse comprar
uma ilha na costa oeste da França - como o rei Henrique 3º da Inglaterra fez
nos anos 1200 com a ilha de Oleron, a noroeste de Bordeaux -, os Templários
poderiam ajudar a fechar o negócio.
 |
Rei Henrique 3º
comprou uma ilha na França usando os serviços financeiros oferecidos pelos
templários.
|
Henrique 3º pagou 200
libras por ano por cinco anos para os Templários em Londres, e quando seus
homens tomaram posse da ilha, os Templários zelaram para que o vendedor tivesse
recebido todo o dinheiro.
Ainda nos anos 1200, as
Jóias da Coroa foram mantidas no Templo como uma forma de segurança para um
empréstimo - com os Templários atuando como uma espécie de casa de penhor.
Os Cavaleiros do Templário
não foram o banco da Europa para sempre, claro.
A Ordem perdeu sua razão de
existir depois que os cristãos europeus perderam completamente o controle de
Jerusalém em 1244, e os Templários foram dissolvidos por completo em 1312.
Então quem assumiu essa
função bancária que eles deixaram?
Se você tivesse
presenciado a grande feira de Lyon em 1555, poderia conhecer a resposta.
Ela
foi o maior mercado para comércio internacional de toda a Europa.
Troca sofisticada
Mas nessa edição da feira,
começaram a circular rumores sobre a presença de um comerciante italiano que
estava fazendo fortuna no local.
Ele não estava comprando,
nem vendendo nada.
Tudo o que ele tinha à frente era uma mesa e um tinteiro.
 |
'Contas de troca'
permitiam que comerciantes pudessem fazer negócios em outros países.
|
Dia após dia, ele recebia
comerciantes e assinava pedaços de papel - e, de certa forma, ficava rico.
Os moradores locais
olhavam para ele com suspeita.
Mas para uma nova elite
internacional das grandes casas de mercadoria da Europa, suas atividades eram
perfeitamente legítimas.
Ele estava comprando e
vendendo dívidas - e, ao fazer isso, estava gerando um considerável valor
econômico.
Um comerciante de Lyon que
quisesse comprar, digamos, lã de Florença, poderia ir a esse banqueiro e pedir
um tipo de empréstimo chamado de "conta de troca".
Era um documento
de crédito, que não especificava a moeda de transação.
Seu valor era expressado
em "ecu de marc", uma moeda privada usada para essa rede
internacional de banqueiros.
E se os comerciantes de
Lyon ou seus agentes viajassem a Florença, a "conta de troca" do
banqueiro de Lyon seria aceita pelos banqueiros de Florença, que trocariam sem
problemas o documento pela moeda local.
Por essa rede de
banqueiros, um comerciante local podia não só trocar moedas, mas também
"traduzir" seu valor de compra em Lyon para valor de compra em
Florença, uma cidade onde ninguém havia ouvido falar sobre ele.
Era um serviço
valioso, que valia a pena.
De meses em meses, agentes
dessa rede de banqueiros se encontravam em grandes feiras como a de Lyon,
conferiam suas anotações e acertavam as contas entre si.
Nosso sistema financeiro
de hoje tem muito a ver com esse modelo.
Um australiano com um
cartão de crédito pode fazer compras em um supermercado de Lyon.
O supermercado
checa com um banco francês, que fala com um banco australiano, que aprova o
pagamento ao comprovar que ele tem o dinheiro em conta.
Contrapontos
Mas essa rede de serviços
bancários sempre teve também seu lado obscuro.
Transformando obrigações
pessoais em dívidas negociáveis internacionalmente, esses banqueiros medievais
passaram a criar seu próprio dinheiro privado, fora do controle dos reis da
Europa.
 |
O colapso do banco
Lehman Brothers em 2008 levou a uma instabilidade financeira global.
|
Ricos e poderosos, eles
não precisavam mais se submeter às moedas soberanas de seus países.
O que de certa forma ainda
é feito hoje em dia.
Os bancos internacionais estão fechados em uma rede de
obrigações mútuas difícil de entender ou controlar.
Eles podem usar seu
alcance internacional para tentar contornar impostos e regulamentações.
E considerando que as
dívidas entre eles são um tipo claro de dinheiro privado, quando bancos estão
fragilizados ou com problemas, o sistema monetário do mundo todo também fica
vulnerável.
Nós ainda estamos tentando
entender o que fazer com esses bancos.
Nós não podemos viver sem
eles, ao que parece, mas também não temos certeza de que queremos viver com
eles.
Governantes há muito tempo procuram formas de controlá-los.
Às vezes, essa abordagem
tem sido no esquema "laissez-faire" ("deixai fazer"),
outras vezes não.
Poucos governantes tem
sido mais duros com os bancos do que o rei Felipe 4º, da França.
Ele devia
dinheiro para os Templários, e eles se recusaram a perdoar seu débito.
Então, em 1307, no local
onde hoje fica a estação Temple do metrô de Paris, Felipe lançou um ataque ao
Templo de Paris - o primeiro de uma série de ataques ao redor da Europa.
Os templários foram
torturados e forçados a confessar todos os pecados que a Inquisição pudesse
imaginar.
A ordem acabou sendo dissolvida pelo papa.
O Templo de Londres foi
alugado para advogados.
E o último grande mestre
dos Templários, Jacques de Molay, foi trazido ao centro de Paris e queimado
publicamente até a morte.
*Tim Harford escreve uma
coluna de economia no Financial Times. "As 50 coisas que fizeram a
Economia Moderna" é um programa transmitido no Serviço Mundial de rádio da
BBC.
post: Marcelo Ferla
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe sua opinião.