'A guerra contra as drogas
é um fracasso', diz responsável pela captura de Pablo Escobar.
Laís Modelli
De São Paulo para a BBC
Brasil
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Ao
defender a legalização das drogas em um evento nos Estados Unidos, De Greiff
perdeu popularidade com a CIA.
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(NÃO LEIA SE VOCÊ QUISER
EVITAR SPOILERS DA SÉRIE "NARCOS")
Colômbia, 1992: com a
ascensão de Pablo Escobar como um dos narcotraficantes mais poderosos do mundo,
Gustavo de Greiff se torna o procurador-geral do país com um objetivo claro:
capturá-lo.
Com o desfecho da caçada -
que culminou na morte do traficante, em 2 de dezembro de 1993, e a consequente
queda do Cartel de Medellín - De Greiff se torna um dos homens mais respeitados
do país.
Mas nem tudo correu bem
para o procurador-geral.
No ano seguinte, ele se virou persona non grata nos
Estados Unidos após defender a legalização das drogas em um evento em Baltimore
- a gestão do então presidente Bill Clinton proibiu sua entrada no país.
Mais de 20 anos depois, a
figura de De Greiff voltou à tona com o lançamento da segunda temporada da
série Narcos, da Netflix - neste ponto da história, os caminhos do procurador e
do traficante, então foragido da Justiça, se cruzam.
Em entrevista à BBC
Brasil, ele, hoje com 87 anos, falou sobre drogas, papel dos Estados Unidos e,
é claro, Escobar.
Confira.
BBC Brasil - Como o senhor
descobriu a existência de Pablo Escobar?
Gustavo de Greiff - Antes
de eu começar a trabalhar na Procuradoria-Geral da Colômbia, Pablo Escobar era
conhecido pela Justiça como um narcotraficante de menor importância.
Em um tribunal de Medelín,
corria um processo relacionado a ele e a uma pequena quantidade de cocaína
destinada a uma ilha francesa no mar do Caribe - ainda que os organismos de
inteligência da polícia e da Justiça acreditassem que este não era o único caso
em que Escobar estivesse envolvido, não havia nenhuma outra prova contra ele.
Pouco antes de eu assumir
a função de procurador-geral, Escobar se submeteu a Justiça e confessou
envolvimento no caso da pequena quantidade de cocaína no Caribe.
E quando assumi o cargo de
fato, fiz com que a Procuradoria-Geral continuasse investigando as atividades
de Escobar, que nesta época já estava detido na prisão de Itagüí, de onde
depois fugiu.
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"Não
foi Pablo Escobar que instalou uma crise na Colômbia. Quando ele apareceu, o
país já estava em crise.".
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BBC Brasil - Na série
Narcos, o senhor é retratado conversando diretamente com Escobar, em uma cena
que ele teria ligado pedindo proteção à família depois de ter fugido da prisão.
Vocês chegaram a manter contato?
De Greiff - Eu nunca falei
diretamente com Escobar.
Depois que fugiu da prisão
de Itagüí, tentei fazer ele se entregar novamente.
Para isso, falei com o
advogado dele e esclareci que a Procuradoria-Geral garantiria proteção física,
assim como o respeito aos seus direitos processuais.
Enquanto eu mantinha
conversações com o seu advogado, a Procuradoria-Geral continuou buscando
Escobar.
Para localizá-lo, concebemos dar proteção à sua esposa, filha e filho
depois que o advogado nos mostrou que a família corria perigo de um atentado
por parte do Cartel de Cali e demais inimigos narcotraficantes.
Abrigamos a família com a
esperança de que em algum momento ele tentaria falar com a esposa e, por meio
desse contato, nós o localizaríamos.
Aconteceu que, já com a família sob nossa
custódia, a esposa manifestou que gostaria de se exilar na Alemanha junto dos
filhos.
Com a esperança de que
Escobar tentaria se comunicar com a família antes da viagem ou depois dela,
ajudamos nessa tentativa de exílio, mesmo sabendo que a Alemanha ou qualquer
outro país não admitiria a entrada da família naquele momento, com ele foragido.
Isso de fato aconteceu:
eles não conseguiram o exílio e localizamos Escobar.
BBC Brasil - Escobar ficou
conhecido como um dos maiores narcotraficantes de todos os tempos. Foi ele que
instalou uma crise política e social na Colômbia ou ele é fruto de uma crise
nacional mais antiga?
De Greiff - Não foi Pablo
Escobar que instalou uma crise na Colômbia.
Quando ele apareceu na vida pública
e criminal, o país já estava em crise.
Já haviam guerrilhas, já
havia violência nos campos e já acontecia o extermínio de um movimento político
denominado União Patriótica (partido político de esquerda fundado em 1985 e
perseguido por narcotraficantes), composto por guerrilheiros que se
desmobilizaram depois de um acordo de paz com o governo, mas que
desafortunadamente não prosperou porque eles passaram a ser exterminados
violentamente.
Também já existiam grupos
paramilitares que exterminavam guerrilhas nos campos, ao mesmo tempo em que
cometiam todo o tipo de ultrajes para enriquecer.
Escobar, junto de sua
quadrilha e demais narcotraficantes do período, veio a ser um ator adicional em
toda essa tragédia do país. Tem mais de 53 anos que a Colômbia não sabe o que é
viver em paz.
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Ex-procurador-geral
diz nunca ter falado diretamente com Escobar.
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BBC Brasil - Como foi sua
relação com os EUA enquanto ocupou o cargo de procurador-geral?
De Greiff - Quando estava
há um ano no cargo de procurador-geral da Colômbia, fui convidado para
participar de um evento nos Estados Unidos pelo senhor Kurt Schmoke, na época
prefeito de Baltimore.
O tema do evento era o narcotráfico, seus problemas
sociais e suas possíveis soluções - funcionários de outros países, assim como
demais cidadãos interessados no tema, também foram convidados.
Esse evento ocorreu há
mais de vinte anos, e eu ainda guardo fortes recordações.
Eu era novo no cargo
de procurador-geral, mas já tinha forte a convicção de que a repressão ao
tráfico poderia embargar carregamentos de drogas, confiscar bens de
traficantes, destruir laboratórios, mas não solucionava o problema do tráfico.
E expus isso na minha fala em Baltimore.
A maioria das pessoas que
me viu falar concordou comigo, mas um funcionário do Departamento de Estado do
Governo Federal dos EUA, cujo nome infelizmente não me lembro mais, me ameaçou,
impondo inimizade do seu país comigo e suspendendo toda a ajuda à
Procuradoria-Geral.
Ele cumpriu com sua ameaça
quando retornei à Colômbia.
BBC Brasil - Durante o
processo de captura de Escobar, o senhor foi um forte defensor da legalização
das drogas. Mais de vinte anos depois, mantém essa opinião?
De Greiff - Sim, basta ver
como o narcotráfico tem sido um problema até hoje para países produtores e ou
consumidores de drogas.
O narcotráfico seguirá
sendo um problema enquanto esses países não regularizarem a produção e o
comércio das drogas hoje proibidas.
Ou seja, é necessária a legalização das
drogas, mas seguida de uma adoção de novas medidas de saúde pública dirigidas
aos consumidores.
Claro que algumas coisas
mudaram nessas décadas no que diz respeito à política em relação às drogas,
principalmente nos EUA, como a legalização do consumo de maconha para usos
medicinais em poucos lugares.
E, em alguns Estados
norte-americanos, a maconha já é liberada para usos recreativos, assim como há
o estabelecimento de salas e lugares limpos em que é permitido o uso de drogas,
numa tentativa de retirar esse consumo das ruas.
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Policiais
no telhado onde Escobar foi morto, em 1993.
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Por outro lado, é o
próprio Governo Federal dos Estados Unidos que impõe grandes obstáculos no
avanço das políticas de drogas dentro e fora do país - esses pequenos avanços
foram estipulados por legislações estaduais e não pela federal norte-americana.
Esse comportamento
atrasado dos Estados Unidos foi seguido até pelo presidente (Barack) Obama, que
afirmou que seu governo aceitava discutir a legalização, mas que não seria ele
que mudaria tal política.
BBC Brasil - O senhor
acredita que ainda há grande interesse dos Estados Unidos em influenciar a
maneira como os países latinos estipulam suas políticas relacionadas às drogas?
De Greiff - Creio que o
interesse do governo norte-americano pelo problema das drogas nos países
latinos seja por conveniência: em razão da proibição, o mercado das drogas se
desenvolve em meio à violência e à corrupção.
Para garantir que medidas
repressivas quanto à política de drogas se apliquem nesses países, os EUA usa
do seu poderio material e político.
Com razão, nos países onde
os Estados Unidos têm influência na ação contra as drogas, o cenário foi
denominado como uma "guerra contra as drogas".
Como infelizmente
dependemos do comércio com o mercado norte-americano e de manter relações com
as suas instituições financeiras, seguimos suas indicações forçadas e também
participamos dessa "guerra".
E todos têm que entrar neste jogo: desde
os indivíduos até os funcionários desses países subordinados.
Isso aconteceu comigo e
foi por isso que me apelidaram de amigo de narcotraficantes.
O propósito não
foi somente um apelido, mas foi o de me desqualificar para que meu testemunho
não tivesse valor para propor uma mudança na política proibicionista.
A minha resposta diante
disso sempre foi: tenho um estranho problema na coluna vertebral que me impede
de me curvar aos poderosos.
Continuarei defendendo a
legalização da produção e do comércio das drogas e continuarei dizendo: a atual
guerra contra as drogas é um fracasso.
post: Marcelo Ferla
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